Lorenzo Prezzi– 22 Setembro 2020
“A referência mais adequada para colocar suas palavras parece ser a construção da “guerra fria” com a China.
- Da formação de uma aliança antichinesa nos países limítrofes com o “império do meio” ao rearmamento assegurado para Taiwan,
- das pressões sobre os aliados ocidentais às defesas das minorias internas,
- dos limites dos mercados internacionais para os chineses às acusações de espionagem tecnológica:
tudo converge no desejo de isolar o maior país asiático”,
escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 21-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
A grosseria e o diálogo:
- difícil compor as observações críticas do Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, ao Papa Francisco e à Santa Sé (First Things, 18 de setembro e seus tuites)
- com o previsível pedido de encontro em sua próxima visita a Roma (29-30 de setembro).
Há algo tosco e excessivo
- que muda a atenção do texto sobre a defesa dos direitos humanos na China para outros interesses:
- as próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos,
- a construção de uma coalizão mundial neoconservadora
- e, acima de tudo, o fomento de uma nova guerra fria contra a China, dentro da qual arrastar a credibilidade moral da Santa Sé.
A diplomacia do Vaticano nunca recusa o pedido de diálogo dos representantes do Estado e Pompeo encontrará em Roma
- tanto a confirmação do acordo sino-vaticano
- quanto as consonâncias sobre algumas questões caras ao governo Trump (defesa da liberdade religiosa, oposição ao aborto e aos “direitos reprodutivos”).
A autoridade moral em questão
O artigo em First Things denuncia
- a degradação dos direitos humanos na China e a sinização das religiões, perseguidas para
- “subordinar Deus ao partido, promovendo o próprio Xi (Jinping) como uma divindade ultramundana”.
É claro, escreve Pompeo, que
“depois de dois anos, o acordo China-Vaticano não defendeu os católicos das depredações do partido, para não mencionar o horrendo tratamento dos cristãos, dos budistas tibetanos, dos adeptos do Falung Gong e outras religiões”.
O assédio contra os cristãos continua e os próprios bispos legitimados por Roma mostram uma
“lealdade pouco clara, confundindo os católicos chineses que sempre tiveram confiança na Igreja”.
A aprovação da lei de segurança nacional que viola o tratado internacional de 1997 que garante a liberdade do território de Hong Kong
- expõe os fiéis às intimidações e arbitrariedade das forças repressivas
- e abandona à própria sorte figuras importantes do catolicismo local, como Martin Lee e Jimmy Lai.
“A Santa Sé tem a capacidade e o dever únicos de dirigir a atenção do mundo para as violações dos direitos humanos, especialmente as cometidas por regimes totalitários como o de Pequim”,
como aconteceu na Europa Central e Oriental e a todos que desafiaram os regimes totalitários e autoritários na América Latina e na Ásia.
“A mesma força de testemunho moral deveria ser empregada hoje em relação ao Partido Comunista Chinês”,
em coerência com a prioridade reconhecida pelo magistério aos princípios da liberdade religiosa e da solidariedade.
“Se o Partido Comunista da China conseguir colocar a Igreja Católica e outras comunidades religiosas de joelhos, os regimes que atentam aos direitos humanos serão fortalecidos e o custo da resistência às tiranias aumentará para todos os bravos fiéis que honram a Deus acima do autocrata de plantão”.
Aproximações e contradições
As aproximações e contradições do secretário de Estado, diácono de uma Igreja Evangélica Presbiteriana, são evidentes:
- o acordo sino-vaticano não é entre a Santa Sé e o partido, mas com o governo;
- se Xi se considera uma divindade, não se vê porque deveria de ocupar com a sinização de outras religiões;
- a Igreja na China não pode tirar proveito de um enraizamento popular de uma tradição cultural favorável aos direitos humanos, de uma sociedade pobre e de um fechamento ao Ocidente como no caso do Leste Europeu antes da queda do muro, etc.
A intervenção no estilo “carrinho”
- lembra a exposição da administração estadunidense e do próprio Pompeo em favor da autocefalia da Igreja Ortodoxa Ucraniana,
- paga a alto preço com um cisma no mundo ortodoxo para o qual não se vislumbra nenhuma solução.
A referência mais adequada para colocar suas palavras parece ser a construção da “guerra fria” com a China.
- Da formação de uma aliança antichinesa nos países limítrofes com o “império do meio” ao rearmamento assegurado para Taiwan,
- das pressões sobre os aliados ocidentais às defesas das minorias internas,
- dos limites dos mercados internacionais para os chineses às acusações de espionagem tecnológica:
tudo converge no desejo de isolar o maior país asiático.
Diversidade, não contradição
Com a Santa Sé não faltam elementos comuns como a defesa da democracia, o tema dos direitos humanos (com alguma suspeita sobre os “novos direitos”) ou a liberdade religiosa. A dureza do confronto não destrói as muitas raízes compartilhadas.
Além disso,
- as aberturas da Santa Sé estão cientes de tocar elementos básicos da ideologia comunista chinesa.
- Se estão distantes da pretensão de uma implosão do poder chinês perseguido hoje pela administração estadunidense,
- ao menos estão interessadas e coerentes com sua mudança.
Em particular, expressam a convicção
- de que o futuro equilíbrio da paz mundial não poderá prescindir do aporte chinês
- e que não se pode “brincar” de guerra sem, de alguma forma, propiciá-la.
O profundo contraste que atravessa a sociedade e a Igreja estadunidense não deveria impedir uma posição de autoridade dos bispos em defesa do papa.
.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/603064-mike-pompeo-o-elefante-na-loja-de-cristais
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