
Em artigo na Science, pesquisadores sugerem que União Europeia pode ajudar o Brasil a combater destruição da Amazônia e do Cerrado

governo brasileiro e parceiros do Mercosul e da União Europeia (UE)
- já dispõem de dados concretos à mesa
- para as discussões sobre as exportações de soja e carne do Brasil para os países do bloco europeu,
- tendo em vista as restrições dos compradores à produção agropecuária contaminada pelo desmatamento ilegal.
Grupo de pesquisadores da UFMG, liderado pelos professores Raoni Rajão e Britaldo Soares-Filho,
- produziu, com instituições parceiras no Brasil e no exterior,
- estudo em que identifica as propriedades que desmataram ilegalmente, entre 2008 e 2018,
- para ampliar plantações e pastagens.
Os resultados do trabalho serão publicados nesta sexta-feira, 17 de julho, pela revista Science.
No artigoThe rotten apples of Brazil’s agribusiness (Maçãs podres do agronegócio brasileiro), os cientistas demonstram que
- pelo menos cerca de 20% das exportações do país
- estão potencialmente vinculadas ao desmatamento à margem da lei
- – e, pela primeira vez, são identificados os produtores responsáveis.
Os pesquisadores desenvolveram um software de alta performance para analisar 815 mil propriedades rurais individuais.
Raoni Rajão: monitoramento viável – Foca Lisboa / UFMG
- “O debate tem sido intenso entre pesquisadores e sociedade civil, de um lado,
- e produtores, de outro.
- Mas não havia dados suficientes para embasá-lo”,
afirma Raoni Rajão, que coordena o Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais, vinculado ao Departamento de Engenharia de Produção, da Escola de Engenharia. O laboratório trabalha em conjunto com o Centro de Sensoriamento Remoto (CSR), do Instituto de Geociências.
Rajão ressalta que a produção agrícola brasileira livre de desmatamento está ao alcance de líderes políticos e do agronegócio.
- “Passa a ser viável monitorar a cadeia de suprimentos
- e distinguir o desflorestamento legal do ilegal”,
ele afirma, lembrando que a UE e o Mercosul encaminham as negociações para ratificação de acordo de comércio.
O bloco europeu segue políticas que proíbem a importação de commodities provenientes de áreas desmatadas ilegalmente.
2 milhões de toneladas
De acordo com o estudo,
- um quinto das 53 mil propriedades que produzem soja na Amazônia e no Cerrado
- cultivaram em terras desmatadas após 2008,
- desrespeitando as normas, ou seja, ilegalmente – ações anteriores foram perdoadas –,
e a estimativa é de que metade dessa soja tenha sido produzida em terras recentemente desmatadas de forma irregular.
Os pesquisadores concluíram que
- cerca de 2 milhões de toneladas de soja contaminada
- podem ter tido como destino os mercados da União Europeia no período contemplado pelo estudo.
O bloco compra do Brasil
- 41% (13,6 milhões de toneladas) de toda a soja que importa,
- e quase 70% desse volume são provenientes das regiões amazônica e do Cerrado.

