Um relatório da Oxfam Brasil
Acionistas das 32 maiores corporações do mundo, mesmo com seis meses de covid, ganharão R$ 577 bi a mais que em outros anos, enquanto 400 milhões ficaram desempregados. Se taxada, cifra garantiria força-tarefa pela Saúde Pública global
As 32 empresas mais rentáveis do mundo
- conseguiram US$ 109 bilhões (mais de R$ 577 bilhões) a mais em lucros durante a pandemia de covid-19 em 2020
- do que a média obtida nos quatro anos anteriores (2016-2019), revela o novo relatório da Oxfam, intitulado Poder, Lucros e a Pandemia, que foi lançado globalmente nesta quinta-feira (10/9).
Publicado na véspera do marco de seis meses da declaração oficial de pandemia no mundo (11 de março),
- o informe revela como grandes corporações do mundo priorizaram lucros em detrimento da segurança dos trabalhadores.
- São principalmente corporações do setor de tecnologia (como Microsoft, Apple, Intel, Google, Facebook),
- mas também de varejo (Amazon e Walmart)
- e farmacêutico (Merck, Johnson & Johnson e Roche).
Elas cortaram custos, não reduziram riscos nas cadeias de fornecimento e usaram toda sua influência política para moldar as ações tomadas pelos governos para conter a crise.
Enquanto isso,
- a crise econômica global provocada pela pandemia deixa meio bilhão de pessoas no limiar da pobreza.
- Quatrocentos milhões de empregos não existem mais
- e 430 milhões de pequenos negócios estão sob risco de falência.
Acionistas protegidos, população à deriva
- As 100 empresas campeãs do mercado de ações acrescentaram mais de US$ 3 trilhões ao seu valor de mercado desde o início da pandemia (em março de 2020).
- Como resultado, os 25 maiores bilionários do mundo aumentaram suas riquezas em quantidades assombrosas.
Jeff Bezos, por exemplo,
- poderia pagar um bônus único de US$ 105 mil (mais de R$ 550 mil) para cada um dos 876 mil funcionários da Amazon
- e ainda assim ser tão rico quanto era no início da pandemia.
Para Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, vivemos uma situação insustentável e injusta com milhões de pessoas que perderam seus empregos, renda e dignidade, enquanto alguns poucos bilionários aumentavam sua riqueza.
- “Não podemos aceitar que esse modelo econômico, que privilegia alguns poucos bilionários em detrimento de toda a sociedade, continue a ditar as regras.
- Nosso relatório mostra que essa economia só tem funcionado para um pequeno grupo de pessoas, os super-ricos.”
Segundo Gustavo Ferroni, coordenador de Setor Privado e Direitos Humanos da Oxfam Brasil,
- os recursos fundamentais para garantir o enfrentamento à pandemia e a sustentação socioeconômica das pessoas estão indo parar nas mãos de poucos.
- “Enquanto isso, mulheres, a população negra, minorias étnicas e migrantes pelo mundo sofrem imensos impactos em suas vidas.”
O relatório destaca ainda como as corporações exacerbaram os impactos econômicos da pandemia ao canalizarem lucros para seus acionistas em vez de investirem em melhores empregos e tecnologias mais limpas, além de pagar sua parte justa em impostos e priorizar as pessoas em vez dos lucros.
No Brasil, os efeitos da pandemia também foram desiguais.
Enquanto a maioria da população
- perdeu emprego e renda (país tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados e 40 milhões de trabalhadores informais)
- e mais de 600 mil micros, pequenas e médias empresas já fecharam as portas,
os 42 bilionários brasileiros tiveram sua riqueza aumentada em US$ 34 bilhões (mais de R$ 180 bilhões) durante a pandemia.
O patrimônio líquido desses super-ricos
- aumentou de US$ 123,1 bilhões (mais de R$ 650 bilhões) em março
- para US$ 157,1 bilhões (mais de R$ 832 bilhões) em julho – um aumento de US$ 34 bilhões (mais de R$ 80 bilhões) em quatro meses.
