José Pacheco Pereira – 02/03/2019
Foto: Da internet
É difícil mudar em muitos aspectos a moral sexual da Igreja e as suas consequências institucionais, mas sem uma mudança profunda na atitude da Igreja em relação à sexualidade tudo vai continuar na mesma.
Eu não sou católico, nem apostólico, nem romano e sou um ateu que se classifica de agnóstico para não ofender o Popper que há dentro de mim. Mas não sou, em 2019, anticlerical, e reconheço no meu país, também em 2019, o papel muito importante da Igreja, principalmente social e cultural. Não tenho qualquer vezo contra a instituição e reconheço mesmo que numa sociedade sem valores muitos dos valores do cristianismo que transporta a Igreja são positivos para a nossa vida colectiva, mesmo quando a Igreja não dá o exemplo. Num país onde há muita pobreza, muita exclusão, sem a Igreja tudo estaria muito pior, mesmo muito pior e a Igreja é uma poderosa força cultural e intelectual. Até aqui muito bem.
A partir daqui muito mal. Não é por acaso que várias vezes datei o que penso sobre a Igreja no ano de 2019, hoje e em Portugal, porque não queria generalizar para o passado, nem tenho a certeza do que vai ser no futuro. Apenas, hoje. E hoje a crise da Igreja católica, com sucessivos casos de pedofilia e abuso sexual de menores e maiores, é gravíssima, até porque foi ocultada ao mais alto nível. Padres e bispos cometeram crimes de delito comum e encontraram na Igreja e nas suas instituições a mesma protecção que os “soldados” da Máfia tinham na organização criminosa.
O Papa actual, que em muitas matérias mostrou bastante coragem, compreendeu a dimensão do problema e parece resolvido a defrontá-lo. Não é fácil.
A razão do que aconteceu é simples e não tem qualquer complexidade:
- o celibato dos padres,
- o impedimento de as mulheres acederem ao sacerdócio
- e a condenação pela Igreja da homossexualidade,
- ou seja, a moral sexual do cristianismo.
Esta moral sexual
- não data da origem do cristianismo,
- mas forjou-se em confronto com a moral e costumes pagãos, quando os cristãos começaram a “conquistar” Roma.
Na verdade, não é dogma de fé, embora tenha sido, com o fim das primitivas Igrejas cristãs, uma tradição identitária da Igreja quer do Ocidente quer do Oriente.
Mas nunca foi cumprida à letra e tal está abundantemente documentado, até para Portugal.
Na célebre viagem de Frei Bartolomeu dos Mártires, e no que escreveu Frei Luís de Sousa,
- a regra era os padres estarem “amancebados” e viverem com as suas famílias, sem particular escândalos das populações.
- Os conventos eram muitas vezes descritos desde o século XVIII quase como sendo lupanares e houve muitos amores de “freiras portuguesas”.
- Já para não falar das práticas libertinas a que os fiéis se entregavam na ida à missa, como a prática do beliscão nas senhoras, que tinham de ir almofadadas para não serem magoadas e apalpadas.
Do mesmo modo, a passagem rápida pelos boletins da censura durante a ditadura do Estado Novo revela como as histórias de padres e freiras violando a regra do celibato ou os votos eram uma permanente fonte de dichotes, denúncias, poemas satíricos, notícias mais ou menos crípticas nos jornais locais, tudo fervorosamente cortado pela censura. E algumas retratavam crimes, então e hoje.
Os conflitos gerados pela moral sexual cristã têm sido uma constante da história da Igreja que se tem agudizado com a crescente laicização das sociedades ocidentais.
A Igreja nunca lhes deu uma resposta consistente e agora paga um preço muito elevado em todas as frentes,
- controlo dos nascimentos,
- planeamento familiar,
- papel da mulher,
- cada vez mais casais com vida em comum sem o casamento,
- desvalorização da virgindade,
- marginalização dos homossexuais,
- e, no limite, abusos sexuais e pedofilia.
O tronco é comum: padres e freiras têm sexo e a pressão para não o sentirem é, num certo sentido simplista, antinatura.
Um dos resultados é o risco para a Igreja de ter, em particular nos países anglo-saxónicos, mas não só, cada vez mais homossexuais, num contexto de “armário” de sete chaves, convivendo
- nas múltiplas instituições de carácter educativo,
- no serviço da missa,
- nos coros das igrejas,
- nos escuteiros,
- com milhares de rapazes e raparigas que acabam por abusar.
Até agora a Igreja protegia-os da denúncia pública, agora presume-se que vai deixar de o fazer. Mas isso não resolve o problema, porque a repressão da sexualidade não gera felicidade. O Diabo já sabia disso há muito tempo, porque era por aí que vinham a maioria das suas mais gráficas tentações.
- Não viola a fé cristã, nem os fundamentos do cristianismo,
- nem sequer é particularmente recusado pelo povo cristão, que não vê grandes problemas em os padres se casarem.
É difícil mudar em muitos aspectos a moral sexual da Igreja e as suas consequências institucionais, como os anglicanos perceberam quando decidiram fazer entrar no sacerdócio mulheres.
Mas, sem uma mudança profunda na atitude da Igreja em relação à sexualidade, tudo vai continuar na mesma.
https://www.publico.pt/2019/03/02/mundo/opiniao/padres-sexo-1863876
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