Image caption – Na semana passada, o presidente da corte, Dias Toffoli, pediu uma trégua na disputa entre Poderes.
“Não é mais possível atitudes dúbias”, disse ele em live
O recente ataque com fogos de artifício por um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro contra o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona, de novo, a conturbada relação entre os poderes Executivo e Judiciário, que ficou ainda mais tensa na última semana.
- O presidente, que já participou de manifestações que pediam intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF,
- não condenou o ataque.
Bolsonaro
- já tinha acusado o ministro (do STF) Celso de Mello de abuso de autoridade
- quando este tirou o sigilo de parte de uma reunião ministerial
- para que fosse apurada a denúncia de suposta interferência do presidente na Polícia Federal.
Um de seus ministros, Abraham Weintraub, da Educação, aparece em vídeo desta reunião
- se referindo a ministros do Supremo como “vagabundos”
- (“eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”, afirma).
Quando o ministro do STF Alexandre de Moraes barrou a nomeação de Alexandre Ramagem, delegado e amigo de Bolsonaro, para a Polícia Federal,
- Bolsonaro disse que “não engoliu” a decisão,
- e disse que Moraes chegou à corte por “amizade” com o ex-presidente Michel Temer.
- ofensas e ameaças contra integrantes da corte
- e a suposta participação de parlamentares bolsonaristas
- na divulgação de notícias falsas e organização de atos que pedem o fechamento do Supremo e do Congresso.
Por fim, na sexta (12),
- outro ministro do STF, Luiz Fux,
- concedeu uma liminar delimitando a interpretação da Constituição e da lei que disciplina as Forças Armadas.
Na decisão judicial, ele esclareceu
- que ela não permite a intervenção do Exército sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo.
- Não é um poder moderador, afirmou na decisão.
Bolsonaro respondeu ao ministro Fux em uma nota, com o vice Hamilton Mourão e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, afirmando que os militares “não aceitam tentativas de tomada de poder”.
Essa polêmica tinha surgido da declaração feita por Bolsonaro — na mesma reunião ministerial de 22 de abril divulgada em vídeo — de que
- existe um dispositivo que permite aos poderes
- pedir intervenção militar para restabelecer a ordem, o artigo 142 da Constituição.

Na semana passada, o presidente da corte, Dias Toffoli, pediu uma trégua na disputa entre os poderes.
- “Não é mais possível atitudes dúbias”, disse ele,
- em afirmação direcionada “diretamente e em especial” ao chefe do Executivo,
- em uma live da Associação dos Magistrados Brasileiros.
Em entrevista ao site Bloomberg no fim de semana, o ministro do STF Gilmar Mendes disse entender
- a “irritação”de Bolsonaro com a corte suprema e o Congresso, que têm suspendido várias de suas medidas,
- mas que isso ocorre porque o presidente tem um poder limitado.
“O grupo que o assessora tem uma ideia de um presidencialismo imperial.
Tanto que ele usa muito a expressão
- ‘estão esvaziando minha caneta, o STF tirou minha caneta’,
- como se bastasse um decreto”, afirmou ele.
Para o ministro,
- o sistema de freios e contrapesos estabelecidos pela Constituição
- está mais ativo agora no governo Bolsonaro
- porque há “provocações’, incluindo ameaças para desativá-los.
Mas como funciona este sistema de freios e contrapesos?
A seguir, a BBC News Brasil explica quais são os limites da atuação de cada poder e como é mantido o equilíbrio de forças entre eles — visto como base da democracia.
Três poderes
A teoria da separação de poderes vem do século 18, do filósofo francês Montesquieu, com a ideia de
- não concentrá-los em uma só pessoa ou órgão,
- dividindo o poder
- para, assim, afastar governos absolutistas e normas tirânicas.
Essa teoria está na base da democracia, cada país democrático moldou seu sistema de governo em torno dessa separação de poderes.
No Brasil, existem os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. E cada um desses poderes são “independentes e harmônicos”, segundo o artigo 2º da Constituição Federal.
Segundo Wallace Corbo, professor da FGV Direito Rio, isso significa que
- “cada poder exerce suas funções sem precisar de outros poderes, mas trabalhando juntos”.
- “Existe a ideia de consenso e colaboração. Os poderes precisam encontrar um consenso para atuar.”

