Luís Miguel Modino – 17 Fevereiro 2021
Imagem: Ilustração do cartaz da Campanha da Fraternidade de 2021
O comentário é de Luís Miguel Modino.
Estamos ante um chamado a afirmar que
“a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor, porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido”,
como recolhe o hino da campanha. A Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 é um desafio
“para o diálogo e a construção de pontes de amor e paz em lugar dos muros de ódio”, mostrando que é possível “viver em comunhão”,superando “as polarizações e violências através do diálogo amoroso”,
o que é expressado nos objetivos da campanha.
A Campanha, que foi organizada quase que inteiramente on-line, faz a proposta de conversão ao diálogo e ao compromisso de amor, afirmando que
- “a conversão é um processo permanente e diário”, que nos leva a “repensarmos cotidianamente nossa forma de estar no mundo”.
- Daí nasce “a possibilidade de novas formas de relações humanas e sociais”,
- de assumir “um jejum que agrada a Deus e que conduz à superação de todas as formas de intolerância, racismo, violências e preconceitos”.
O Texto Base da Campanha tem como elo a história dos discípulos de Emaús,
- fazendo um chamado a refletir a partir de quatro paradas: ver, julgar, agir e celebrar,
- uma metodologia que acompanha a vida da Igreja latino-americana nas últimas décadas.
* Apandemiada Covid-19 e suas consequências é o ponto de partida do ver,
- afirmando que, no Brasil, onde tem morrido 10% das vítimas mundiais,
- “a pandemia dilacerou famílias e deixou espaços vazios na cultura nacional”.
O texto reflete sobre
- “a incerteza, a insegurança, o descaso político para com as pessoas, a desestruturação repentina de nosso modo de vida”,
- provocando sensação de medo e impotência.
- Também aparecem relatos sobre diferentes reações diante da pandemia nas igrejas.
A reflexão em torno da Campanha, denuncia que
- “no Brasil, a pandemia escancarou as desigualdades e a estratificação racial, econômica e social”,
- refletindo sobre a resistência ao isolamento, o negacionismo, a volta da fome, a continuação da violência policial, doméstica e do racismo.
- Também aparece a análise das tensões e conflitos, das reformas, do aumento do desemprego, da pobreza, das desigualdades, das notícias falsas nos últimos anos.
O Brasil se tornou uma sociedade cheia de muros, com muitas crises que afetam a todos, também àqueles que fazem parte das Igrejas.
Diante disso, a Campanha chama a interpretar a realidade, em uma sociedade
- onde“ainda permanecem as estruturas racistas e excludentes”,
- que beneficia os poderosos e ignora as políticas públicas.
Isso gera insatisfação, que se transforma em
- ódio contra o diferente,
- relações injustas,
- destruição da Casa Comum,
- novas cruzes que não são respostas para a paz,
- “necropolítica”, onde o Estado se julga soberano para escolher quem morre e quem vive.
Isso é algo que se faz presente de diferentes modos no Brasil, através da violência, que nunca será a saída, e de leis que acabam com direitos históricos conquistados.
A reflexão sobre acatástrofe ambiental, uma realidade muito presente no Brasil, que atinge especialmente os povos tradicionais, grandemente afetados pela pandemia da Covid-19, também está presente na Campanha da Fraternidade de 2021.
O Texto Base denuncia que
“a violência contra a terra e os povos originários é, muitas vezes, legitimada por um discurso religioso reativo”, que manipula a religião.
Também é colocada a reflexão sobre o racismo contra negros e indígenas, que se traduz emintolerância religiosa, algo que tem uma raiz histórica e que se perpetua, criando muros que demandam “rever a forma como vivemos a nossa fé”.
* A segunda parada, identificada com o julgar, faz uma análise desde a perspectiva bíblica. O texto afirma que “a fé é diretriz de conduta, tanto para o bem quanto para o mal”.
Nesse sentido, as origens do cristianismo nos mostram que
“a opção pelo Evangelho trazia consigo a busca pela compreensão mútua e um processo de conversão”,algo recolhido nas cartas paulinas.
Isso levava
- a derrubar “o muro da separação”
- e construir “um mundo de comunhão na gratuidade do amor de Deus, que acolhe e perdoa”.
Eram comunidades diversas, mas que procuravam a unidade, a partir da fé em Jesus Cristo,
“vínculo que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus”.
Isso é recolhido no lema da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021:
“Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”.
O apóstolo Paulo faz um testemunho conciliador e promotor da unidade na diversidade, que não é razão para conflitos.
Tudo em vista da paz, que para a cultura hebraica,
- “é sinônimo de vida plena”,
- sinal do Reino de Deus,
- algo que as comunidades indígenas chamam de “bem viver”.
Uma Igreja
- que nasce “da graça misericordiosa de Deus revelada em Cristo”,
- imagem do Evangelho da graça e da misericórdia,
- que “revela-se como a força de Deus, que derruba os muros do preconceito que separam”.
A paz “é um tema genuinamente bíblico”
- uma paz que “brota da fé em Cristo”
- e provoca “a superação da inimizade e do ódio”,
- permitindo “cuidar e reconstruir a convivência social”.
Frente a isso, a Campanha nos faz ver que
- o orgulho religioso, que é contrário ao Evangelho, levanta muros, derrubados por Cristo,
- que constrói uma nova humanidade, “animada e alicerçada no amor, na graça de Deus e na unidade que se realiza pelo Espírito Santo”.
- Daí surge a maturidade cristã, que “respeita e acolhe a diversidade e só alcança a plenitude mediante a cooperação mútua”.
* No agir, a terceira parada,seguindo o caminho dos discípulos de Emaús, surge o compromisso de derrubar “os muros das divisões”, algo concretizado em boas práticas ecumênicas.
O texto mostra alguns exemplos, como
- a Semana de Oração pela Unidade Cristã,
- a convivência inter-religiosa, as missões ecumênicas, realizadas em diferentes locais do Brasil,
- os encontros ecumênicos de mulheres, em vista da superação da violência contra as mulheres,
- o cuidado da casa comum, um tema abordado na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016, que provocou o envolvimento do CONIC em muitas ações e iniciativas voltadas para o direito ao acesso à água potável de qualidade.
Essas são práticas assumidas por “muitas comunidades, grupos ecumênicos, pastorais e serviços diaconais”, enfatiza o Texto Base, que
* na quarta parada faz uma proposta celebrativa ecumênica.
Finalmente, é explicado o significado da Coleta da Solidariedade, “um gesto concreto da fraternidade, partilha e solidariedade, realizado em âmbito nacional, em todas as comunidades cristãs, paróquias e dioceses”,rebatida nas últimas semanas por diferentes grupos e que provocou uma mensagem da presidência do episcopado brasileiro.
Luis Miguel M0dino
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