Buscando comida na lixeira – Foto: Pixy – 17 Outubro 2020
- a fome no mundo não deixou de aumentar desde 2014, e se estima que, no ano passado,
- cerca de 2 bilhões de pessoas não puderam acessar regularmente a alimentos nutritivos e suficientes,
- 21,3% (144 milhões) de crianças menores de cinco anos sofreram atraso de crescimento
- e 6,9% com síndrome consumptiva ou magreza patológica.
As causas da fome: diversas e inter-relacionadas
- “Há décadas sabemos que o sofrimento de tantas pessoas não se deve à escassez de recursos nem a causas naturais,
- mas sim às estruturas injustas e relações que estão baseadas na desigualdade”,
afirma Fidel Podga, coordenador do departamento de pesquisa da Manos Unidas. Para ele, os fatores de fundo são muito diversos e interconectados:
- “a desigualdade no acesso aos bens, o consumismo dos mais ricos,
- as trocas comerciais injustas,
- as consequências da crise climática,
- a concentração de terras para fins extrativistas e agroindustriais,
- a especulação com o preço dos alimentos,
- um sistema alimentar que não está desenhado para satisfazer as necessidades da população,
- as guerras e conflitos
- e, em definitivo, a exploração de alguns pessoas por outras e de uns países por outros”.
Mulheres em Badibahal, Índia. Foto: Ana Luna | Manos Unidas
A estas causas acrescenta-se, segundo Podga,
- a “indiferença cômoda, fria e globalizada” a qual se refere o papa Francisco em Fratelli Tutti, a encíclica publicada em 03 de outubro.
- “Esta indiferença caracteriza o mundo contemporâneo
- e nos leva a nos ensimesmarmos e atuar, tirando forças de onde possamos,
- porque não queremos dar nenhum passo atrás na luta contra a fome”.
A pandemia atinge com gravidade as populações mais vulneráveis
A partir da Área de Projetos da Manos Unidas e baseando-se em estimativas das Nações Unidas, Encarni Escobar assegura que
- “a crise sanitária, econômica e social desatada pelo coronavírus ameaça afundar uma década de avanços contra a pobreza.
- A perda de rendas, os frágeis sistemas de proteção social e o aumento dos preços estão afetando majoritariamente as pessoas mais vulneráveis e estão empurrando a fome a populações que antes estavam a salvo,
- como os 29 milhões de latino-americanos que, segundo alerta a Cepal, cairão abaixo do limiar da pobreza devido à pandemia”.
Pequenos agricultores, em Cutervo, Peru. Foto: ESCAES | Manos Unidas
Exemplos destes impactos se encontram em qualquer país da África, Ásia e América, nos quais a Manos Unidas trabalha.
“No Peru, o confinamento e o fechamento dos mercados causou muitos danos às famílias camponesas, porque os preços dos produtos agrícolas baixaram e, com isso, também a renda de subsistência dessas famílias”,
afirma María del Carmen Parrado, coordenadora da ESCAES, associada da Manos Unidas no país.
Em Mzimba, Malauí, comunidades camponesas atingidas pela fome, secas e desastres naturais esforçam-se para garantir alimentação em um contexto agravado pelo coronavírus.
“O ‘normal’nesta zona é fazer uma refeição ao dia à base de um mingau de farinha de milho”,
diz Beatriz Hernáez, responsável de projetos da Manos Unidas no Malauí.
- “A agricultura é muito estacional e depende de um clima cada vez mais difícil e de um pequeno comércio por escambo no qual o valor de câmbio é um saco de milho.
- Por esta razão, um juiz suspendeu o confinamento decretado pelo governo que impedia as famílias de fazer intercâmbios locais.
A situação do país frente à pandemia é preocupante:
- uma das mais altas densidades de população na África,
- um sistema sanitário muito fraco
- e uma população migrantes retornando da África do Sul”.