Quatro meses de pandemia que tiraram muito de milhões.
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Alguns dados do relatório que revelam como a pandemia impactou de maneira desigual os super-ricos e os mais pobres:
- 10 das maiores marcas de roupas do mundo usaram 74% de seus lucros (um total de US$ 21 bilhões – mais de R$ 100 bilhões) para pagar dividendos a seus acionistas e recomprar ações em 2019.
- Em 2020, 2,2 milhões de trabalhadores em Bangladesh foram afetados com o cancelamento de pedidos de produtos têxteis. O fechamento de fábricas causou um prejuízo estimado de US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16 bilhões) ao país.
- Jeff Bezos, proprietário da Amazon, lucrou tanto em 2020 que poderia pagar um bônus único de US$ 105 mil (mais de R$ 500 mil) para cada um dos seus 876 mil funcionários e ainda assim ser tão rico quanto era no início da pandemia.
- Nos Estados Unidos,
* cerca de 27 mil trabalhadores de fábricas de empacotamento de carne testaram positivo para covid-19 – um em cada nove trabalhadores – e mais de 90 morreram devido à doença.
* A maior empresa de processamento de carne do país, a Tyson Foods, publicou uma carta defendendo a abertura de suas fábricas, apesar de 8,5 mil trabalhadores de suas fábricas terem testado positivo para o virus.
- Na Índia,
* centenas de trabalhadores das plantações de chá, muitos dos quais são mulheres, ficaram sem seus salários devido às medidas de isolamento social demandadas ao combate ao coronavírus.
*Ao mesmo tempo, algumas das maiores empresas indianas de chá aumentaram seus lucros ou conseguiram manter margens de lucros cortando empregos.
- Os trabalhos de mineração no Peru continuaram em operação apesar dos altos riscos de infecção entre os trabalhadores do setor.
- A petrolífera americana Chevron anunciou cortes de 10-15% de seus cerca de 45 mil trabalhadores pelo mundo apesar de gastar mais em dividendos e recompras de ações no primeiro trimestre do ano do que arrecadaram em seus negócios.
Segundo a Oxfam,
- a habilidade de muitas empresas em lidar com a crise econômica causada pela pandemia e cuidar de seus trabalhadores
- foi minada por anos de uma cultura de pagamento de altos valores a acionistas;
- algumas empresas chegaram a pagar valores mais altos do que seus lucros durante a pandemia.
Entre 2016 e 2019,
- 59 das empresas mais lucrativas dos Estados Unidos, Europa, Coreia do Sul, Austrália, Índia, Brasil, Nigéria e África do Sul
- distribuíram quase US$ 2 trilhões (mais de R$ 10 trilhões) a seus acionistas, com pagamentos em média 83% superiores aos ganhos obtidos no período.
As três maiores empresas de planos de saúde da África do Sul
- – Netcare, Mediclinic e Life Healthcare Group –
- pagaram 163% de seus lucros para acionistas por meio de dividendos e recompras de ações.
Crise pede resposta urgente e justa
É preciso uma resposta urgente para a crise atual que priorize apoio aos trabalhadores e trabalhadoras e aos pequenos negócios.
- Isso inclui o estabelecimento de um Imposto sobre Lucros Obtidos com a Pandemia de Covid-19,
- para assegurar um sacrifício compartilhado na sociedade.
- Quem está lucrando com a pandemia tem que ajudar aqueles que só perderam com a crise de saúde pública.
No longo prazo, a Oxfam pede a governos e corporações que
- reequilibrem o propósito corporativo, seus lucros e poder,
- deixando de beneficiar exclusivamente os executivos e acionistas,
- passando a dar mais atenção a trabalhadores e trabalhadoras, fornecedores, consumidores e comunidades.
“Estamos em um momento crítico. Temos uma escolha a fazer: voltar ao modelo de negócio de sempre ou aprender com a crise e desenhar uma economia mais justa e sustentável”,
afirma Gustavo Ferroni.
“A menos que mudemos o curso das coisas, as desigualdades vão aumentar – no Brasil e no mundo.”
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