A suspeita é grave: Salles atendeu ao desejo de madeireiros paraenses e mandou o Ibama afrouxar as regras para a exportação de madeira nobre derrubada na Amazônia.
Foto: A triste e reveladora reunião ministerial em que Salles propôs aproveitar a distração da Imprensa com a Pandemia para “deixar passar a boiada” de afrouxamento das restrições legais ambientais / DAQUI
“Denunciamos há 14 meses a mutreta que motivou a devassa na vida do ministro do Meio Ambiente”.
Se vivêssemos tempos corriqueiros no Brasil, Ricardo Salles teria perdido o emprego de ministro na quarta-feira passada, quando a Polícia Federal amanheceu na soleira de casas e escritórios dele em Brasília e São Paulo.
________________________
A suspeita é grave: Salles atendeu ao desejo de madeireiros paraenses e mandou o Ibama afrouxar as regras para a exportação de madeira nobre derrubada na Amazônia. E pode não ter sido uma generosidade do pior ministro do Meio Ambiente da história do país: suspeita-se que Salles tenha recebido pagamentos pelo serviço prestado.
________________________
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal,
- autorizou a coleta de documentos e provas nos endereços de Salles,
- além da quebra dos sigilos fiscal e bancário dele e de outros envolvidos no caso,
- como o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, afastado do cargo por ordem da justiça.
Com base nisso, a PF irá verificar se o ministro e seus homens de confiança cometeram
- crimes de corrupção,
- advocacia administrativa,
- prevaricação
- e facilitação ao contrabando.
A história é uma bomba de tal poder de destruição que dividiu holofotes em Brasília com o primeiro dia de depoimento do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, o mais longevo comandante do Ministério da Saúde durante o descalabro que é a gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro.
Mas não é novidade para quem lê o Intercept. Em 4 de março de 2020, publicamos reportagem assinada por Rafael Neves e Leonardo Fuhrmann cujo título é “Homem de Salles no Ibama aproveita carnaval e libera geral a exportação de madeira nativa“.
Ela informava o seguinte:
Enquanto o país aproveitava o feriado [de Carnaval], Eduardo Bim
- eliminou uma barreira legal que existia há oito anos
- e afrouxou a fiscalização sobre todas as empresas do país que derrubam e exportam madeira nativa.
As duas associações que pediram e conseguiram a medida acumulam condenações a multas que somam R$ 15 milhões, em valores desatualizados.
__________________________________
É exatamente por ter feito isso que Bim foi apeado do cargo pelo STF na quarta-feira passada. A mutreta que denunciamos em março de 2020 é o ponto de partida de uma investigação que envolve até autoridades dos Estados Unidos.
__________________________________
Bolsonaro transformou Mourão em guardião de luxo de Ricardo Salles, o destruidor da Amazônia a mando do capitão-presidente – Imagem: DAQUI
Nossa reportagem também dava detalhes disso:
No início de fevereiro de 2020, o superintendente do Ibama no Pará já havia emitido uma autorização retroativa de exportação. Com isso, ele resolveu o problema de cinco contêineres de madeira que haviam sido embarcados sem a licença do órgão por uma empresa britânica chamada Tradelink e acabaram retidos nas alfândegas dos países de destino.
(…)
O superintendente [o coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo Walter Mendes Magalhães] justificou a medida pelo “número reduzido de servidores” e a “grande demanda processual e fiscalizatória”. Em vez de nomear gente para fiscalizar as cargas e autorizar a saída de produtos de empresas que seguem a legislação, o presidente simplesmente eliminou a necessidade do Ibama fazer isso. É como se a Anvisa, alegando falta de mão de obra, adotasse como regra liberar todos os medicamentos para consumo sem análise prévia.
(…)
A artimanha, contudo, durou pouco. Em janeiro, os países de destino das cargas – a começar pelos Estados Unidos – passaram a exigir o documento do Ibama que liberava a mercadoria. Ele não existia.
Com isso, como choramingam os madeireiros no ofício a Eduardo Bim, “várias cargas de madeira deixaram de ser embarcadas ou passaram a ser retidas nos portos de destino”. Foram situações como essa que levaram o ex-PM e superintendente do Ibama no Pará a atropelar as normas para tentar evitar o prejuízo de quem havia descumprido uma norma em vigor.
O pedido dos madeireiros foi levado à análise de cinco servidores da diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, a DBFlo. Em nota emitida no dia 13, os analistas ambientais deixaram claro que não era possível atendê-lo. A autorização, argumentaram, funciona como uma contraprova para as informações que a empresa fornece às autoridades aduaneiras.
Mas o alerta dos servidores começou a ser desconsiderado pelo próprio diretor da DBFlo, João Pessoa Riograndense. Em manifestação técnica publicada no dia 17, ele sustentou que o Ibama pode combater fraudes por meio de seu sistema de controle, e fazer inspeções periódicas apenas em cargas suspeitas, por amostragem.
O documento serviu de base para que Bim atendesse à vontade dos empresários uma semana depois.
Nós sabemos bem que tipo de gente é Ricardo Salles,
- um sujeito que se sente intocável a ponto de ir acompanhado de um segurança armado à Polícia Federal
- atrás de informações sobre a investigação contra ele,
- antes de se reunir com Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, um delegado da PF, para tratar do caso.
É por isso que mapeamos os passos dele desde que o político do Partido Novo (sic) se tornou ministro.
Já revelamos que Salles
- adulterou mapas para beneficiar mineradoras em São Paulo,
- loteou cargos de comando entre policiais da Rota como o que autorizou exportação de madeira sem documentação no Pará,
- impede servidores de carreira dos órgãos ambientais de fazerem seu trabalho
- e abriu mão de bilhões de reais em multas ambientais.
Além de ter mentido no currículo sobre ter feito um curso na Universidade Yale, onde jamais botou os pés.
- Em tempos normais, alguém como Salles jamais teria se tornado ministro.
- E mesmo um ministro respeitável não resistiria à gravidade das denúncias que pesam contra ele.
Mas vivemos no Brasil de Bolsonaro, que, um dia depois de ver a polícia devassar a casa de Salles, o classificou como um “excepcional ministro” na live semanal que faz para seu público de zumbis.
É difícil esperar que, sob Bolsonaro e Augusto Aras, o dócil aliado do presidente que comanda a Procuradoria-Geral da República, a coisa fique realmente feia para Salles e sua turma de destruidores do meio ambiente. Mas, quando esse pesadelo que vivemos passar, é provável que eles tenham contas a acertar com a justiça.
Aí, teremos certeza de que nosso trabalho não terá sido em vão.
.
Rafael Moro Martins
Editor Contribuinte Sênior
Fonte: http://williamrobson.com.br/a-desgraca-de-salles-comecou-aqui/
Leave a Reply