
Maíra Mathias e Raquel Torres, 22/02/2021 – Foto: Daqui
Média de mortes já ultrapassa a de julho — mas pouquíssimos prefeitos decretam lockdown. Governo perdido diante da falta de vacinas. E mais: presidente do Senado quer “liberar” Estados e Municípios de investir em Saúde e Educação
HORA MAIS SOMBRIA
O Brasil completou ontem 32 dias seguidos com média de mortes acima de mil, o período mais longo de toda a pandemia.
- O marco anterior – de 31 dias – havia sido registrado entre 3 de julho e 2 de agosto. O mês já havia registrado outro triste recorde:
- o dia mais mortal da crise sanitária, com 1.105 óbitos em 14 de fevereiro.
- E certamente vai terminar com a ultrapassagem de mais uma barreira: a das 250 mil mortes.
De acordo com a última contagem, o país tinha acumulado mais de 246 mil vidas perdidas para a covid-19.
O ano de 2021 também inaugurou uma mudança no perfil dos que morrem, com ligeiro aumento dos óbitos de pessoas com até 60 anos.
- Entre novembro e dezembro, correspondiam a 23% das mortes.
- Em janeiro, o percentual subiu pela primeira vez, chegando a 24,9%.
- Agora, está em 25,6%.
Para especialistas, isso se deve ao aumento dos casos – seja pela maior circulação da variante P1, ainda pouco detectada por falta de vigilância genômica, seja pelo descontrole em geral – e, consequentemente, ao colapso dos sistemas de saúde.
No Amazonas, 40% das vítimas tinham 60 anos ou menos em janeiro – percentual bem maior do que os 29% detectados em novembro. Como se sabe, muitas pessoas morreram pela falta do básico: oxigênio.
O risco de falta do insumo é um dos alertas que o prefeito de uma cidade do interior de São Paulo faz ao resto do país.
- Segundo Edinho Silva (PT), Araraquara enfrenta a falta de produção de oxigênio,
- algo que parecia “uma cena dantesca à distância” quando aconteceu em Manaus.
“O que vivemos em Araraquara é um prenúncio do que está por vir em São Paulo e no Brasil. As autoridades têm que ter dimensão do que está por vir. Estamos em uma situação mais séria do que em 2020“,
isse o prefeito em entrevista à GloboNews.
Ainda de acordo com ele, cerca de metade das amostras enviadas à USP para sequenciamento genético voltaram com confirmação para a variante P1.
- Com 100% dos leitos de enfermaria e UTI ocupados, a prefeitura decretou no sábado lockdown por 60 horas.
- Conforme o decreto, só podem abrir farmácias e estabelecimentos de saúde
- e quem for pego na rua sem justificativa será multado em até R$ 6 mil.
De acordo com o prefeito, não adianta mais só abrir leitos – até porque
“as cidades têm dificuldades para montar equipes médicas”.
- Cidades mais ou menos próximas, como Jaú, Valinhos e Botucatu,
- também estão há dias com todos os leitos de terapia intensiva ocupados.
Em Santa Catarina, a ocupação de UTI para adultos está em 90% – chegando a 97% no oeste do estado.
- Chapecó vive a situação mais paradigmática, com três dos quatro hospitais superlotados e transferência de pacientes acelerada:
- em duas semanas 74 pessoas foram encaminhadas para outras regiões.
- Ainda não há comprovação da nova variante do vírus por lá.
A epidemiologista Alezandra Boing, da UFCS, divulgou um mapa com as taxas de ocupação no estado e alertou que “é questão de tempo para o colapso do sistema de saúde”.
Os governos do Rio Grande do Sul, da Bahia e do Rio Grande do Norteresolveram endurecer medidas de isolamento social ao longo do final de semana.
Em todos os casos, porém, a restrição à circulação e abertura do comércio se concentra no período entre a noite e a madrugada.
- No caso gaúcho, afeta também as aulas presenciais, já que escolhas particulares tinham voltado a funcionar nessa modalidade.
- No RN, o Instituto de Medicina Tropical confirmou a circulação da variante P1.
Na contramão, o governo do Amazonas decidiu liberar a volta de várias atividades a partir de hoje.
Restaurantes, comércio de rua e até shoppings poderão reabrir em horários fixados ao longo do dia. O secretário estadual de Saúde, Marcellus Campêlo, informou que as taxas de ocupação de leitos de UTI estão em… 93%. Acontece que na última quinta, 275 pacientes estavam na fila para serem internados.
