Na última segunda-feira, foi lançado na PUC, em São Paulo, um manifesto que busca reorganizar a oposição.
Batizado de “Direitos Já! – Fórum pela Democracia”, o movimento é uma tentativa de formar uma frente ampla em defesa da democracia contra os ataques do governo Bolsonaro. O nome do movimento é uma referência às Diretas Já, criado no início dos anos 1980, quando o campo democrático, ainda sob a ditadura, se uniu para reivindicar eleições presidenciais diretas.
Representantes de 16 partidos e integrantes de diversos segmentos sociais estiveram presentes na PUC. Nomes importantes como
- Flávio Dino, do PCdoB,
- o pedetista Ciro Gomes,
- Márcio França, do PSB,
- Marta Suplicy, hoje sem partido,
deixaram as rusgas de lado em nome da defesa da democracia.
Nomes como
- Kassab (PSD) e os tucanos FHC,
- Alckmin e Anastasia
- mandaram mensagens de apoio.
É…eu sei,
- mas uma frente ampla contra a barbárie
- não pode ser encarada como um clubinho de amigos,
- mas como um movimento heterogêneo,
- que reúne amplo espectro da sociedade em torno da defesa de valores democráticos.
- de esquerda x direita,
- mas de civilização x barbárie.
A missão do movimento é complicada.
- Há muitos traumas decorrentes do impeachment,
- e juntar opositores tradicionais não é fácil.
- Mas me parece evidente que a ampliação do arco em apoio à defesa dos valores democráticos é o único caminho possível para o enfrentamento à escalada do autoritarismo.
Infelizmente nem todos no campo progressista pensam assim.
Petistas também participaram do evento, alguns até ajudaram na organização. Mas nenhum dirigente compareceu, o que indica que o partido não irá entrar de cabeça no movimento
- Fernando Haddad, que chegou a participar da gestação do grupo em maio,
- confirmou presença no evento, mas simplesmente não apareceu.
- Não mandou um recado para ser lido no evento como fizeram outros ausentes, nem mandou um representante.
Assim como Haddad, o psolista Guilherme Boulos também participou das primeiras reuniões, mas decidiu não comparecer. Também não havia nenhuma liderança do PSOL presente.
A assessoria de Haddad informou que ele teve que receber uma pessoa em casa em um compromisso pessoal. Segundo a jornalista do Estadão, Sonia Racy,
“fontes petistas admitiram que o partido fez forte pressão para que Haddad não fosse. Motivo: à sigla não interessa dividir o protagonismo na oposição. E ela não abre mão da bandeira ‘Lula Livre’ na linha de frente do movimento”.
O partido decidiu não se envolver institucionalmente com o movimento por não poder controlar suas pautas.
Nas redes sociais, parte da militância petista
- colocou em dúvida a informação do Estadão, dizendo que o PT não participou porque o evento foi organizado pelo PSDB.
- Não é verdade. O principal idealizador do movimento é o sociólogo Fernando Guimarães, um tucano que lidera uma corrente de esquerda dentro do PSDB.
- A criação do Direitos Já enfureceu a cúpula do PSDB em São Paulo, que pediu a sua expulsão.
O PT segue tendo Lula Livre como a sua principal bandeira, para não dizer a única. É uma pauta justa, legítima e importante. A Vaza Jato trouxe provas definitivas de que o ex-presidente
- foi acusado por procuradores comprometidos com causas políticas
- e condenado sem provas por um juiz parcial e igualmente alinhado a causas políticas.
A condenação de Lula
- é fruto de um processo de deterioração das instituições democráticas,
- que culminou com a eleição de Bolsonaro
- e se intensificou brutalmente com seu governo.
Na minha opinião,
- a defesa de um ex-presidente que foi vítima de um julgamento político deveria ser uma bandeira fundamental de todos que estão dispostos a defender a democracia,
- mas não é essa a realidade.
As lições da última eleição foram ignoradas. As pesquisas indicavam que apenas Lula venceria Bolsonaro em um segundo turno. Com a confirmação de que o ex-presidente não poderia disputar, o partido escolheu Haddad de última hora, apostando que a transferência de votos de Lula para o candidato do PT aconteceria de forma natural.
Àquela altura, já estava claro
- que o antipetismo era mais forte que Haddad.
- Era a hora de recuar e compor com Ciro Gomes na cabeça de chapa
- para tentar evitar a tragédia Bolsonaro.
O nome do pedetista aparecia nas pesquisas como o único com chances de derrotar Bolsonaro no segundo turno. Mesmo assim, Ciro não seria garantia de vitória, pelo contrário. As chances de perder também eram grandes. Mas ali poderia ser o início da construção de uma oposição sólida ao bolsonarismo.
Mas o PT preferiu perder como protagonista do que tentar ganhar como coadjuvante.
- A estratégia foi boa para o partido, que perdeu a eleição, mas manteve a hegemonia no campo oposicionista ao formar a maior bancada na Câmara
- Mas foi ruim para o país, que, após oito meses, está com uma oposição enfraquecida e desarticulada para enfrentar o desmonte avassalador do estado brasileiro.
O PT é o maior partido do Brasil. Tem uma forte base social, alcance no país inteiro e, mesmo com a devassa sofrida pelo conluio lavajatista, conseguiu eleger a maior bancada da Câmara.
- Difícil imaginar um movimento de oposição efetiva ao bolsonarismo sem a participação do partido.
- Infelizmente, até aqui tudo indica que os seus dirigentes não irão se engajar nessa frente ampla por temer a perda da hegemonia.
Ou os democratas se unem agora contra o governo fascistoide, ou na próxima eleição elegeremos um presidente para administrar os escombros.
O partido crê que o protagonismo é um direito natural devido ao seu tamanho, à sua força. Isso faria todo sentido se a democracia estivesse sob condições normais de pressão e temperatura, o que definitivamente não é o caso.
- O antipetismo hoje é maior força política do país.
- É tão forte que elegeu um homem que disse “vamos fuzilar a petralhada” durante a campanha.
Esse é um dado da realidade que não pode ser mais ignorado. O bolsonarismo não é uma força política convencional.
É liderado por um ex-militar
- rancoroso,
- autoritário,
- imbuído da missão de desmontar o estado,
- agradar a horda de seguidores fanáticos
- e passar o trator em cima de quem pensa diferente.
O PT calcula que o melhor a se fazer é deixar Bolsonaro
- sangrando até 2022,
- perdendo popularidade
- e, assim, derrotar a direita nas urnas.
É um erro. É subestimar mais uma vez a força avassaladora do antipetismo, que não vai sumir do dia para noite. Corre-se o risco de não se ter nem democracia nem Lula livre. Como disse o linguista americano Noam Chomsky, presente no evento do movimento Direitos Já,
“o componente central da esquerda é o PT e o partido ficou desacreditado, parte por motivos certos, parte por má propaganda e campanhas ultrajantes nas redes sociais das quais não se recuperou”.
É urgente
- juntar as forças democráticas,
- criar um diálogo plural,
- formular propostas comuns
- e criar condições para uma oposição efetiva.
Não há mais espaço para disputa de hegemonias e imposições. Ou os democratas se unem agora contra o governo fascistoide, criando uma narrativa única em torno da defesa dos valores democráticos, ou na próxima eleição — se houver eleição! — elegeremos um presidente para administrar os escombros.
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