Leonardo Boff – 21/06/2019
Foto: Alianças de casamento – IHU – Pìxabay
“Agora poderemos, finalmente, nos alegrar, por termos também homens casados, bem integrados familiarmente, que poderão ser padres, acompanhando a vida religiosa dos fiéis. Será um ganho para eles e para as comunidades católicas”, escreve Leonardo Boff, eco-teólogo, filósofo e escritor.
Eis o artigo.
No dia 17 de junho de 2019 o Vaticano emitiu um documento que recomendava ao Sínodo Pan-amazônico a realizar-se em outubro em Roma, que se considere a ordenação sacerdotal de homens casados, mais idosos e respeitados, especialmente indígenas, para as regiões afastadas da Amazônia. O Papa não quer uma Igreja que visita mas uma Igreja que permanece. Essa reivindicação é antiga e foi proposta pela CNBB ao Papa João Paulo II, nos anos 80 de século passado. Ele a interpretou como uma espécie de provocação; por causa disso sempre manteve relativa distância da CNBB.
Fontes eclesiásticas sérias fornecem os seguintes dados: na Igreja entre 1964-2004 70 mil sacerdotes deixaram o ministério. No Brasil sobre 18 mil padres, 7 mil fizeram o mesmo. As CEBs e os ministérios laicais visam a suprir a carência de padres. Por que não acolher os padres já casados e permitir-lhes assumir seu ministério ou então ordenar casados?
Seguramente, no Sínodo Pan-amazônico esta sugestão será acatada. Refere-se também que haverá “um ministério oficial para as mulheres” que não sabemos qual será. Em fim, teremos casados padres, antigo desiderato de muitas Igrejas.
Desde o início do cristianismo a questão do celibato foi polêmica. Desenharam-se duas tendências:
- uma que permitia padres casados
- e outra que preferia padres celibatários.
Para todos era claro que o celibato não é nenhum dogma de fé. Mas uma disciplina eclesiástica, particular da Igreja ocidental.
- Todas as demais Igrejas católicas (ortodoxa, siríaca, melquita, etíope etc) e as cristãs
- não conhecem essa disciplina.
- Enquanto disciplina, pode ser abolida dependendo, ultimamente, da decisão do Papa.
Jesus se refere a três tipo de celibatários, chamados de eunucos ou castrados(eunoûxoi em grego ). Do último diz:
”há castrados que assim se fizeram a si mesmos, por amor do Reino dos céus; quem puder entender que entenda” (Evangelho de Mateus 19,12).
Reconhece que
“nem todos são capazes de entender isso mas somente aqueles a quem foi dado” (Mt 19,11).
Curiosamente na Primeira Epístola a Timóteo, se fala que
“o epíscopo seja marido de uma só mulher… deve saber governar bem a sua casa e educar os filhos na obediência e castidade (1 Timóteo 3, 2-4).
Resumindo uma longa e sinuosa história do celibato, constata-se que
- ele inicialmente não existia como lei e se existia era pouco observado.
- Assim que o Papa Adriano II(867-872) bem como Sérgio III (904-911) eram casados.
- Entre o século 10 e século 13 dizem os historiadores, era comum que o sacerdote convivesse com uma companheira.
- No Brasil colônia era também muito frequente.
Outrora, os párocos do campo geravam filhos e os preparavam para serem subdiáconos, diáconos e padres, pois não havia instituições que os preparassem.
Menção à parte merece a não observância do celibato por parte de alguns Papas. Houve uma época de grande decadência moral, chamada de “a era pornocrática”entre 900-1110.
- Bento IX (1033-1045), sagrado Papa com 12 anos, já “cheio de vícios”.
- O Papa João XII (955-964) sagrado com 18 anos vivia em orgias e em adultérios.
Famosos ficaram os Papas da Renascença
- como Paulo III, Alexandre VI, com vários filhos
- e Leão X que com pompa casava os filhos dentro do Vaticano (Ver Daniel Rops, A história da Igreja de Cristo,II, Porto 1960, p.617ss).
Finalmente celebrou-se o Concílio de Trento (1545 e 1563) que impôs como obrigatória a lei do celibato para todos os que ascendessem à ordem presbiteral. E assim permanece até os dias de hoje.
- Foram criados seminários, onde, desde pequenos, os candidatos são preparados para o sacerdócio,
- numa perspectiva apologética de enfrentamento da Reforma Protestante
- e mais tarde, das heresias e dos “erros modernos”.
Somos a favor que haja, como em todas as demais Igrejas, padres casados e padres celibatários,
- não como a imposição de uma lei e pré-condição para o ministério,
- mas por opção.
O celibato é um carisma, um dom do Espírito para quem puder vivê-lo sem demasiados sacrifícios.
Jesus bem entendeu:
- é uma “castração”
- com o vazio que isso representa em afetividade e intimidade homem e mulher.
Mas essa renúncia é assumida por amor ao Reino de Deus, a serviço dos outros, especialmente dos mais pobres.
Portanto, esta carência é compensada por uma superabundância de amor.
Para isso precisa-se de
- um encontro íntimo com Cristo,
- cultivo da espiritualidade, da oração e do autocontrole.
Realisticamente observa o Mestre:”nem todos são capazes de entender isso” (Mt 19,11). Há os que o entendem.
- Vivem jovialmente seu celibato opcional,
- sem se endurecerem,
- guardando a jovialidade e a ternura essencial,
- tão solicitada pelo Papa Francisco.
Bom seria se ao lado deles houvesse padres casados.
Agora poderemos, finalmente, nos alegrar, por termos também
- homens casados,
- bem integrados familiarmente,
- que poderão ser padres, acompanhando a vida religiosa dos fiéis.
Será um ganho para eles e para as comunidades católicas.
Leonardo Boff
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/590197-boa-noticia-havera-casados-padres
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