Sergio Moro anuncia sua renúncia ao cargo de ministro da justiça durante coletiva de imprensa em Brasília, dia 24 de abril. Foto: Andressa Anholete/Getty Images.
A advogada Rosângela Wolff Moro, a quem o agora ex-ministro confiou o papel de porta-voz deste os tempos da magistratura, certa vez disse ver o marido e Bolsonaro como uma coisa só. A história dificilmente deixará de fazer o mesmo.
540 DIAS APÓS AVISAR que havia aceito convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro anunciou hoje que está pulando fora do cada vez mais frágil barco do governo.
Como sempre foi seu hábito
- Moro não permitiu que jornalistas o confrontassem com perguntas embaraçosas.
- Em vez disso, fez um pronunciamento de quase 50 minutos em que,
- retomando a voz pausada e humilde das aparições públicas dos tempos de juiz federal,
- tentou vender uma espécie de Sergio Moro 3.0, mirando uma óbvia candidatura presidencial em 2022.
O Sergio Moro 3.0 apresentou seu antecessor, o ministro da Justiça, como um defensor da lei e da independência de órgãos como a Polícia Federal – a disputa pelo controle da instituição foi o motivo do pedido de demissão que disse que apresentará ainda nesta sexta-feira a Bolsonaro.
Todas as três versões teriam em comum, na visão do agora presidenciável, “o respeito à lei, ao estado de direito, à impessoalidade”.
- O Moro 1.0 sugeriu ao Ministério Público Federal uma nota à imprensa rebatendo o “showzinho” da defesa após um depoimento do então réu Luiz Inácio Lula da Silva num processo que cabia ao juiz federal julgar com isenção.
- Já o Moro 2.0 foi um cão de guarda de Bolsonaro de fazer inveja ao filho 02, o vereador Carlos. Em fevereiro, quando veio à tona que o ministro da Justiça havia pedido a abertura de um inquérito por crime contra a honra do chefe, supostamente cometido num cartaz dum festival de punk rock, usei a Lei de Acesso à Informação para ver quantos pedidos desse tipo haviam sido feitos nos últimos 25 anos.
Os dados, enviados pela própria pasta comandada por Moro,
- indicam que o agora ex-ministro
- pediu 12 investigações do tipo em seus 16 meses incompletos no governo.
- É mais do que todas as investigações sobre crimes a honra pedidas pelos ministros da Justiça que serviram a Michel Temer, Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso somadas.
Eis os números exatos:

Em português claro,
- Moro viu mais crimes contra a honra de Bolsonaro em 15 meses
- do que uma penca de seus antecessores enxergaram nos 24 anos anteriores contra quatro ex-presidentes.
Moro mandou que a PF, que ele defende que seja técnica e autônoma,
- investigasse não apenas uns adolescentes punks paraenses,
- mas também Lula, um político, por críticas ao chefe Bolsonaro.
Sabemos desses dois casos porque vieram à tona. Os alvos dos demais ainda são desconhecidos, pois o conteúdo das investigações é sigiloso.
Não se viu em Moro a mesma firmeza ao tratar de casos embaraçosos para a família presidencial. Ou Moro entendeu mal a noção de lealdade que devia ao chefe, ou não é um democrata.
- Dilma Rousseff foi difamada em adesivos repugnantes colados sobre o tanque de gasolina de carros no auge de sua impopularidade.
- Temer foi chamado de vampiro durante toda a carreira política.
- Lula, acusado de ter amputado o próprio dedo de propósito para não mais precisar trabalhar e de beber demais.
- Fernando Henrique era xingado quase que diariamente de fascista em protestos de gente inflamada – e, hoje percebemos, também mal informada sobre o real significado do termo.
Não consta que nenhuma dessas agressões tenha gerado inquéritos por “crime contra a honra”.
Moro e seu parceiro de conlúios jurídico-políticos, Deltan Dallagnol, da “República de Curitiba” da LAVAJATO. Imagem: Daqui
Não se viu em Moro a mesma firmeza ao tratar de casos embaraçosos para a família presidencial.
- Ele deixou de fora da lista de criminosos mais procurados do país o miliciano Adriano da Nóbrega,
- amigo dos Bolsonaro, envolvido nas rachadinhas de Flavio, o filho 01,
- e possivelmente envolvido no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Nóbrega foi executado em seguida pela polícia baiana, levando ao túmulo seus segredos sobre a família Bolsonaro. Moro nunca comentou o caso.
- Moro também mandou que sua Polícia Federal investigasse o porteiro do condomínio em que vivem Jair e Carlos Bolsonaro
- por ter dito a autoridades cariocas que Élcio Queiroz, motorista do carro usado para matar Marielle e Anderson, foi a casa do presidente no dia do crime.
- A investigação determinada pelo então ministro teve como alvo exclusivo o porteiro,
- e não todo o caso, que permanece nebuloso até hoje. Moro agiu para preservar o chefe.
Hoje, em seu depoimento de despedida, Moro falou que
- Bolsonaro queria no comando da PF alguém a quem “pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência”.
- “E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informações”,asseverou, com ares de Rui Barbosa.
Também não é papel dela
- perseguir críticos do presidente da República.
- Nem é papel de um juiz federal, como ele já foi, coordenar o trabalho dos acusadores ou oferecer informalmente aos procuradores provas contra um réu.
Moro fez e mandou fazer tudo isso.
É tentador
- celebrar Moro por seu desembarque do bolsonarismo,
- que enfraquece o mais ordinário e perigoso governo que o país já teve.
- Mas é um erro: ele ajudou a eleger e foi durante 16 meses o fiador de um presidente que flerta abertamente com um autogolpe.
A advogada Rosângela Wolff Moro, a quem o agora ex-ministro confiou o papel de porta-voz deste os tempos da magistratura, certa vez disse ver o marido e Bolsonaro como uma coisa só.
A história dificilmente deixará de fazer o mesmo.

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