Encontro entre Bolsonaro e Narendra Modi, na Índia, revela tendência dramática. Nos dois países, governos apoiam ataque inédito a territórios de povos originários. Causas: desejo de cortejar corporações, agravado por preconceitos raciais

Por Jess Franklin – 29/01/2020
| Tradução por Simone Paz | Fotografia de Tewfic El-Sawy
Encontro entre Bolsonaro e Narendra Modi, na Índia, revela tendência dramática.
Nos dois países, governos apoiam ataque inédito a territórios de povos originários.
Causas: desejo de cortejar corporações, agravado por preconceitos raciais
Adivasis, os povos originários da Índia. São 100 milhões, a maior população indígena do mundo. Como no Brasil, estão sob intensa pressão.
Um homem, que em repetidas ocasiões
- romantizou a ditadura
- e pregou o uso da tortura,
- parece não ser a melhor escolha como convidado de honra para a celebração anual da Constituição na maior democracia do mundo.
Porém, faz sentido que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tenha sido convidado pelo primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, à marcha do Dia da República da Índia.
O nacionalismo autoritário vem crescendo mundialmente —
- e líderes antidemocráticos estão agora no comando das maiores democracias do mundo,
- que incluem a Índia, o Brasil e, é claro, também os Estados Unidos.
A má notícia afeta a todos,
- mas as minorias estão particularmente em risco,
- já que esses demagogos alegam que “seus” direitos devem ser sacrificados para o bem nacional.
- Bolsonaro e Modi já avançaram várias casas desse caminho perigoso.
Foto: Índios arredios da Amazônia. Miranda, FUNAI, Survival International
Enquanto
- a guerra de Bolsonaro aos indígenas do Brasil tem sido amplamente divulgada pela imprensa internacional, e acabou ganhando destaque nas redes sociais,
- não ouvimos o mesmo barulho quando se trata do que está acontecendo com os moradores das florestas da Índia.
A Índia abriga mais povos tribais do que qualquer outro país no mundo:
- dos estimados 370 milhões de indígenas e tribais em todo o planeta,
- mais de 100 milhões habitam lá.
Existe uma crescente preocupação nacional e internacional sobre os impactos
- na Lei de Emenda à Cidadania dos Muçulmanos da Índia (CAA)
- e no Registro Nacional de Cidadãos (NRC),
- mas essa legislação também é catastrófica para as comunidades tribais.
Segundo o ativista e escritor tribal Gladson Dungdung:
- “Aos Adivasis [povos indígenas], lhes será negada sua cidadania, serão presos em campos de detenção;
- e os forasteiros serão mandados de volta para suas terras originais.
Isso é inaceitável.
- Os Adivasis foram os primeiros colonos do país:
- devem ser mantidos fora da CAA/NRC;
- e suas terras, territórios e recursos devem ser protegidos.”
O roubo de terras é um dos elementos cruciais na ameaça existencial que os povos indígenas enfrentam por parte das classes dominantes do mundo inteiro.
Recentemente, essa ameaça aumentou tanto na Índia como no Brasil — à medida em que os governos de Modi e Bolsonaro perseguem agendas populistas e majoritárias que incluem dominar as terras e os recursos indígenas “pelo bem da nação”.
Na semana passada, o líder e ativista Kayapó, Raoni Metuktire, convocou uma reunião dos povos indígenas brasileiros
“com o objetivo de se unir e denunciar que está em andamento um projeto político do governo brasileiro de genocídio, etnocídio e ecocídio”.
O encontro foi, em parte, uma resposta ao novo ataque de Bolsonaro:
- que propôs uma nova lei para invadir reservas indígenas para a extração de recursos,
- como mineração de ouro e petróleo, e atividades econômicas como agricultura e turismo.
Bolsonaro e Narendra Modi, dois líderes populistas com sangue indígena nas mãos. Foto: Daqui
Se o projeto for aprovado, as comunidades indígenas não terão mais poder para vetar esses projetos.
