Frei Gilvander Moreira, 19/04/2021 – Imsgem: DAQUI
Ao longo da história da humanidade, o patriarcalismo foi hegemónico em muitos períodos e lugares, proibindo a mulher de participar da vida pública. Entretanto, desde os primórdios até hoje, as mulheres, mesmo sem serem notadas, sem serem contadas, muitas vezes silenciadas, continuam atuantes nas comunidades. É preciso vasculhar os textos da história, perceber a sua presença e descobri-las atuantes, ontem e hoje.
Mulheres contra o Patriarcalismo
- Isso faz-nos recordar o protagonismo de inúmeras mulheres na Bíblia
- como, por exemplo, aconteceu com o Movimento de Mulheres liderado pelas filhas de Salfaad – Maala, Noa, Hegla, Melca e Tersa
- – que lutou pela superação do patriarcalismo.
Que bom que o escritor bíblico tenha conservado o nome delas.
- Elas viram a injustiça patriarcal que estava na lei segundo a qual a herança passava de pai para filho (não para filha – Cf. Num 27,1-11).
- Elas rebelaram-se, pois estavam a ser excluídas do direito de ter terra, porque não tinham irmãos.
- E numa manifestação deram o grito:
«Queremos ter direito à propriedade da terra» (Nm 27,4).
- entenderam que esta seria a vontade de Deus
- e assim o movimento das mulheres da Bíblia conquistou mais um direito que lhes era negado.
As mulheres passaram a receber a herança do pai, do mesmo modo que outros parentes próximos. Travava-se assim a luta pela igualdade e dignidade entre homem e mulher.
O livro de Números termina com esperança, pois em Nm 36,1-12
- aparecem os líderes da tribo de José a alertar para o perigo de as mulheres casarem com homens de “fora da tribo”,
- pois elas levavam consigo a terra da herança dos pais e, assim, passo-a-passo, a terra, herança dos pais, poderia ser perdida.
O líder Moisés convoca uma assembleia e após discussão aprofundada chega-se à seguinte conclusão:
«Mulheres, vocês podem casar-se com quem quiserem, mas sempre dentro de algum clã da tribo do seu pai» (Nm 36,6).
Assim se conquistava mais uma Lei para assegurar que a terra pertence a Deus e não deve ser vendida (Lev 25,23).
- Além das parteiras do Egito – Séfora e Fuá -, de Mirian, Débora, Judite, Rute, Jael e tantas outras do Primeiro Testamento,
- as mulheres referidas no livro de Números integram o grande Movimento de Mulheres de luta na Bíblia.
E as mulheres no Movimento de Jesus?
- Como as assembleias cristãs funcionavam no interior das casas,
- a mulher tinha um papel eclesial ativo.
- A criação de “Igrejas domésticas” possibilitou uma maior influência e participação da mulher.
Muitas interpretações acabaram por esconder a presença e o protagonismo das mulheres no Movimento de Jesus, antes e depois da Ressurreição de Cristo.
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- “«Mamãe, porque só há homens nesta mesa? Onde estão as mulheres?
- Porque não está aí Maria, a mãe de Jesus? E Maria Madalena, que tanto amava Jesus, porque não está aí? E as crianças que Jesus tanto amava, onde estão?
- Não acredito que Jesus fosse um homem machista capaz de excluir as mulheres e as crianças desse momento tão importante que é a ceia.»
A Santa Ceia de Leonardo da Vinci, no Refeitório de um convento dominicano em Milão – Foto: Reprodução
As questões colocadas por essa menina fez-me contemplar com olhar mais penetrante o tradicional quadro da Santa Ceia e acabei por constatar
- que o artista quis, provavelmente, indicar a presença de duas mulheres a participar da Ceia de Jesus.
- Duas pessoas que participam na ceia não têm barba, nem bigode, traços característicos de todos os outros apóstolos.
A ternura da fisionomia indica tratar-se de dois rostos femininos. Uma está à esquerda e outra, à direita de Jesus.
- Seriam a Mãe de Jesus e Maria Madalena?
- Ou seria a apóstola Júnia, a quem o apóstolo Paulo envia uma saudação no final da Carta à comunidade Cristã de Roma (cf. Rm 16,7)?
- Ou seriam mulheres atuantes que, desde a Galileia, seguiram Jesus (Lc 8,1-3), como discípulas, não arredando o pé de acompanhar Jesus até à Cruz?
As mulheres foram as primeiras a fazer a experiência que as levaram à conclusão: Jesus ressuscitou e vive em nós. Sabemos os nomes de algumas delas: Maria (chamada Madalena), Joana (mulher de Cuza), Suzana, Maria (a mãe de Tiago o menor) e Salomé (cf. Mc 15,40-41).
- Um quadro destaca que o jantar foi feito por uma mulher escravizada.
- Um facho de luz solar destaca a escrava a preparar o jantar, enquanto os/as discípulos/as conversavam com Jesus na sala.
- Outro quadro mostra um jantar com muita fartura com a participação de quatro homens, duas mulheres, cão, gato, papagaio etc.
- Infelizmente, essa é uma interpretação reducionista e apologética
- que visa enfatizar a presença do Espírito Santo “quase” que somente nos líderes da Igreja Instituição.
Rastreando o primeiro capítulo de Atos dos Apóstolos, concluímos que estavam reunidos:
- «Os onze e Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, e as outras que estavam com elas» (Lc 24, 10);
- «algumas mulheres, Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos» (At 1, 14);
- «Galileus» (At 1, 11);
- Cléofas e a sua esposa («os discípulos» de Emaús – Lc 24, 13.18).
Em Lc 24, 13 diz-se que dois discípulos fugiram de Jerusalém após a condenação de Jesus à pena de morte. Um deles chamava-se Cléofas (Lc 24, 18).
Em Jo 19, 25-26 temos notícia de que Maria, mulher de Cléofas, estava ao pé da cruz, juntamente com outras mulheres.
Um princípio de interpretação bíblica diz que a Bíblia se autoexplica, ou seja, uma passagem pode ser iluminada por outras passagens bíblicas.
- É difícil pensar que Cléofas iria fugir do centro de perseguição, deixando a sua esposa sob o risco de ser crucificada também,
- pois a presença dela ao lado de Jesus poderia atiçar a ira dos seus executores.
- Se Cléofas está acompanhado da sua esposa Maria, temos aqui mais uma vez as mulheres ajudando os homens a experimentar a Ressurreição de Jesus.

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