TECNOLOGIA E MONOPÓLIOS
Mudança forçada é o que acontece quando gigantes da tecnologia são livres para fazer o que bem entendem.
“Por quase uma década, o Facebook tem usado seu domínio e monopólio para esmagar rivais menores e extinguir a competição, tudo às custas dos usuários”, disse Letitia James, procuradora-geral de Nova York. Os termos de uso goela abaixo são um exemplo disso. Você vai engolir?
NO DIA 19 DE FEVEREIRO DE 2014, o mundo da tecnologia foi surpreendido com uma notícia bombástica: o Facebook anunciou, de supetão, a compra do aplicativo de mensagens WhatsApp.
A transação chocou pela cifra altíssima: US$ 22 bilhões no total, número mais de 20 vezes maior do que a empresa havia pago pelo Instagram quatro anos antes. Tudo isso por um app que, até então, não dava lucro.
É claro que Mark Zuckerberg não havia gasto seu dinheiro porque achava o aplicativo útil ou simpático.
- Ele estava de olho nos 450 milhões de usuários da plataforma, que estava em franco crescimento,
- e no potencial de negócios e integração que essa base poderia dar ao Facebook, então com 1,2 bilhão de usuários.
“Estamos animados para tornar o mundo mais aberto e conectado”,
disse Zuckerberg, naquele discurso de relações públicas padrão.
- O Facebook prometeu que o funcionamento dos aplicativos continuaria sendo independente
- e os criadores do WhatsApp garantiam que nunca sustentariam o app com publicidade.
- Hoje sabemos que era mentira.
- O assunto “integração” foi uma das razões.
- Ele era contra a monetização por anúncios, principal modelo de negócios do Facebook,
- e acabou deixando sua parte no negócio para trás por discordar do rumo que o WhatsApp vinha tomando.
Em uma entrevista para a Forbes, ele explicou por que aderira à campanha #DeleteFacebook e chegou a declarar que é um “vendido”:
“eu vendi a privacidade dos meus usuários em troca de um benefício maior”.
No começo do ano seguinte, a integração entre os apps foi confirmada.
Corta para 2021.
- O WhatsApp se tornou parte cotidiana da sua vida pessoal e do seu trabalho,
- e você está vendo repetidamente a mensagem de que deve aceitar a atualização na política de privacidade da empresa.
- Ela te obrigará a aceitar o fato de que, para usar o app, suas informações serão compartilhadas com o Facebook – ainda que você não esteja na rede social.
Entre as informações compartilhadas, estão o nome de perfil, número de celular, localização, mensagens e mídias não entregues, dados de status, pagamentos e dados de interações dos usuários, como volume e frequência de mensagens e acesso a grupos. (Se você quer saber mais, recomendo esse texto aqui).
- Você tem até 8 de fevereiro para decidir.
- Não aceitou?
- Será obrigado a parar de usar o WhatsApp.
A não ser que entidades e a recém-criada Autoridade de Proteção de Dados brasileira, a ANPD, responsável por fiscalizar abusos, façam alguma coisa aqui no Brasil. E ela pode fazer, dizem especialistas como Bruna Santos, da ONG Data Privacy Brasil.
- Na Europa, onde vigora a General Data Protection Regulation, a GDPR, uma lei de proteção de dados mais restritiva,
- o WhatsApp vai operar com outra política de privacidade, já que o compartilhamento de informações está proibido.
E o Brasil, teoricamente, não está muito atrás.
- A Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde o ano passado,
- estabelece que o usuário deve ter controle sobre o uso de suas informações,
- e elas devem respeitar princípios como finalidade (dados devem ser usados para os fins para os quais foram coletados) e necessidade (devem ter tratamento mínimo necessário para sua finalidade).
Por isso, para algumas organizações de direito do consumidor e de direitos humanos, a mudança é abusiva.
- A Comissão de Proteção de Dados e Privacidade, da seccional do Rio de Janeiro da OAB,
- e a Coalizão Direitos na Rede são algumas das entidades que se manifestaram contra.
- O Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, também anunciou que estuda medidas judiciais e administrativas contra o WhatsApp.
Resta saber se a ANPD, que é a autoridade brasileira responsável por fiscalizar eventuais abusos, seguirá a mesma linha – ou vai continuar com a postura permissiva das entidades regulatórias que permitiam que o Facebook chegasse onde está.
Em 2014, quando o Facebook anunciou a compra do WhatsApp, a transação foi concluída sem muita dor de cabeça. O Facebook abocanhou mais centenas de milhões de usuários e, com eles, uma quantidade potencial de dados e informações pessoais inimaginável.
- A empresa foi tão livre para fazer o que quis que enrolou a imprensa com seu comunicado, que garantia a independência das plataformas,
- enquanto nos anos seguintes estendia seus tentáculos – de forma nem sempre sorrateira – para os usuários do zap.
Hoje sabemos que,
- enquanto falava em “conectar” as pessoas nos comunicados de imprensa,
- no privado Zuckerberg se preocupava com os concorrentes que cresciam e escrevia que era melhor “comprar do que competir”.
Mas, se na época ele foi livre para fazer o que quis, hoje a própria aquisição do WhatsApp pelo Facebook – assim como a do Instagram – está em xeque.
Nos EUA, no fim do ano passado,
- a Federal Trade Commission, órgão responsável por fiscalizar práticas anticompetitivas, se reuniu com 40 procuradores
- para entrar com uma ação antitruste que pede que as empresas sejam separadas – e que novas compras tenham restrições.
“Por quase uma década, o Facebook tem usado seu domínio e monopólio para esmagar rivais menores e extinguir a competição, tudo às custas dos usuários”, disse Letitia James, procuradora-geral de Nova York.
Os termos de uso goela abaixo são um exemplo disso. Você vai engolir?
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Tatiana Dias
É jornalista há mais de uma década em São Paulo, principalmente nas áreas de tecnologia e direitos digitais, direitos humanos, ciência e comportamento. Já trabalhou no Estadão, Galileu, HuffPost e Nexo, além de ter dado aula de jornalismo para alunos das periferias de São Paulo.
Fonte: https://theintercept.com/2021/01/14/voce-vai-engolir-os-novos-termos-de-uso-do-whatsapp/
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