Algo similar ocorre em Badibahal, Índia, onde o fechamento dos circuitos comerciais provocou praticamente a perda de toda a colheita de primavera, com exceção do pouco que os agricultores puderam vender “porta-a-porta”.
Como relata a irmã Shanti Priyal, do Centro de Desenvolvimento Social Bethany, associada local das Manos Unidas,
“os pequenos camponeses estão tendo acesso apenas às ajudas do governo, perderam o dinheiro investido em seus cultivos e não estão podendo devolver os empréstimos contraídos com os proprietários de terras”.
Três desafios para lutar contra a fome em tempos de coronavírus
- “A magnitude desta crise põe-nos à prova e nos obriga a assumir desafios que não são novos, mas inevitáveis,
- já que hoje é mais necessário do que nunca acompanhar a população excluída
- e consolidar sua resiliência e seus meios de vida com o apoio de nossos projetos”,afirma Encarni Escobar.
O primeiro desafio é garantir o acesso a alimentos seguros, nutritivos e suficientes. Para tanto, a Manos Unidas
- apoia iniciativas agroecológicas de pequenos produtores,
- busca garantir fontes de água adequadas
- e fortalecer os sistemas de processamento e comercialização.
“Nestes meses de pandemia, a agricultura familiar sustentável salvou muitas comunidades da fome. Através
- da formação,das infraestruturas hídricas e do apoio técnico e financeiro,
- apostamos nos mercados locais, na associação dos produtores e no acesso à terra e aos meios de produção,
- para que as famílias obtenham rendimentos mais estáveis e não sejam obrigados migrar para as cidades”, acrescenta Escobar.
Malauí. Foto: Beatriz Hernáez | Manos Unidas
“O segundo desafio é garantir que as organizações locais sejam cada vez mais fortes e estáveis para que possam reivindicar e defender seus direitos”, diz Encarni Escobar.
- “Se não conseguirmos isso, seria pão para hoje e fome para amanhã.
- Por isso, promovemos processos de capacitação e apoio na defesa de seus direitos,
- o que hoje é cada vez mais importante, pois os direitos são cada vez menos garantidos com a desculpa da pandemia:
- há mais abuso de poder, violência e impunidade”, concluiu.
Fidele Podga fala de um terceiro desafio,
“talvez o mais importante e o mais complexo:
- transformar nossos estilos de vida e consumo
- para que sejam uma verdadeira vacina contra a fome e a pobreza”.
Podga incentiva cada pessoa a se fazer várias perguntas:
- “O que eu como? Quanto eu como? Quanto jogo fora? Onde compro?
- Quem o produz? Onde o produz?
- Ele produz? Para que ele produz?
- Onde eu invisto minhas economias?”.
Para o coordenador do departamento de pesquisas da Manos Unidas,
- “não se trata de responder a estas perguntas com espírito acusador ou culpabilizante,
- mas com profunda responsabilidade, para que nos ajude a situar-nos entre os dois tipos de pessoas identificados pelo Papa na sua última encíclica:
- ‘quem cuida da dor e quem sofre’,
- pois, como dirá poucas linhas depois, nesses momentos de crise a opção passa a ser premente:
- ‘todo aquele que não é ladrão ou todo aquele que não é ele sofre, ou está ferido ou põe algum ferido nos ombros’”.
Festival de Curtas-Metragens
Desde 15 de outubro a Manos Unidos promove o XII Festival de Curtas-Metragens que, nesta ocasião, tem o objetivo de defender o direito à saúde. O Festival de Curtas-Metragens da Manos Unidas é uma atividade de educação para o desenvolvimento que tem como objetivo promover, fundamentalmente entre os jovens, a consciência social e o compromisso. Os participantes apresentarão para concurso um vídeo de um minuto de duração que visibilize a desigualdade no acesso aos recursos sanitários que sofrem às pessoas mais empobrecidas.
Informações sobre o festival estão neste link.
Manos Unidas
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