Padre Anselmo Borges – 15/12/2018
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a globalização económica exige uma globalização no domínio ético. Impõe-se um consenso ético mínimo quanto a valores, atitudes e critérios, um ethos mundial para uma sociedade e uma economia mundiais.
É o próprio mercado global que exige um ethos global, também para salvaguardar as diferentes tradições culturais da lógica global e avassaladora de uma espécie de “metafísica do mercado” e de uma sociedade de mercado total.
1. Muitas das graves convulsões sociais em curso têm na sua base a globalização, que arrasta consigo inevitavelmente questões gigantescas e desperta paixões que nem sempre permitem um debate sereno e racional.
Hans Küng, o famoso teólogo dito heterodoxo, mas que Francisco recuperou, deu um contributo para esse debate, que assenta em quatro teses. Segundo ele, a globalização
- é inevitável,
- ambivalente (com ganhadores e perdedores),
- e não calculável (pode levar ao milagre económico ou ao descalabro),
- mas também – e isto é o mais importante – dirigível.
Isto significa que a globalização económica exige uma globalização no domínio ético. Impõe-se um consenso ético mínimo quanto
- a valores,
- atitudes
- e critérios,
um ethos mundial para uma sociedade e uma economia mundiais.
- É o próprio mercado global que exige um ethos global,
- também para salvaguardar as diferentes tradições culturais da lógica global e avassaladora
- de uma espécie de “metafísica do mercado” e de uma sociedade de mercado total.
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- Neste sentido, em Setembro de 1993, teve lugar em Chicago o Parlamento das Religiões, com a presença de uns 6500 participantes e onde 150 pessoas qualificadas, representando as diferentes religiões e movimentos de tipo religioso do mundo inteiro, assinaram o Manifesto ou Declaração de Princípios para Uma Ética Mundial. O texto fora preparado essencialmente por Hans Küng.
Ainda no contexto das celebrações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vale a pena retornar a esses princípios.
Como escreveu Küng,
- não se trata de uma duplicação da Declaração dos Direitos Humanos,
- nem de uma declaração política, nem de uma prédica casuística,
- nem de um tratado filosófico,
- nem de uma idealização religiosa
- ou da busca de uma religião universal unitária.
Trata-se exactamente desse
- consenso de base, mínimo,
- referente a valores vinculantes,
- a critérios e normas inamovíveis
- e a atitudes morais fundamentais.
Supõe-se que estes mínimos éticos, que assentam
- na constatação de uma convergência
- já existente nas tradições religiosas,
podem ser assumidos por todos os seres humanos, independentemente da sua relação com a religião.
Neste consenso mínimo de base, a exigência fundamental é: todo o ser humano deve ser tratado humanamente, de modo humano.
- Porquê?
- Porque todo o ser humano, sem distinção de sexo, idade, raça, classe, cor, língua, religião, ideias políticas, condição social,
- possui dignidade inviolável e inalienável.
Por outro lado, para agir de forma verdadeiramente humana, vale, antes de mais, a regra de ouro:
“Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” (formulada positivamente: faz aos outros o que queres que te façam a ti).
“Esta deveria ser a norma
- incondicionada,
- absoluta,
- para todas as esferas da vida,
- para a família e para as comunidades,
- para raças, nações e religiões.”
Esta regra de ouro concretiza-se em quatro directrizes ou orientações antiquíssimas e inalteráveis:
- comprometimento com uma cultura da não-violência e do respeito pela vida (não matarás: respeita toda a vida);
- comprometimento com uma cultura da solidariedade e com uma ordem económica justa (não roubarás: age com justiça);
- comprometimento com uma cultura da tolerância e uma vida vivida com veracidade (não mentirás: fala e age com verdade);
- comprometimento com uma cultura da igualdade de direitos e com uma irmandade entre homem e mulher (não prostituirás nem te prostituirás, não abusarás da sexualidade: respeitai-vos e amai-vos mutuamente).
Trata-se de uma Declaração assinada
- por “pessoas religiosas”,
- que têm a convicção de que “o mundo empírico dado não é a realidade e a verdade última, suprema”,
que, portanto,
- fundamentam o seu viver na realidade última
- e dela extraem, em atitude de confiança, na oração e na meditação, na palavra e no silêncio,
- a sua força espiritual e a sua esperança.
Na presente crise de valores,
“estamos convencidos de que
- são precisamente as religiões que, apesar de todos os abusos e frequentes fracassos históricos,
- podem assumir a responsabilidade de que as esperanças, objectivos, ideais e critérios de que a humanidade precisa para a convivência na paz
- sejam mantidos, fundamentados e vividos”.
3. Estou profundamente convencido de que é neste espírito que o Papa Francisco viajará em Fevereiro próximo (3-5) para Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes. A finalidade da visita, correspondendo a um convite do príncipe herdeiro, Mohammed bin Zayed, e da Igreja, é precisamente participar num encontro inter-religioso internacional sobre a “Irmandade humana”, na convicção de que o diálogo inter-religioso é essencial para evitar a violência e abrir caminho para a paz.
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia. Escreve de acordo com a antiga ortografia
Fonte: www.dn.pt/edicao-do-dia/15-dez-2018/interior/globalizacao-e-etica-global-10307770.html
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