A UE importa do Brasil quase 190 mil toneladas de carne bovina por ano.
Os pesquisadores da UFMG e parceiros constataram que
- pelo menos uma em cada oito das 4,1 milhões de cabeças negociadas em matadouros, a cada ano,
- têm origem direta de propriedades que podem ter desmatado ao arrepio da lei.
- Isso representa 2% da carne produzida na Amazônia e 13% da produção do Cerrado.
Eles alertam, no entanto, que é necessário monitorar também os fornecedores indiretos de gado, e isso não é feito pelos grandes matadouros e tampouco pelo governo. Os cálculos feitos para o estudo, que abrangeram as diversas etapas do processo, geraram a estimativa de que por volta de 60% das cabeças abatidas são potencialmente contaminadas pelo desmatamento em algum ponto da cadeia produtiva.
Dados e modelagem espacial
O estudo cruzou dados de uso e cobertura da terra obtidos de diferentes fontes, como
- o Cadastro Ambiental Rural (CAR) – que reúne seis milhões de imóveis individuais –,
- o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
- e o projeto MapBiomas.
As imagens de satélite foram submetidas à modelagem espacialmente explícita, desenvolvida pelo professor Britaldo Soares-Filho,
- que integra informações relacionadas aos imóveis
- e realiza cálculos baseados em parâmetros definidos pelas regras de uso do solo,
- o que determina se a produção está contaminada ou não.
Os imóveis são então vinculados às cadeias produtivas, e também é possível medir a capacidade de produção, no caso de soja. Quando se trata do gado, o processo é mais complexo e demanda análise de rede, segundo Raoni Rajão.
“O caminho dos rebanhos é longo, do nascimento ao abatedouro. Conseguimos determinar os deslocamentos de uma fazenda para outra”,
explica o pesquisador. Ele informa ainda que
- o estudo traçou a trajetória internacional de venda das commodities,
- o que foi feito por meio da plataforma Trase, desenvolvida pelo Stockholm Environmental Institute, da Suécia.
De acordo com Raoni Rajão, o trabalho não teria sido possível se não fosse a qualidade dos dados disponíveis no Brasil.
“Dispomos de sistemas muito confiáveis, de excelência. Mesmo países mais ricos não contam com estruturas tão avançadas. E nosso estudo passa a integrar esse conjunto”, afirma.

‘Ponto de ruptura’
Os autores ressaltam que
- a União Europeia ocupa posição de liderança global
- no que se refere a esforços para garantir importações de produtos que não se beneficiem do desmatamento,
- agente de destruição das florestas tropicais.
Iniciativas com esse propósito
- integram o Acordo Verde Europeu,
- ao lado, entre outras, de uma política alimentar
- que visa reduzir as distâncias para o transporte de animais e produtos agrícolas.
Essa preocupação dá base a gestões para que o bloco diminua as importações de soja do Brasil.
O professor Britaldo Soares-Filho diz que
- as florestas do Brasil estão “em ponto de ruptura”,
- ameaçadas por uma política que incentiva sua derrubada,
- principalmente para a apropriação de terras.
Para ele,
- é fundamental que a Europa use seu poder comercial e de compra
- para ajudar a “reverter o desmantelamento da proteção ambiental no Brasil”.
“Bruxelas [cidade-sede da União Europeia] finalmente tem as informações necessárias sobre a extensão do problema relacionado à soja e à carne bovina”,
enfatiza o professor, que há 20 anos desenvolve
- agenda de pesquisa sobre agropecuária sustentável,
- políticas de proteção de florestas,
- desmatamento e mudanças climáticas.
O grupo da UFMG – que lança mão de conhecimentos da geografia, geologia, engenharia, ciência da computação, ciências sociais e economia – é referência global e ajuda a assegurar a soberania do Brasil nesse campo.
Raoni Rajão, que se juntou aos pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto do IGC há cerca de uma década,
- defende ação transparente do Brasil,
- para abolir a exportação de carne e soja produzida às custas do desmatamento ilegal.
“Podemos ter uma agricultura pujante e, ao mesmo tempo, proteger nossas florestas e estar efetivamente engajados no combate às mudanças climáticas”, ele diz.
Além de Raoni Rajão e Britaldo Soares-Filho, compõem o grupo da Universidade os pesquisadores Felipe Nunes, Danilo Figueira, Lilian Machado, Débora Assis e Amanda Oliveira, as três últimas doutorandas em Geografia no IGC.
A UFMG teve como parceiros
- a Universidade de Bonn (Alemanha),
- a Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas/Ipê),
- o Stockholm Environmental Institute (Suécia)
- e a University of Wisconsin (EUA).
O estudo teve apoio
- do CNPq,
- da Fapemig, Climate and Land Use Alliance (Clua),
- Gordon and Betty Moore Foundation,
- Alexander von Humboldt Foundation
- e do Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha.
Artigo: The rotten apples of Brazil’s agribusiness
Autores: Raoni Rajão, Britaldo Soares-Filho, Felipe Nunes, Jan Börner, Lilian Machado, Débora Assis, Amanda Oliveira, Luís Pinto, Vivian Ribeiro, Lisa Rausch, Holly Gibbs, Danilo Figueira
Publicação: Science Magazine, em 17 de julho de 2020

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