Lúcio Flávio Pinto – 07/04/2020 – Imagem: DAQUI
O economista Joseph Stiglitz avalia que líderes que emergiram da negação da política mostram-se, nesta pandemia do coronavírus, oportunistas e focados em seus projetos eleitorais, com posturas hesitantes que trarão consequências desastrosas.
Prêmio Nobel de Economia em 2001 e professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, ele critica a atuação do americano Donald Trump e do brasileiro Jair Bolsonaro para defender um novo contrato entre o mercado, o Estado e a sociedade civil. É o que diz, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que reproduzo a seguir. Destaco os trechos que mais me impressionaram.
Joseph Stiglitz – DCM
Existe um dilema entre salvar a economia e salvar vidas?
O fato é que, se você não salvar as pessoas, a economia será devastada. Pessoas não irão ao restaurante, ficarão nervosas quanto a ir ao trabalho, não irão voar por aí, haverá medo no ar. Basicamente,
- a economia se encaminhará para a paralisia
- se não pararmos a pandemia.
Por isso, é uma boa decisão colocar a prioridade nas pessoas e controlar a pandemia. Fizemos isso nos EUA depois de pressão dos democratas e para criar as condições para ressuscitar a economia quando a pandemia estiver sob controle. Mas ainda há buracos.
O sr. costuma afirmar que a economia capturou a política. É possível que líderes que emergiram da negação da política, como Trump e Bolsonaro, de alguma forma tenham terminado sendo representantes ideais das grandes corporações?
Em primeiro lugar,
- pessoas como Trump são interessadas na sua própria reeleição, no seu próprio poder,
- e isso torna difícil descobrir o que de fato apoiam.
- Não apoiam nada. Não há um princípio conservador. Não há princípios.
Trump ganhou apoio da grande indústria, então, não surpreende que ela esteja no topo da sua agenda. A primeira resposta dele foi o corte de impostos para corporações, apesar de não ter nada a ver com a crise.
- Devemos enxergar o que eles têm feito não como algo baseado em um conjunto de princípios ideológicos coerentes,
- mas como um oportunista tentando lidar com a situação
- . No começo ele pensou que poderia apenas negar, dizer que está tudo bem.
- A razão de o avanço da doença estar tão grave é porque não fizemos nada por muito tempo.
Qual é a consequência desse comportamento de Trump em relação às políticas para conter o coronavírus?
As consequências, francamente, são desastrosas. E seriam piores se não fosse o fato de termos uma burocracia tão dedicada.
- Instituições como o nosso Centro para Controle de Doenças, que são muito profissionais, e médicos, que de alguma maneira nos salvaram.
- Também fomos salvos pela intervenção de governadores, mas eles não podem resolver o problema da oferta, da falta de máscaras, de equipamento de proteção e de ventiladores.
- E a falta de testes – de responsabilidade do governo federal, que não faz seu papel.
Faltou fazermos testes por semanas a fio e o resultado, francamente, é que existe sangue nas mãos de Trump. As pessoas estão morrendo por causa da sua inação.
O sr. inclui Jair Bolsonaro na mesma posição que Trump?
Não tenho seguido os detalhes do que está acontecendo no Brasil, mas penso que o País poderia estar em situação pior se não tivesse uma burocracia dedicada, médicos dedicados.
Nesse ponto, o sr. vê semelhança entre o Brasil e EUA?
Nós temos sido salvos pelas nossas instituições.
No Brasil, o presidente se colocou contra orientações do próprio Ministério da Saúde, foi a uma manifestação de rua e criticou fechamento de escolas e templos.
Essas ações são custosas em muitos aspectos. De uma maneira mais ampla, é muito difícil para indivíduos manter distância, pessoas querem interagir, então é essencial dizer às pessoas que é perigoso se aproximar de outras pessoas para impedir a propagação da doença. É para isso que precisamos de liderança. E nós não temos essa liderança (nos EUA). E vocês (no Brasil) têm uma liderança ainda pior.
Qual a importância do financiamento estatal de despesas nesse momento?
