Anselmo Borges, 02/04/2020
Imagem: Jesus salva Pedro – Daqui
Revista CAIS de Março: Deus tem Sentido de Humor?
O Pe. Anselmo Borges e o humorista Ricardo Araújo Pereira debateram a questão
Sobre Deus que sabemos nós? Ele é infinito e está para lá de tudo o que possamos pensar ou dizer dEle. O que sabemos dEle sabemo-lo através de Jesus, a sua revelação no mundo.
Através de Jesus, sabemos que Deus é Amor incondicional, é Razão, é Inteligência. Por isso, Deus tem sentido de humor, pois o humor é sinal de inteligência. Não é o humor fino revelador de uma inteligência fina?
De Jesus diz-nos o Evangelho que chorou: chorou pela morte do seu amigo Lázaro. Não se diz que riu. Mas já Santo Tomás de Aquino observou que é evidente que Jesus riu.
A prova: Jesus é homem e rir é característica essencial do ser humano. Jesus participou em festas de casamento e alguém imagina uma festa de casamento sem risos, sem piadas festivas ? O Evangelho testemunha que Jesus experienciou o melhor sentimento face à vida e ao seu milagre: o do maravilhamento e do contentamento.
A Igreja está atravessada pelo bom humor, porque “um santo triste é um triste santo”. E há piadas fatais.
Lá está o dito famoso: “ridendo castigat mores”: a rir se castigam os costumes.
Gil Vicente foi exemplar nisso. Digo: ai da Igreja e dos crentes sem a crítica mordaz, ácida, pela palavra e pela caricatura! O que não se pode é cair na boçalidade, pois esta significa apenas uma coisa: falta de inteligência. O riso também cura a vaidade oca:
“Mesmo no mais alto trono do mundo, está-se sentado sobre o cu”, escreveu Montaigne.
Na Idade Média, realizava-se a chamada Festa dos Loucos, uma crítica brutal ao poder eclesiástico.
- Pegava-se num subdiácono, o grau mais baixo da hierarquia,
- era vestido de bispo,
- colocado em cima de um burro,
- entrava na igreja com a face voltada para a cauda, de costas para o altar.
Em momentos fundamentais da liturgia, o celebrante e o povo zurravam. Na transmissão simbólica do báculo episcopal, rezava-se o Magnificat naquele passo: “e Deus derrubou os poderosos e exaltou os humildes.”
Chamada a pronunciar-se, a Faculdade de Teologia de Paris, justificou-a com a necessidade de dar expansão à crítica, voltando depois a ordem.
A propósito da força crítica da piada e da caricatura, fica aí esta sobre o Vaticano e todo aquele luxo, que blasfema do Evangelho de Jesus, no fausto de uma procissão com cardeais, arcebispos, bispos, monsenhores.
- Veio São Pedro à janela do Céu e viu aquilo, estarrecido, e chamou Jesus, que olhou e apenas comentou:
- “E pensarmos nós, Pedro, que começámos aquilo, entrando de burro em Jerusalém onde fui crucificado… Lembras-te?”
Francisco socorre-se também do bom humor, e todos os dias reza a Oração do bom humor, oração atribuída a São Tomás Moro, o autor de A Utopia, o ex-chanceler que não se esqueceu de levar a gorjeta para o carrasco que ia decapitá-lo.
Francisco recomendou-a também aos membros da Cúria Romana, onde tem tantos adversários e até inimigos, a quem falta o bom humor divino:
“Dá-me, Senhor, uma boa digestão e também algo para digerir.
Dá-me um corpo saudável e o bom humor necessário para mantê-lo.
Dá-me uma alma simples que sabe valorizar tudo o que é bom
- e que não se amedronta facilmente diante do mal,
- mas, pelo contrário, encontra os meios para voltar a colocar as coisas no seu lugar.
Concede-me, Senhor, uma alma
- que não conhece o tédio,
- os resmungos,
- os suspiros
- e as lamentações,
- nem os excessos de stress por causa desse estorvo chamado ‘Eu’.
Dá-me, Senhor, o sentido do bom humor.
Concede-me a graça de ser capaz de uma boa piada,
- uma boa piada para descobrir na vida um pouco de alegria
- e poder partilhá-la com os outros.
Amen.”
Anselmo Borges
Fonte: Enviado pelo autor, via e-mail
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