“Vale lembrar que em janeiro esse número chegou a ser 657”, disse ele, como se a comparação trouxesse algum alívio.
MAIS UMA PEÇA
O Ministério da Saúde autorizou a dispensa de licitação para a compra das vacinas Sputnik V e Covaxin, contra a covid-19. E uma coisa chama atenção nos textos, publicados no Diário Oficial no sábado (aqui e aqui):
- os imunizantes não vão ser comprados direto dos fabricantes,
- mas por meio das empresas brasileiras que pressionam pela sua liberação.
No caso do imunizante russo,
- a aquisição vai ser feita pela União Química a um custo de R$ 693,6 milhões,
- enquanto o indiano será trazido ao Brasil pela Precisa Medicamentos, por R$ 1,614 bilhão.
- A expectativa é comprar 20 milhões de doses da Covaxin e 10 milhões da Sputnik V entre março e maio.
A medida agiliza o processo de aquisição, mas, sozinha, não é suficiente para que ele se desenrole.
- Isso porque o pagamento só aconteceria após o aval da Anvisa, e as duas vacinas em questão ainda nem enviaram seus dados completos ao órgão.
- O encurtamento do processo, junto com a negociação antecipada de doses, poderia ser compreensível para garantir que as vacinas estivessem disponíveis assim que a Anvisa as autorizasse.
- Acontece que, como se sabe, estão tramitando duas MPs que podem forçar esse aval sem a análise técnica da agência, e isso é um problema.
A nova movimentação do governo federal foi criticada por vários especialistas, devido à falta de dados especialmente da Covaxin, que ainda não tem informações sobre eficácia. A vacina só foi aprovada para uso na Índia. “A vigilância sanitária da Índia é bastante frágil, de terceira. A indústria da Índia tem três mil laboratórios. e no máximo 20 são bons. A Índia aprovar não significa nada“, diz Gonzalo Vecina Neto, fundador da Anvisa, ao Estadão.
PEDIDO DE AJUDA
Movido por um tardio desespero para garantir mais doses de vacinas, o Ministério da Saúde pediu ajuda ao Planalto para desemperrar as negociações com a Pfizer e a Janssen. Ontem à noite, a pasta divulgou uma nota afirmando que
- deseja realizar as compras,
- mas que as propostas estão “além da sua capacidade de prosseguir negociações”.
- Pede, por isso, que a Casa Civil forneça esta semana orientações sobre como proceder.
Segundo a pasta, as tratativas estão empacadas desde abril do ano passado “por falta de flexibilidade das empresas”.
Não há diferença, porém, entre as exigências feitas pelas empresas ao Brasil e aos outros países que conseguiram finalizar os acordos.
Uma das cláusulas prevê que o governo federal assuma responsabilidade em caso de eventuais eventos adversos graves, que até agora se mostraram irrelevantes. Aparentemente, o Brasil prefere lidar com os comprovadíssimos efeitos graves do vírus…
No sábado, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG) disse que vai entrar em ação, construindo uma “ponte” entre os laboratórios e o governo federal.
Hoje vai se reunir com representantes de ambas as empresas. De acordo com ele,
- é possível aprovar uma emenda do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) em uma Medida Provisória
- para permitir que a União assuma os riscos
- “sem que haja qualquer tipo de repercussão para as pessoas físicas e até mesmo a União em relação a isso”.
PODEM GASTAR
Até agora, o Ministério da Saúde pedia que
- as prefeituras usassem apenas metade das vacinas contra covid-19 disponíveis,
- para garantir que todo mundo recebesse a segunda dose no período certo.
A orientação mudou. Em reunião com a Frente Nacional de Prefeitos na sexta-feira, o ministro Eduardo Pazuello disse que
- serão entregues 4,7 milhões de doses até o próximo dia 28,
- e que todas devem ser aplicadas.
- De acordo com ele, há garantia de que novos lotes serão entregues a tempo do reforço.
Será?
Pelo sim, pelo não, algumas prefeituras devem esperar pela publicação de uma norma técnica da pasta e pela confirmação de que haverá vacinas suficientes para todos antes de mudar seus cronogramas.
SEJAM PACIENTES
O Instituto Serum, na Índia, pediu paciência aos governos estrangeiros que esperam pelas doses da vacina de Oxford/AstraZeneca produzidas lá. Seu diretor-executivo, Adar Poonawalla, escreveu ontem no Twitter que a empresa
“foi instruída a priorizar as enormes necessidades da Índia e, junto com isso, equilibrar as necessidades do resto do mundo”.