Crucial. A única forma de evitar o colapso do sistema é o dinheiro governamental. Para conter a pandemia, a saúde é o mais importante e isso tem de ser priorizado em termos de orçamento. A grande diferença em relação aos mercados emergentes é que nos EUA não nos perguntamos se podemos bancar isso. Ampliamos o déficit de US$ 1 trilhão, 5% do produto interno bruto, em US$ 2 trilhões, 15%. Podemos explodir o orçamento sem nos importarmos com isso. A maioria dos países em desenvolvimento não pode.
E quanto isso atrapalha a tomada de medidas emergenciais pelo Brasil?
Bastante. E certamente exige uma “repriorização”, pelo menos temporária. Talvez exija
- um corte temporário em parte das pensões, com uma renda mais alta.
- Um aumento temporário nos impostos de pessoas com maior renda.
- Vai ser necessário estabelecer novas prioridades pelo menos neste ano e provavelmente para os próximos dois anos.
O Brasil e outros países vão sofrer restrições orçamentárias, então precisam levantar dinheiro. A comunidade internacional deveria fornecer mais apoio a países em desenvolvimento e aos mercados emergentes.
O sr. vai lançar seu próximo livro em setembro no Brasil. O que o País, que tem vivido instabilidade na política e na economia ao longo da década, pode aprender com seu livro?
Primeiro, deixe-me tentar fazer uma conexão entre o que vai acontecer e o livro. Isso é relevante para o Brasil, é relevante para os EUA.
* O livro apresenta dois pontos muito relevantes:
- que precisamos de um novo contrato social, um novo equilíbrio
- entre o mercado, o Estado e a sociedade civil.
- Nós nos voltamos para o governo quando temos uma crise.
O mercado
- não avaliou adequadamente os riscos,
- não lidou adequadamente com os riscos de uma pandemia,
- com o risco de mudanças climáticas, todos os riscos sociais.
Isso destaca o papel central do governo em nosso bem-estar. E, quando temos escassez, como temos nos EUA, de máscaras, ventiladores e testes, é um fracasso do mercado.
Precisamos da intervenção do governo e, quando ele não intervém, nós sofremos. A realidade é que
- confiamos demais no setor privado
- e, em países como os EUA, onde o governo não funcionou,
- estamos vendo as taxas de mortes.
Em países como a Coreia do Sul, onde o governo fez seu trabalho, a pandemia foi controlada rapidamente. Isso mostra o papel crítico do governo.
* A segunda parte é o papel da ciência.
É notável a rapidez com que conseguimos analisar o vírus e descobrir de onde ele veio, desenvolvendo o teste.
- E toda a ciência é baseada em apoio governamental.
- Esse é outro exemplo da importância do governo.
- E no Brasil e nos EUA, temos governos que não acreditam em ciência. E nós vemos as consequências.
O sr. afirma que o conceito de capitalismo progressista que defende é mais importante que nunca para o bem-estar dos povos?
Sim.
- O mundo do século XXI é um em que o governo
- terá de assumir um papel maior do que no passado – a razão pela qual eu defendo um capitalismo progressista.
Quero enfatizar que
- os mercados ainda serão importantes.
- Mas não podem ser os mercados irrestritos do neoliberalismo.
- A desigualdade cresceu. E é por isso que nossa política ficou tão feia.
O Brasil tem os mesmos problemas.
- Vocês
- progrediram na redução da desigualdade, fornecendo educação, em governos de centro-esquerda e de centro-direita, com (Fernando Henrique) Cardoso e Lula.
- Mostraram que poderiam crescer com prosperidade compartilhada e diminuir a desigualdade.
Mas Bolsonaro está indo na direção oposta e isso significa que
- a proteção do meio ambiente será pior
- , e você estará exposto a mais doenças,
- e a educação será prejudicada.
O futuro do Brasil está sendo colocado em risco.
Eu escrevi minha mensagem em parte em resposta ao dano que Trump está causando aos EUA. Precisamos dessa visão como uma alternativa à destruição de Trump à nossa democracia, economia e sociedade.
Mas essas mensagens são ainda mais relevantes para o caso do Brasil.
Leave a Reply