
AFONSO BENITES – Brasília – 14 NOV 2020 –
Foto: O vice-presidente Hamilton Mourão e o presidente Jair Bolsonaro, em um evento no Palácio do Planalto em 9 de novembro –
Vice-presidente, ministros e comandante do Exército se queixam que se tornaram motivo de chacota após declaração do presidente que insinuava um conflito contra os EUA. Acostumado a ver teorias da conspiração por todos os lados, o presidente volta a mirar seu número dois
Militares da cúpula das Forças Armadas, da reserva e com assento cativo na Esplanada dos Ministérios voltaram nesta semana a fazer algo que era comum no início do ano:
- reunir-se às escondidas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
- para debater a conjuntura nacional.
Antes, os encontros ocorriam quando o mandatário
- ostentava seu lado mais passional
- e participava de protestos a favor do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Agora, foram motivados
- pelas declarações absurdas do presidente (que insinuou a possibilidade de um conflito contra os Estados Unidos)
- e pelas humilhações públicas a que o mandatário submeteu dois de seus subordinados:
- os generais Eduardo Pazuello, ministro da Saúde que foi impedido de assinar um convênio com o Governo de São Paulo, e Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo,
- chamado de Maria fofoca pelo ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Ao menos dois encontros entre os militares ocorreram ao longo desta semana. Nos dois, a reclamação principal é que eles viraram motivo de chacota por causa do discurso de Bolsonaro de enfrentamento contra os EUA em defesa da Amazônia.
- Bolsonaro descobriu que a reunião acontecia, apareceu de surpresa onde estavam informalmente quatro generais do Exército ―o vice-presidente Hamilton Mourão, os ministros Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto (Casa Civil), além do comandante do Exército, Edson Leal Pujol.
- Queria saber o que passava.
- Quando o mandatário entrou no mesmo recinto, todos se despediram de Mourão, a quem chamaram de presidente.
- comemorou uma suposta falha na vacina contra o coronavírus produzida pelo Instituto Butantan e pela Sinovac,
- ameaçou usar pólvora contra os Estados Unidos para defender a Amazônia
- e disse que o Brasil precisava deixar de ser um “país de maricas”no combate à covid-19.
- os militares têm notado um franco descrédito das Forças Armadas
- e pretendem assegurar o que resta de confiança junto à população.
Por esta razão, mesmo com o presidente desautorizando Mourão a falar em seu nome, o vice-presidente seguiu concedendo entrevistas.
- Na mais recente, à rádio Gaúcha, disse que seu sentimento pessoal era de que a vitória de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos “está cada vez mais sendo irreversível”.
- Bolsonaro é um dos poucos líderes mundiais que não reconheceram ainda a derrota de seu ídolo Donald Trump.
- Na mesma ocasião, Mourão endossou o que o general Pujol havia dito no dia anterior. “Não admitimos política nos quartéis”.
Pujol é um general discreto. Pouco fala publicamente.
- Ficou marcado por fazê-lo no início da pandemia, quando contrariou Bolsonaro e disse que o coronavírus era, sim, uma preocupação dos militares.
- Nesta semana, ele deu duas declarações que chamaram a atenção. Ambas em debates públicos.
Na quinta-feira, durante um evento do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Pujol afirmou que “militares não querem fazer parte da política nem querem que a política entre nos quartéis”.
Na sexta-feira, em um seminário sobre Defesa Nacional, das Forças Armadas, Pujol repetiu algo que deveria ser óbvio: que a instituição pertence ao Estado, não ao Governo.
“Não somos instituição de governo, não temos partido. Nosso partido é o Brasil. Independente de mudanças ou permanências em determinado governo por um período longo, as Forças Armadas cuidam do país, da nação. Elas são instituições de Estado, permanentes. Não mudamos a cada quatro anos a nossa maneira de pensar e como cumprir nossas missões.”
Se não bastassem os discursos públicos,
- Ramos, um contemporâneo que Bolsonaro escolheu para fazer a articulação política de seu Governo,
- traçou uma linha demonstrando o quanto de interferência admitirá em seu trabalho.
Na semana passada
- ele comandava uma reunião com alguns ministros
- quando o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) entrou na sala, no Palácio do Planalto, sem ser convidado.
- Ramos pediu para ele se retirar.
O parlamentar disse que era um senador e participaria do encontro.
- Ao que o ministro respondeu que
- ali era o Executivo,
- o Legislativo era do outro lado da praça dos Três Poderes.
Flávio deixou o local.
Bolsonaro, que costuma se vangloriar que tem o apoio dos militares, tem cada vez mais encontrado resistência entre seus antigos pares. Acostumado a ver teorias da conspiração por todos os lados, ele voltou a mirar seu vice-presidente, que tem construído pontes com o empresariado e com diplomatas estrangeiros.
Se a eleição presidencial fosse hoje, uma certeza ele teria, seu vice, não seria Mourão.
Esse desquite poderia servir de justificativa para os militares abandonarem de vez o ex-capitão que trouxe os fardados de volta ao protagonismo político no Brasil.
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Afonso Benitez
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