A demanda por esse imunizante não para de crescer e, embora o Serum seja o maior produtor mundial de vacinas, sua capacidade de produção não é ilimitada.
Para o abastecimento interno, uma campanha nacional precisa usar inicialmente 600 milhões de doses. Outras 240 milhões devem ser entregues à Covax Facility, e dezenas de países de média e baixa renda baixa renda (como o Brasil) estão importando doses por conta própria. Além disso, 20 milhões de doses devem ser doadas para países do sul asiático.
INTERROGAÇÃO
Deve levar dois meses para os desenvolvedores adaptarem a vacina de Oxford e a CoronaVac às novas variantes, se isso for necessário. No Estadão, a jornalista Fabiana Cambricoli explica como estão sendo conduzidos os estudos para verificar se há redução no desempenho, o que tem sido uma preocupação principalmente em relação à cepa de Manaus.
Essas pesquisas estão acontecendo em duas frentes.
- Na primeira, é feito o sequenciamento genético nos vírus de amostras de pacientes infectados que tinham sido previamente vacinados para ver se há mais casos de infecção pelas novas cepas do que pela original.
- Na segunda frente, são feitos testes em laboratório com o soro de pacientes vacinados; o material é colocado em contato com as novas cepas para avaliar a resposta dos anticorpos.
Em tempo: na Itália, há o registro de um homem que foi infectado com a variante de Manaus após ter recebido a vacina da Pfizer/BioNTech. Mas essa informação, por si só, não quer dizer muita coisa, até porque o imunizante não é 100% eficaz nem para a cepa original. O paciente não apresentou sintomas.
LIRA: “DEFENDO A DESVINCULAÇÃO TOTAL”
Em entrevista ao jornal O Globo no domingo, Arthur Lira (PP-AL) defendeu a desvinculação total do orçamento.
Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, nas “maiores democracias”, essa definição fica a cargo do Legislativo, cabendo ao Executivo gastar o dinheiro. “Eu quero desvincular o orçamento.
Hoje, você tem orçamento que bota
- 25% pra educação,
- 30% pra saúde,
- “x” para penitenciárias,
vem todo carimbadinho. Então, de 100% do orçamento, 96% você não pode mexer”.
- O argumento por trás da proposta, feita por Paulo Guedes assim que assumiu o Ministério da Economia,
- é sempre o de que os gestores poderão escolher aplicar mais em saúde ou educação…
Mas vindo
- de quem defende voucher para consulta médica
- ou de quem prometeu ‘cuidar’ dos deputados,
- é claro que parece só um jeito mais fácil de desviar o fundo público conforme os mais variados interesses privados.
Hoje, no mesmo jornal, apareceram as críticas a Lira.
Mauro Junqueira, do conselho que reúne secretários municipais de saúde (Conasems), pondera que
- a desvinculação orçamentária daria mais importância ao varejo na busca pelo financiamento de serviços de educação e saúde via emendas parlamentares,
- sem garantia alguma de que essa alocação de recursos corresponderia a alguma racionalidade sanitária:
“Essa alocação nem sempre atende a necessidade dos municípios. Muitas vezes equipamentos e serviços são levados para regiões que têm menos necessidade. A desvinculação seria muito ruim”.
TRANSMISSÃO PARA HUMANOS
Volta e meia aparecem notícias de surtos da gripe aviária entre animais, que levam produtores e governos a matar milhares de bichos na tentativa de conter o espalhamento
- – embora raramente elas levem à contestação do modelo de criação industrial,
- apontado por muitos especialistas como cenário ideal para seu surgimento.
Pois o perigo chega mais perto de nós com a confirmação de que
- uma das cepas da gripe, a H5N8, foi detectada em humanos pela primeira vez.
- Aconteceu na Rússia, onde sete trabalhadores de uma granja ficaram doentes em dezembro.
- Durante o anúncio, no sábado, as autoridades daquele país frisaram que não há evidências da transmissão entre humanos – mas que “só o tempo dirá se mutações futuras permitirão que ela supere essa barreira”.
A cepa H5N8 é mortal para as aves, mas os trabalhadores se recuperaram. O país notificou a OMS e anunciou que vai começar a testar uma vacina contra a H5N8.
Outras cepas da gripe aviária, como H5N1, H7N9 e H9N2, já foram transmitidas por aves a humanos antes.
Fonte: https://outraspalavras.net/outrasaude/3043724/
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