
Francys Silvestrini Adão – 14 Dezembro 2019 – IHU
Eis o artigo.
Algumas considerações sobre a polêmica do momento: cancelar ou não cancelar a assinatura da Netflix por causa do “Especial de Natal” produzido pelo grupo Porta dos Fundos.
1. Blasfêmia e sátira estão em dois campos de sentido diferentes. A blasfêmia é uma possibilidade de desvio dentro da comunidade de fé. A sátira é uma linguagem e um recurso crítico do campo das artes, de tipo humorístico.
2. Quando, por diversas razões, os humoristas tentam entrar no campo religioso, é importante distinguir o “alvo” que querem atingir.
- O “alvo” da blasfêmia é Deus.
- O “alvo” da sátira é a imagem de Deus projetada publicamente por aqueles que dizem crer n´Ele.
Os que se utilizam da sátira falam sobre nós, nossas crenças, nossas práticas; não sobre Deus.
3. A sátira se constrói com caricaturas: às vezes, exagerando traços que vão na linha da crença comum, para fazer enxergar o que não se vê; às vezes, construindo imagens chocantes, para provocar criticamente a crença comum.
4. Um grupo de humor não tem, em si mesmo, compromisso com o Jesus dos Evangelhos. As igrejas cristãs, essas sim, deveriam sempre ter.
- Num momento em que uma figura de Jesus domina a cena pública, com implicações políticas para toda a população,
- essa “figura” (que, como qualquer interpretação, nunca será idêntica a Jesus) pode se tornar alvo de todos os sujeitos de uma sociedade.
5. Ninguém precisa gostar de um grupo de humor (este, pessoalmente falando, não é o estilo que aprecio). Mas este desconforto e revolta que vários cristãos estão sentindo podem ser um alerta:
- a sátira, talvez, nos coloque diante do verdadeiro risco de blasfêmia que estamos correndo (nós, que cremos).
- Não esqueçamos: nas Escrituras, Deus transmitiu sua mensagem até mesmo pela boca de uma mula!
6. Ocasião, então, para um exame de consciência:
- a imagem de Jesus que temos projetado publicamente (em palavras e em gestos)
- é, realmente, aquela que nos transmitem os Evangelhos?
- Trata-se d’Aquele que, encarnando-se na periferia da periferia daquele tempo, veio trazer Vida em abundância para todos?
Somos reflexo do Jesus que – para anunciar a vitória da graça sobre as infidelidades de todos nós –
- preferiu caminhar e conversar com pecadores, prostitutas, pobres e doentes,
- ao invés de convencer sacerdotes do Templo, mestres da Lei e fariseus?
7. Será que a caricatura satírica, para muitos desagradável, deste controverso “Especial de Natal” não seria uma ocasião favorável para
- examinarmos a possível caricatura blasfemadora que muitos de nós, crentes,
- estamos projetando no espaço público de nosso país?
Declaramos guerra a um “mundo perdido”, sem considerarmos nossa sempre necessária e contínua conversão à Santidade de Deus, que deseja que nenhum de Seus filhos se perca?
8. Neste tempo de Advento, façamos nosso próprio “Especial de Natal”, agradável a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo:
- cancelemos todas as falsas imagens de Jesus que estamos consumindo e divulgando.
- Abracemos, de modo definitivo, o Jesus dos Evangelhos, o Cordeiro manso e humilde de Deus,
- o Anunciador incansável da Misericórdia do Pai,
- o Único que é uma Boa Notícia para nós e para todos.
PS.: Não estou jogando com teorias… Se não ficou claro, que fique agora:
- há, no mínimo, silêncio nosso diante dos feminicídios, invasões e assassinatos em terras indígenas e quilombolas, precarização do direito dos idosos, truculência com pessoas pobres que não cometeram crime (inclusive crianças!)…
- Segundo a mais sólida doutrina cristã, essas pessoas são “imagem de Deus”.
O risco de blasfêmia ao qual faço alusão é
- absolutizar símbolos (ainda que importantes)
- e relativizar vidas (sempre insubstituíveis).
Seria o contrário do que fez Nosso Senhor Jesus Cristo.
Francys Silvestrini Adão
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/595171-o-que-deve-ser-cancelado-eis-a-questao
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