O Poder Executivo é representado pelo chefe do Executivo (no Brasil, o presidente da República), com a função primordial de executar, ou seja, aplicar a lei para administrar o governo, entre outros.
O Poder Legislativo tem a tarefa de legislar, ou seja, elaborar leis, e fiscalizar as ações do poder Executivo. É exercido pelo Congresso Nacional e, nos Estados, pelas Assembleias Legislativas estaduais.
O Poder Judiciário julga a aplicação das leis e zela para que estas sejam observadas e que respeitem a Constituição. É composto por vários tribunais, com o Supremo Tribunal Federal como instância máxima.
Cada um desses poderes têm funções “típicas” e “atípicas”.
“As funções que realizam de forma primeira são as típicas, e as funções atípicas são as que cada poder realiza de forma excepcional, sempre em casos previstos na Constituição”,
diz Manoela Alves, conselheira da OAB Pernambuco e professora de direito constitucional da Uninabuco, em Recife.
- “A teoria dos três poderes determina que cada poder tenha sua função, mas não é única.
- Em situações excepcionais, esses poderes vão poder realizar atividades que são tipicamente de outros poderes”, afirma.
- “É para manter o equilíbrio na relação, uma forma de contrabalancear os pesos.”
Freios e contrapesos
- Contrabalancear os pesos é uma forma de impedir que um dos poderes se exceda.
- Cada país tem sistemas de freios e contrapesos, ou check and balances, em inglês, mecanismos para que um poder controle o outro.
No Brasil, esses mecanismos estão estabelecidos na Constituição de 1988. Antes disso, no período da ditadura, o poder Executivo se colocava acima dos outros – o que a carta magna criada pela Assembleia Nacional Constituinte após esse período quis impedir estabelecendo certos freios.

“No sistema, vamos ter várias situações nas quais um poder fiscaliza o outro, para não termos um poder mandando mais que o outro”, diz Alves.
“O Estado só está de fato atuando no interesse comum quando consegue equilibrar suas três funções principais, que são executar, legislar e julgar, de uma forma que respeite as regras pré-definidas na Constituição.”
Segundo Alves, a fiscalização entre os três poderes da forma prevista na Constituição fortalece o Estado democrático de Direito.
- “A ideia de separação dos poderes é uma ideia de contenção do arbítrio. Quando separo os poderes, crio vários agentes de veto que conseguem conter uns aos outros”, explica Corbo.
- “O nosso desenho de separação de poderes, que é muito inspirado no desenho americano, se baseia exatamente na possibilidade de vários órgãos controlarem uns aos outros.”
Por exemplo, diz ele:
“o Legislativo controla o Executivo, o Judiciário controla o Executivo e o Legislativo, o Legislativo e o Executivo nomeiam o Judiciário. O Legislativo pode editar uma emenda para superar uma interpretação do Poder Judiciário”.
- “Ao criar isso, impeço que o Davi Alcolumbre, o Rodrigo Maia, o Jair Bolsonaro, qualquer um desses agentes possa por si só governar.
- E quando eu impeço que qualquer agente possa por si só governar, eu não só avanço na contenção do arbítrio, como posso avançar numa democracia mais aperfeiçoada.
- Porque a ideia é tentar entender esses três poderes como representantes parciais da democracia.”
Um dos exemplos mais claros da fiscalização de um poder pelo outro é o processo de impeachment, por exemplo. Em um processo como este, de responsabilização do presidente da República, o poder Legislativo julga (pelo Senado, com autorização da Câmara).
“Isso é interferência indevida de um poder pelo outro? Não. É a maneira pela qual a separação de poderes foi estabelecida na Constituição”, explica Corbo.
O Legislativo tem outras maneiras de fiscalizar o Executivo, que está “amarrado pela Constituição de 1988”, diz Corbo. Pode fiscalizar por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito (as CPIs), por exemplo. O Legislativo também pode
- sustar decretos do Executivo,
- rejeitar Medidas Provisórias (como o Congresso recentemente rejeitou uma MP que tratava da nomeação de reitores de universidades).
O próprio Legislativo tem uma separação, a Câmara e o Senado, em que um controla o outro.
O Executivo, por sua vez,
- pode interferir na atuação do Congresso,
- mas não pode, como em outros países, desfazer o parlamento ou convocar novas eleições.
O presidente da República
- pode apresentar projetos de lei, pautando o debate legislativo,
- pode editar uma Medida Provisória que também vai pautar o Legislativo,
- pode vetar um projeto de lei aprovado pelo Legislativo.
É a presidência que envia o projeto do Orçamento para ser aprovado pela Congresso.
Já o Judiciário fica de olho nos atos do poder público;
- pode julgar se novas leis aprovadas no Legislativo ou se ações do Executivo
- violam a Constituição.
Como isso funciona?
- Vários agentes, como partidos, a população, organizações sociais, podem contestar a legalidade desses atos no Judiciário.
- Por exemplo, um partido pode ajuizar no STF uma ação questionando uma lei que acabou de ser aprovada.
- Em julgamento, o STF pode excluir os efeitos da lei.
- O mesmo pode acontecer com atos ou decretos do presidente da República.
É preciso lembrar, também, que
- a formação do poder Judiciário ou do Supremo Tribunal no Brasil e nos tribunais superiores sempre
- se dá com a participação do Executivo, que nomeia seus membros,
- e do Legislativo, que os aprova.
“O poder Executivo pode nomear um ministro que esteja vinculado a algum outro tipo de pensamento”, diz Corbo.
“Mas para alterar a composição inteira de um tribunal demora 20 anos — e a ideia é essa, que nenhum presidente seja capaz de empacotar a corte para ter um tribunal 100% composto por escolhas suas.”
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53071440
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