
Ricardo Kotscho – 20 Fevereiro 2020 – Foto: Daqui
“Era só que faltava para um novo golpe dentro do golpe de 2016, como aconteceu com o AI-5, em 1968, quando a ditaduramilitar fechou o Congresso e acabou com o Estado de Direito, suspendendo todas as garantias constitucionais”, escreve Ricardo Kotscho, jornalista, em artigo publicado por seu blog, 19-02-2020.
Eis o artigo.
Em plena semana do Carnaval, eles rodaram a baiana e rasgaram as suas fantasias de generais de pijama.
Sob o comando do nanogeneral Augusto Heleno (na brilhante definição de Fernando Morais), ministro do Gabinete de Segurança Institucional,
- o governo militarizado está em pé de guerra
- contra o que resta de democracia
- e agora quer convocar o povo a ir às ruas contra o Congresso.
Principal conselheiro e tutor do capitão presidente, aquele que está sempre de óculos escuros ao lado de Bolsonaro, como um papagaio de pirata, Heleno perdeu a paciência com as pressões do Congresso contra os vetos ao orçamento impositivo:
- “Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”
- proclamou Heleno com todas as letras, durante o hasteamento da bandeira no Palácio da Alvorada,
- às oito horas da manhã de terça-feira, como relata a repórter Naira Trindade, no jornal O Globo.
Com sua cara de sonso, ele não percebeu que a cerimonia estava sendo transmitida ao vivo.
- Pouco depois, na reunião de ministros, quase todos militares, no Alvorada,
- o nanogeneral não se conteve em sua ira nada santa e foi direto ao ponto:
- pediu ao presidente para “convocar o povo a ir às ruas” em protesto contra o Congresso Nacional.
Era só que faltava para um novo golpe dentro do golpe de 2016, como aconteceu com o AI-5, em 1968, quando
- a ditadura militar fechou o Congresso
- e acabou com o Estado de Direito,
- suspendendo todas as garantias constitucionais.
A situação ficou tão surreal, que o capitão teve que pedir calma ao general – e não o contrario, como era de se esperar.
Foi nesse clima beligerante que Bolsonaro seguiu para o “cercadinho” do Alvorada, onde os jornalistas já o aguardavam para o show diário de grosserias, e passou a ofender, sem mais nem menos, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, em meio a risadas da sua claque.
Como diria Sergio Cabral ao ver a cena, “acho que ele exagerou”.
Dessa vez, não foi só a oposição que reagiu a mais um ataque criminoso à jornalista que denunciou a fábrica de fake news nas eleições de 2018.
Até os isentões da imprensa e aliados do governo
- se assustaram com o nível de degradação e vilania a que chegou o presidente da República,
- completamente descontrolado desde a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, amigo da família,
- investigado no esquema de rachadinhas do gabinete de Flávio Bolsonaro quando era deputado estadual.
No mais contundente editorial até agora publicado contra a quebra de decoro do capitão presidente, a Folha desta quarta-feira denuncia que Bolsonaro
“age como chefe de bando, reincide na ofensiva contra o jornalismo e alveja o edifício constitucional”.
Diz o editorial:
- “O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária.
- Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações de mídia tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças”.
Ontem, os presidente da Câmara, do Senado e do STF mantiveram-se em obsequioso silêncio diante dos insultos de Bolsonaro à jornalista da Folha.
- E agora?
- Vão se fingir de mortos com a clara ofensiva do do general Augusto Heleno contra as instituições revelada pela matéria de O Globo?
Até o momento em que comecei a escrever esta coluna,
- não vi nenhuma reação da parte civilizada da sociedade,
- diante do avanço golpista do governo militarizado, em todos os escalões, c
- om centenas de generais e coronéis assumindo, paulatinamente e na moita, o comando do país.
Quando for dado o novo golpe fatal na democracia, nem precisarão fazer mudanças no governo.
Resta saber se isso acontecerá com ou sem o capitão aloprado na cadeira de presidente.
Esse Carnaval promete…
Em Brasília, já começou, e não tem hora para acabar.
Agora sem fantasia, caminhamos para o colapso completo das instituições.
Vida que segue.
Ricardo Kotscho
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