Exprimindo esta abertura ilimitada, há uma série de expressões famosas:
- citius, altius, fortius(mais rápido, mais alto, mais forte), o lema olímpico;
- o Homem é bestia cupidissima rerum novarum (animal ansiosíssimo por coisas novas), dizia Santo Agostinho;
- Max Scheler definiu-o como “o eterno Fausto”,
- e Nietzsche, como “o único animal que pode prometer”;
- Unamuno escreveu: “Mais, mais e cada vez mais; quero ser eu e, sem deixar de sê-lo, ser também os outros.”
Mesmo na morte, o Homem não está acabado, pois é o animal do transcendimento e sempre inconcluído.
- Precisamente a inconclusão mostra que a sua temporalidade e o seu ser têm uma estrutura essencialmente aberta.
- O Homem não pode não transcender,
- mesmo se, como escreveu o teólogo Leonardo Boff, há o bom e o mau transcender.
Exemplos do mau transcender e má transcendência são
- a droga, o álcool em excesso,
- a religião enquanto superstição alienante.
A vida é exaltante, mas também é terrível por vezes – traz exigências, dificuldades, opções que exigem algo de heróico.
- E há quem não aguente.
- E foge-se, alienado, para a droga, por exemplo, e “viaja-se”.
- Mas, quando se regressa da “viagem”, os problemas estão lá todos, com uma agravante: há menos força para enfrentá-los e superá-los, na alegria de crescer e transcender.
No bom transcender
- – no amor, na produção, na investigação, na obra de arte, na contemplação da beleza, na generosidade frente à vida, na religião criadora -,
- o horizonte alarga-se, há mais vida partilhada, humanidade livre, justa e feliz, criação do novo, esperança que toca o Além.
Permanece, portanto, a pergunta iniludível:
- qual é o termo da força do transcendimento humano?
- Por outras palavras: qual é o Sentido último da existência?
No limite, o autêntico ateísmo coerente seria “o ateísmo silencioso”, como escreve Georges Minois, aquele que não pusesse sequer a questão de Deus.
Pergunta-se, porém,
- se precisamentea questão de Deus enquanto questão, independentemente da resposta positiva ou negativa que se lhe dê,
- e a questão do Sentido último,
não são constitutivas do ser humano.
Citando G. Gusdorf, G. Minois conclui a sua História do ateísmo “com um quadro implacável e lúcido” da Humanidade do ano 2000:
“Vive no Grande Interregno dos valores, condenada a uma travessia do deserto axiológico de que ninguém pode prever o fim.”
- Durante muito tempo perseguido,
- o ateu obteve o direito de cidadania no século XIX
- e acreditou mesmo poder proclamar a morte de Deus.
Mas já no fim do século XX houve a tomada de consciência de que,
“ao eclipsar-se, Deus levou consigo o sentido do mundo”.
E continua: o futuro é imprevisível, porque o ateísmo e a fé enquanto compreensão global do mundo andaram sempre juntos.
A ideia de Deus
- era um modo de apreender o universo na sua totalidade
- e dar-lhe, de forma teísta ou ateia, um sentido.
Assim, a divisão hoje já não está tanto entre crentes e descrentes como entre
- “aqueles que afirmam a possibilidade de pensar globalmente o mundo, de modo divino ou ateu,
- e os que se limitam a uma visão fragmentária em que predomina o aqui e agora, o imediato localizado.
Se esta segunda atitude prevalecer, isso significa que a Humanidade abdica da sua procura de sentido”.
É nesta segunda atitude de niilismo prático que presentemente nos encontramos. Ela caracteriza a época em que vivemos.
A questão
- não é tanto não haver respostas,
- mas sim não colocar as perguntas essenciais, metafísico-religiosas, que constituem o Humanum, o humano.
E aí estão a fragmentação e a desorientação geral, sem horizonte de sentido, Sentido último.
Os nossos são, por isso, tempos de penúria e de noite, como anteviram Hölderlin e Martin Heidegger.
Padre e professor de Filosofia, escritor, autor de, entre vários outrps livros, DEUS E O SENTIDO DA EXISTÊNCIA
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