Cristiane Prizibisczki – 18 Novembro 2020
Ministro Ricardo Salles, o de “DEIXAR PASSAR A BOIADA” da flexibilização das leis e normas do Meio Ambiente e Vice-Presidente Mourão Foto: Bruno Batista/VPR
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 15-11-2020.
A ideia de revisão de áreas protegidas consta nos do plano, no item “Ordenamento Territorial”, cuja descrição é
“resolver as questões relacionadas à propriedade, usos e responsabilidades do território amazônico, condição essencial ao desenvolvimento sustentável da região”. Mais adiante, se lê: “avaliar, revisar e regularizar unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas, e fortalecer os órgãos gestores”.
Márcio Astrini / Tweeter
Segundo Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima (OC) – rede formada por 56 organizações não governamentais e movimentos sociais – a proposta fortalece intenções já declaradas do governo de revisar áreas protegidas no país.
- “O Salles [RicardoSalles, ministro do Meio Ambiente] já tomou iniciativa nesse sentido.
- Ano passado ele disse que ia revisar todas as unidades de conservação do país para encontrar supostos erros nos processos de demarcação e acabar com essas demarcações.
- Atualmente, ele está fazendo investida nesse sentido em FernandodeNoronha”, lembra Astrini.
“O plano é perigoso em vários sentidos”, diz.
Hamilton Mourão, que preside do Conselho Nacional da Amazônia (CNAL),
- chegou a lamentar na tarde da última quinta-feira (12) que o documento tenha vazado
- e disse que deveria ter colocado sigilo sobre ele, para que o responsável pelo vazamento fosse punido.
“Se eu tivesse colocado um grau de sigilo, a pessoa que vazou o documento estaria incorrendo em crime previsto na nossa legislação”, disse.
No dia anterior, Mourão havia negado que o documento sequer existisse.
As declarações do vice-presidente foram motivadas pela repercussão negativa sobre várias das propostas do Conselho contidas no documento, como
- o controle sobre as ONGs que atuam no bioma – o que é inconstitucional –
- e a expropriação de propriedades em caso de crime ambiental,
- esta última motivo de mais um mal-estar gerado entre Mourão e o presidente Jair Bolsonaro.
Na manhã de quinta, pelas redes sociais e depois em conversa com apoiadores na saída do Palácio do Alvorada,
- Bolsonaro negou que a proposta de expropriação estivesse sendo considerada pelo governo
- e a classificou como um “delírio”.
- “Se alguém levantar isso aí, eu simplesmente demito do governo”,declarou o presidente.
- Mourão, por sua vez, disse que as propostas fazem parte de um estudo e que “estudo não tem intenção”.
Plano Decenal
As polêmicas propostas de Mourão constam em um documento de 62 páginas enviado por ele na última semana aos ministérios que compõem o Conselho da Amazônia, convocando especialistas das pastas para discutir o “Plano Estratégico 2020 -2030” do CNAL para o bioma.
O documento, ao qual ((o))eco teve acesso,
- é composto por um ofício de duas páginas – onde consta o organograma das reuniões para discutir o plano, previstas para ocorrer entre 9 de novembro e 18 de dezembro –
- uma apresentação Power Point de 25 slides com o conteúdo que foi apresentado na 3ª reunião do CNAL, realizada em 3 de novembro,
- e o plano em si, onde estão detalhadas as “Ações Estratégicas prioritárias”, com cerca de 60 itens, divididos em seis eixos de atuação.
Segundo Márcio Astrini,
- grande parte das ações descritas no documento de Mourão
- são uma espécie de versão empobrecida do que foi o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM)
- e não encontram respaldo na realidade, já que a prática do Governo Bolsonaro vai na direção oposta às ações elencadas pelo vice-presidente como prioritárias.
“Em 90% das linhas estratégicas do plano, o governo tem como prática, conduta ou direcionamento exatamente o oposto do que foi escrito”, disse Astrini.
Para exemplificar, o secretário-executivo do OC contrapôs para ((o))eco algumas das ações estratégicas descritas no plano:
– Conscientizar a população para a responsabilidade ambiental –
“Ora, desde o primeiro dia do governo, o governo fez um discurso
- que a legislação ambiental é de interesse de outros países,
- que ela atrapalha o desenvolvimento do Brasil.
Bolsonaro chamou os fiscais do Ibama de xiitas e o órgão de indústria da multa.
O ministro do meio ambiente recebeu madeireiros ilegais, garimpeiros, em seu gabinete.
O presidente da República barrou a ação de combate à extração de madeira ilegal.
Os criminosos no Dia do Fogo jamais receberam uma crítica do governo.
Na verdade, o ministro do Meio Ambiente chamou os brigadistas de Mato Grosso do Sul de maconheiros. Então, quero dizer, a prática do governo vai no sentido oposto desta ação contida no Plano”.
– Disponibilizar meios aéreos adequados para aumentar a efetividade do combate ao desmatamento e queimadas –
“O ministro do Meio Ambiente
- acusou os contratos de helicópteros de serem fruto da corrupção da gestão anterior,
- não contratou mais nada
- e congelou o Fundo Amazônia, que dava dinheiro para a contratação de meios aéreos adequados”.
– Estabelecer data limite para inscrição dos imóveis rurais no CAR –
“O próprio governo apoiou uma legislação para não ter limite na data do CAR” [MP 884/2019].
– Incrementar o fluxo de informações de inteligência e acesso aos ilícitos –
“Isso já existe, o Mourão recebe quase 2 mil avisos por mês de desmatamentoe queimadas na Amazônia. O problema não é informação, é ação”.
– Aumentar fiscalização das madeireiras –
“O presidente do Ibama soltou uma nota interpretativa onde ele diminuía a necessidade de documentos que comprovassem a legalidade de documentos de madeira extraída na Amazônia, o que facilitou a ilegalidade”.
Pobre Amazônia nas mãos desses dois. Mourão e Ricardo Salles, em viagem a Manaus. Foto: Bruno Batista/VPR.
Astrini resume o documento como sendo
- um “imenso pacote vazio”,
- criado para tentar convencer embaixadores que estiveram em recente visita à Amazônia de que o governo Bolsonaro está comprometido com a preservação da floresta
- e, assim, tentar evitar a paralisação do tratado de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.
- “É um relatório de perna curta, porque é uma mentira”, diz.
Com a repercussão negativa em torno do documento, Mourão afirmou não saber se as propostas contidas nele continuarão a ser analisadas
“(O documento) é algo que está totalmente fora de contexto e eu se fosse o presidente (Jair Bolsonaro) também estaria extremamente irritado porque isso é um estudo, é um trabalho que tem que ser ainda finalizado e só depois poderia ser submetido a decisão dele”,disse.
((o))eco entrou em contato com a Vice-Presidência da República para confirmar se as reuniões previstas no documento estão sendo realizadas, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.
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Cristiane Prizibisczki
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