O roubo de terras aprovado pelo Estado está acontecendo na Índia, numa escala quase insondável.
- Atualmente, existem cerca de 8 milhões de moradores da floresta enfrentando despejos de suas terras;
- um número equivalente à população de Nova York, aproximadamente.
- E isso é resultado do mau manejo, por parte do governo, de um processo judicial que desafiava a Lei dos Direitos Florestais (FRA) — legislação que garante os direitos dos habitantes das florestas da Índia.
Demonstrando seu desprezo pelas pessoas envolvidas, o Ministério de Assuntos Tribais do governo indiano nem compareceu às audiências para defender sua própria lei.
As manifestações contra essa decisão, excepcionalmente fracassada, levaram à suspensão da ordem de despejo, por enquanto. A próxima audiência da Suprema Corte sobre o caso ocorrerá em breve. VS Roy David, da Aliança Nacional Adivasi (NAA), grupo ativista que representa os povos indígenas indianos, declarou:
“Apelamos abertamente à Suprema Corte para reavaliar essa lei retrógrada e antipopular que deixará milhões de adivasis e outros povos tradicionais da floresta nas ruas.”
Há décadas, a Survival International faz campanha pelos direitos das tribos que habitam as florestas da Índia. Eles chamam a atenção para os resultados catastróficos de despejos anteriores, como o do povo Chenchu da vila de Pecheru, expulso na década de 1980 em nome da “preservação”.
- Os sobreviventes de Chenchu relatam que, das 750 famílias que viviam na vila, apenas 160 delas sobreviveram ao despejo.
- Muitos morreram de fome.
A resistência de pessoas como o cacique Raoni, VS Roy David, Gladson Dungdung e seus aliados nacionais e internacionais, já se mostrou poderosa e eficaz.
- Os regimes de Bolsonaro e Modi propuseram leis para acabar com a proteção e as provisões aos povos indígenas e tribais,
- mas os protestos que se seguiram fizeram os governos abandonar essas propostas, pelo menos por enquanto:
Em 2019, um projeto secreto de emenda à Lei de Florestas Coloniais da Índia vazou na imprensa. A emenda autorizava os guardas florestais
- a atirar em indígenas,
- emitir punições comunitárias,
- apreender propriedades
- e prender os cidadãos impunemente.
Também, permitia às autoridades
- extinguir os direitos concedidos pela FRA
- e entregar terras florestais a empresas privadas.
Oito meses após o vazamento — e após muitos protestos nacionais e mundo afora — o governo indiano revogou as mudanças propostas na lei, embora muitos temam que ela seja trazida de volta sob outra forma.
O governo Bolsonaro
- propôs acabar com o sistema de saúde indígena, o SESAI:
- um modelo de atendimento descentralizado, que conta com 34 Departamentos Especiais de Saúde Indígena,
- executado em colaboração com as comunidades locais e adaptado às suas necessidades.
Os indígenas viram o desmonte do SESAI como uma ameaça direta às suas vidas — principalmente, às vidas de suas crianças e de seus idosos. O projeto provocou indignação e protesto entre os povos indígenas de todo o país.
- Desde o Paraná até Rondônia, de Pernambuco ao Mato Grosso do Sul,
- grupos indígenas ocuparam prédios públicos e rodovias em apoio ao SESAI.
- Apenas uma semana depois da proposta ter sido lançada, o ministro recuou e garantiu que o programa não seria abolido.
O Brasil e a Índia são Estados fundados na diversidade e que se diferenciam por causa dela. Ambos contam com disposições já consagradas em suas constituições para proteger os direitos dos cidadãos indígenas e suas tribos. Todos aqueles que acreditam na democracia constitucional devem se manter aliados aos povos indígenas e tribais, tanto na Índia como no Brasil: pelas tribos, pela natureza e por toda a humanidade.
é consultora editorial da Survival International
Fonte: https://outraspalavras.net/direitosouprivilegios/os-indigenas-no-alvo-da-ultradireita-global/
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