Michael Sean Winters – 09 Fevereiro 2021 – Foto: A12
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 08-02-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No discurso, o papa apresentou uma compreensão da catequese que está muito longe dos apelos secos a capítulos e versículos que tendem a caracterizar um certo tipo de cristianismo conservador e apologético.
“Graças à narração da catequese, a Sagrada Escritura torna-se o ‘ambiente’ em que podemos nos sentir parte da mesma história de salvação, encontrando as primeiras testemunhas da fé”, disse Francisco.
“A catequese é tomar o outro pela mão e acompanhá-lo nessa história. Suscita um caminho, no qual cada um encontra um ritmo próprio, porque a vida cristã não uniformiza nem homologa, mas valoriza a unicidade de cada filho de Deus.”
Compare essa abordagem com este artigo [em inglês] do então arcebispo, mais tarde cardeal, Raymond Burke sobre o cânone 915 e a negação da Comunhão a políticos pro-choice, postado na biblioteca online da EWTN.
Ele escreve que
“a questão relativa ao estado objetivo dos políticos católicos que, consciente e voluntariamente, mantêm opiniões contrárias à lei moral natural dificilmente pareceria mudar de um lugar para outro”.
No mundo de Burke, é fácil distinguir as ovelhas dos cabritos:
- não há nuance, nem ambiguidade, nem senso dos misteriosos trabalhos da graça
- que, às vezes, levam uma vida inteira para se concretizar.
Quem precisa de pastores? Basta distribuir o Catecismo, que aparentemente é autoexplicativo. Burke não é um protestante que prega “somente a Escritura”, mas um católico que prega “somente o Catecismo”.
Francisco não poderia ser mais diferente.
A segunda seção do discurso aborda a natureza da recepção do Vaticano II, e é uma questão candente. O Santo Padre citou seu antecessor, o Papa São Paulo VI, que em 1971 dirigiu-se ao primeiro Congresso Catequético Internacional, dizendo:
“É uma tarefa que renasce e se renova incessantemente para a catequese a compreensão destes problemas que surgem da coração do ser humano, para reconduzi-los à sua fonte oculta: o dom do amor que cria e que salva”.
Francisco acrescenta:
“Portanto, a catequese inspirada no Concílio está continuamente à escuta do coração do ser humano, sempre com o ouvido estendido, sempre atento para se renovar”.
Renovação não é reinvenção. O Concílio não caiu do céu. As reformas foram construídas sobre o ressourcement, o retorno às fontes da doutrina cristã,
- as Escrituras em primeiro lugar
- e, em segundo, os escritos dos Padres da Igreja.
Você pode identificar um seguidor do Concílio, independentemente da sua ideologia, com bastante facilidade:
- como aqueles primeiros cristãos, ele demonstra admiração pela assombrosa afirmação no cerne da nossa fé:
- “O Crucificado vive, o túmulo está vazio”.
É por isso que Francisco é tão atraente, não é mesmo? Ele fala e age como alguém que acredita que o túmulo está vazio.
Francisco continua, e eu cito este parágrafo na íntegra:
- “Isto é magistério: o Concílio é magistério da Igreja.
- Ou você está com a Igreja e, portanto, segue o Concílio, e, se você não segue o Concílio ou o interpreta a seu modo, como quiser, você não está com a Igreja.
- Devemos ser exigentes e severos nesse ponto. O Concílio não deve ser negociado para ter mais destes… Não, o Concílio é assim.
- E esse problema que estamos vivendo, da seletividade em relação ao Concílio, repetiu-se ao longo da história com outros Concílios.”
É imperativo que todos nós, não só os catequistas,
- pensemos eclesialmente, pensemos com a Igreja,
- e isso significa beber profundamente nas fontes teológicas do Vaticano II.
- Não há outro caminho a seguir que mantenha a Igreja unida e fiel a si mesma.
No imediato período pós-conciliar nos Estados Unidos,
- foi a esquerda católica que se descontrolou, exercendo “seletividade em relação ao Concílio”
- e muitas vezes sendo punida pela autoridade eclesiástica por causa disso.
Agora, são os católicos conservadores
- que não apenas se encontram em desacordo com os ensinamentos do Concílio,
- mas também que o depreciam abertamente ou o rejeitam diretamente.
No ano passado, o ex-núncio desonrado, o arcebispo Carlo Maria Viganò, deixou claro em uma carta aberta que
- as suas dificuldades eram tanto com o Vaticano II – ele o chama em um ponto de “golpe de Estado do Vaticano II” –
- quanto com Francisco.
Os discursos de Viganò são publicados e celebrados em inúmeras mídias conservadoras, do LifeSiteNews à EWTN, desviando-se das relações pastorais e dos canais eclesiais normais de comunicação.
Devemos lembrar disto:
- por trás da oposição a Francisco está a oposição ao Vaticano II.
- A Igreja na América Latina de onde o papa veio tem sido o lócus da teologia mais fértil desde o Concílio.
- Os bispos de lá receberam o Concílio de uma forma que não fizemos no Norte, e é hora de ouvirmos e aprendermos.
- Eles nunca deixaram de colocar a questão: o que significa exercer uma opção preferencial pelos pobres?
Na terceira e última seção do seu discurso, o papa destaca a necessidade da comunidade. É uma bela reflexão, e eu os encorajo a lê-la.
Todas as três seções realmente apontam o caminho para os católicos:
- precisamos continuar o processo de recepção do Vaticano II
- e encontrar uma renovação e reforma genuínas na reflexão dialógica, sinodal e fiel sobre esses textos.
Na aula de história da Igreja, elas nos ensinaram que
- leva cerca de 100 anos para receber um Concílio,
- de modo que estamos apenas na metade do caminho.
Já tivemos alguns desvios. É hora de voltar a trabalhar, apropriando-nos desses magníficos textos e assumindo-os como nossos.
Michael Sean Winters
Leia mais:
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