Antonio Martins – 17-08-20 – Foto: Pensar Piauí
Em meio à paralisia da oposição, ele sustenta: o crucial, agora, é construir uma frente democrática amplíssima.
Mas sabe: a esquerda só se reerguerá se enfrentar o conjunto de erros que permitiu a emergência do fascismo.
Governador do Maranhão. Advogado, mestre em Direito Público (UFPE) e professor de Direito na UFMA. Foi juiz federal (1994/2006) e deputado federal (2007/2010)
Entrevista a Antonio Martins – 07/08/2020
Num país em que a esquerda abandonou o debate de projetos, para se enredar nas tramas do eleitoralismo, quem ousa outro caminho corre o risco de ser mal interpretado.
Há duas semanas, o governador do Maranhão, Flávio Dino, propôs uma frente democrática,
- para enfrentar o autoritarismo e os retrocessos
- e reabrir espaço para a crítica e a transformação social.
O que teria em mente? – perguntou-se.
- Uma candidatura em aliança com a direita “civilizada”,
- que combate Bolsonaro mas ajuda a impor o neoliberalismo?
- Oferecer-se ao PT como plano B, diante do possível impedimento de Lula?
Ao entrevistar Flávio Dino, em 31 de julho, fiz-lhe, em tom maroto, esta provocação. Respondeu-a com tranquilidade.
- Não procurou afastar a eventual postulação.
- Mas sustentou que seu objetivo é reacender o debate político esmaecido – porém indispensável –
- sobre como resgatar a sociedade brasileira do caminho infeliz por que enveredou.
Flávio Dino tem duas opiniões centrais, neste debate.
- Ele propõe – e o faz de forma clara – reunir todas as forças necessárias para enfrentar a ameaça de fascismo.
- Cabem neste desenho os esforços do ministro Alexandre de Moraes para desbaratar as milícias, digitais ou armadas.
- As seguidas ações da OAB (que, em 2016, apoiou o impeachment de Dilma) contra os ataque de Bolsonaro à democracia.
- Ou mesmo os gestos pontuais de resistência ensaiados por governadores que nada têm de esquerda.
Não significa acreditar – frisa Dino, com uma metáfora que lembra a dos “companheiros de viagem”–
- que as diferenças de projetos acabaram;
- que estes aliados, indispensáveis para preservar as liberdades,
- possam somar forças também na busca de novos rumos para o país.
Isso cabe a outros atores. Mas quais?
Quando surge este tema, o das saídas de longo prazo, o governador do Maranhão expõe uma faceta menos conhecida de suas ideias.
- Ele é um crítico dos caminhos em que se perdeu a esquerda institucional brasileira.
- Diferente de Ciro Gomes, por exemplo, seu foco não está apenas no lulismo.
Dino enxerga fenômenos mais profundos, como
- a burocratização,
- o personalismo,
- o afastamento dos dramas e lutas populares,
- a desatualização programática,
- o apego ao passado,
- a perda de capacidade de refletir e formular.
Está há muito em busca de saídas.
Jamais embarcou, por exemplo,
- na crença de que seria possível governar à esquerda, de modo duradouro,
- sem sacudir uma estrutura política oligárquica e submissa ao poder econômico.
Eleito deputado federal, integrante da base de apoio ao segundo mandato de Lula (2006-10),
- propôs em 2007 emenda constitucional em favor de uma Constituinte,
- encarregada de reformar os sistemas político e tributário.
- A proposição recebeu, relata, “a pior resposta: a do silêncio”.
Os governos de esquerda, embora protagonizassem avanços civilizatórios reais, jamais ousaram promover mobilização popular.
Flávio tem clara noção desta ausência. Sua visão sobre o processo que levou ao golpe de 2016 é refinada.
Ele enxerga, é claro,
- o movimento geopolítico dos EUA, que não se conformaram com a emergência de um poder rival na América do Sul –
- menos ainda após a descoberta das jazidas gigantes de petróleo do Pré-Sal.
Mas lembra que
- a ação desestabilizadora de Washington
- se deu por encontrar “terreno fértil”.
O descolamento entre a esquerda e sua base gerou, para o governador, “um gigante com pés de barro”.
- Em 2013, diz ele, este processo favoreceu a captura de grandes protestos – em seu início, democráticos e favoráveis aos serviços públicos – pela direita.
- Dois anos depois, no início do segundo mandato de Dilma, levou a um ajuste fiscal que “desorientou a base social” e tornou o gigante “facilmente derrubável”.
Será possível, à esquerda, enfrentar tantos problemas;
- recuperar-se a ponto de evitar uma nova vitória eleitoral do fascismo;
- recredenciar-se para propor a transformação do país?
Aqui Flávio Dino pode ser visto como generoso ou condescendente, a depender do interlocutor.
Formado politicamente no cristianismo de esquerda, ele recorre à frase bíblica: “atire a primeira pedra quem nunca errou”.
- Aposta que os enganos de catorze anos de governo foram pontuais e poderão ser corrigidos.
- Imagina que as vaidades que hoje opõem Lula a Ciro terminarão por ser superadas.
- Orgulha-se de manter estas esperanças, porque prefere a ingenuidade ao cinismo.
Lança acenos a uma renovação mais profunda.
- À atualização programática – que leve em conta as transformações no capitalismo, nas formas de acumulação de riquezas, ao surgimento do precariado.
- A projetos como a Renda Básica, a Economia Solidária, o Green New Deal.
No plano das realizações concretas, o Maranhão impressiona. Dois dias depois da entrevista, o estado era considerado, num estudo do Centro de Liderança Pública que levou em conta um conjunto de variáveis estatísticas, a unidade da federação mais bem-sucedida no combate à covid-19. É o penúltimo estado, em renda per capita.
- Mas entre 1º e 31 de julho, um conjunto de políticas reduziu exatamente pela metade o número de casos da doença.
- Nesse mesmo período, o Brasil tornou-se líder mundial no funesto campeonato de óbitos provocados por coronavírus.
No início de agosto, pesquisas de opinião, ainda muito imprecisas dada a distância da disputa, atribuíam a Flávio Dino 3% das intenções de voto, numa eventual disputa pela presidência em 2022. Chamava atenção o fato de ele estar apenas um ponto percentual abaixo de João Dória, conhecido há muito, à frente de um Estado incomparavelmente mais conhecido e de um partido mainstream.
Os dois combates de Flávio Dino pareciam começar a produzir resultados.
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