Visita à comunidade de Grosseto que se inspira nos Atos dos Apóstolos: abolidos o uso dos sobrenomes e as notas na escola. Não são permitidas brigas
DOMENICO AGASSO JR – 10/05/2018
Foto: Nomadelfia, onde “fraternidade é lei” – ANSA
Tradução: Orlando Almeida
Na entrada das casas não há campainhas ou interfones. Nem portões. Não é preciso. As casas estão sempre abertas para todos. E não são “de ninguém”. Estamos nas colinas da Maremma toscana, onde “não existe propriedade privada”.
A primeira pessoa que encontramos é Francesco Matterazzo. Logo deixamos de lado o uso do sobrenome: é um pedido dele, explicando que é “Francesco de Nomadelfia” e basta. Eis os motivos: “Entre nós não usamos o sobrenome, assim damos destaque ao batismo; e também porque há filhos adotivos, não queremos pôr em evidência as suas diferenças de origem”.
Francisco é o presidente de Nomadelfia (neologismo, do grego, que significa “onde a fraternidade é lei”), a comunidade católica – cerca de 300 pessoas hoje – que vivem adotando um estilo inspirado nos Atos dos Apóstolos.
Para a Igreja, Nomadelfia é uma paróquia – instituída pelo papa João XXIII em 1962 –formada por famílias e por leigos não casados, fundada por Padre Zeno Saltini (1900 – 1981); para a República Italiana, é uma associação privada de cidadãos.
Pe. Zeno: Foto: Eman Bonnici
Pe. Zeno criou Nomadelfia na década de 1930, o primeiro reconhecimento oficial data de 1948. Hoje está sediada no território do município de Grosseto. É composta pelos nomadelfos, que são apenas aqueles que, depois dos 21 anos, optam por aderir ao modelo de vida da “Igreja das origens”.
Em Nomadelfia não se usa dinheiro, e quem ganha algo fora da comunidade repassa-o a ela. A comunidade dá a cada um os bens de que ele precisa. Uma das pessoas que se ocupa com a distribuição é Lorenzo. Ele leva-nos à despensa onde se preparam e se conservam as provisões, mostra-nos as reservas de alimentos e de gêneros feitas pelas famílias, que receberão em casa o que precisam.
As famílias acolhem crianças em adoção. Em 1941 apresentou-se ao Padre Zeno a senhora Irene Bertoni: ela será a primeira “mãe da vocação”. Depois dela, vieram outras mulheres prontas a renunciar à sua própria família para acolher como filhos crianças e jovens órfãos.
Alda é uma mãe de vocação histórica: “Eu tive quinze filhos, mas há quem teve sessenta”. Cristina chegou aqui em 1948. Tinha 7 meses: “Foi Luisa que me acolheu. Hoje tenho 70 anos e cuido de Dina, que tem uma deficiência grave. Dina é o sentido da minha vida”.
Francisco em Nomadelfia – Foto: ANSA
O Presidente (eleito), nascido em 1959, chegou aqui “depois de uma experiência no seminário”. E aqui nasceu o seu filho Paolo, que agora tem 30 anos e é o chefe do setor de imprensa.
Ele conta-nos que todos os dias, por volta das 17h30, “há o ‘momento da cultura’ durante o qual ouvimos os discursos de Padre Zeno ou do Papa e fazemos discussões comunitárias.É conduzido por um padre que é o sucessor de Padre Zeno, don Ferdinando Neri”.
Em cada grupo de casas vivem ‘famílias extensas’, quatro ou mais núcleos familiares – cerca de trinta pessoas – que condividem os espaços da quotidianidade.
Têm uma casa central para cozinhar, comer, fazer atividades comuns; dorme-se em casas menores separadas. Entramos numa casa. Clara, de 32 anos, está preparando em assadeiras enormes a ‘pizza’ desta noite. Clara está aqui há dez anos: “Quem me trouxe foi um amigo padre. Decidi ficar e hoje sou feliz”.
Entre os ônibus com o logotipo de Nomadelfia,
- criações de bovinos e de avestruzes,
- escritórios administrativos
- e as frequências da Rádio TV Nomadelfia, chegamos à escola.
É “feita pelas famílias, para garantir uma unidade educativa cristã” – diz Francesco. É uma instituição que eliminou as notas “para evitar a competição entre as crianças e ajudá-las a caminhar juntas”.
Não é reconhecida pelo Estado e, por isso, as crianças devem fazer mais tarde o exame nas escolas públicas. E para os cursos superiores os nomadelfos são ajudados por professores externos, “que vêm como voluntários”.
Francisco em Nomadelfia: “Num mundo hostil, existe a vossa alegria”
No que diz respeito ao trabalho, “não há nenhum empregado ou patrão. Existem responsáveis – escolhidos pela presidência – para cada atividade, mas ninguém recebe um pagamento maior do que os outros”.
Trabalha-se principalmente a terra:
- agricultura biológica,
- com estábulos,
- adega,
- moinho,
- queijaria.
A vida social é governada por dez “órgãos constitucionais”. Não são admitidas brigas e os conflitos são resolvidos “com a correção fraterna” e o perdão após o exame de um “Conselho de Juízes”.
Susanna nasceu aqui em 1992. Ela nunca teve dúvidas em ficar “nem mesmo durante a adolescência, durante a qual tive só alguns momentos de reflexão que mais tarde resultaram na escolha de ficar para sempre”.
Susanna explica como se tornar um nomadelfo:
“Todos, incluindo os filhos de nomadelfos, devem ter um período de experiência de três anos. No final, se aceitos, eles assinam a Constituição sobre o altar, na frente de todo o povo”. E quem se torna um monadelfo “compromete-se para toda a vida” – frisa Susana. Com um grande e orgulhoso sorriso.
Domenico Agasso Jr
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