A história de miséria e de resgate de uma garota de Kampala, que se tornou empresária no País em que 60% dos jovens não têm trabalho
TOMMASO CARBONI – 05/04/2018
Hamidah – Foto: La Stampa
Tradução: Orlando Almeida
Hamidah mudou-se para Kampala no final dos anos noventa.
“Eu tinha dezoito anos e os meus pais tinham acabado de morrer de AIDS”.
A ideia era estudar, mas acabou na casa de uma amiga que a apresentou ao primeiro cliente. Ganha-se bem, disse-lhe a amiga. Hoje, só se lembra do medo, da violência, da humilhação.
Favela de Kampala, Uganda: ruelas de terra vermelha e moradias precárias. Meia-noite. Em uma pequena loja a luz ainda está acesa. Lá dentro, algumas palavras quebram de tanto em tanto a monotonia das máquinas de costura automáticas.
Entre roupas e manequins, destacam-se pendurados na parede dois cartazes eleitorais. Em ambos aparece o rosto determinado de Hamidah Nambajjwe, que há sete anos é a representante do partido do governo na circunscrição mais pobre de Kampala. “Éramos 98 filhos, mas quando papai morreu deixou 76. Agora somos 72”.
Hamidah começa assim a sua história. Trinta e seis anos de idade, alta e robusta, quando fala os seus olhos sorriem. Começa com um pai polígamo excepcionalmente prolífico e um exército de irmãos e irmãs que cresceram numa pequena aldeia às portas de Kampala. Uma jornada tumultuada que da miséria dos becos, onde acabará sendo prostituta, a levará à libertação graças à AMREF*, uma das ONGs mais atuantes do continente africano.
Hoje ela tem uma loja de costura onde trabalham cerca de vinte jovens, também ex-prostitutas. Nesta noite elas estão finalizando uma grande encomenda: cerca de oitocentos uniformes para duas escolas, os quais devem ser entregues o mais rápido possível. Hamidah examina o trabalho feito até agora: falta pouco.
“Dentro de meia hora terminaremos, depois vamos dormir, moramos todas aqui perto”.
Vê-se que as garotas lhe são muito gratas. Katiginya, a última que chegou, é pequena e fala baixinho. Tem vinte e seis anos, um pouco mais velha que as outras, mas com uma história parecida. Veio parar em Kampala sem dinheiro e a rua pareceu-lhe a única maneira de sobreviver.
“Mas ela não ficou grávida”, diz-nos Hamidah. “Eu, na idade dela, já tinha dois filhos, um menino e uma menina, de homens que nunca mais vi”.
Periferia de Kampala
A vida aos 18 anos sem os pais
Hamidah mudou-se para Kampala no final dos anos noventa.
“Eu tinha dezoito anos e os meus pais tinham acabado de morrer de AIDS”. A ideia era estudar, mas acabou na casa de uma amiga que a apresentou ao primeiro cliente. Ganha-se bem, disse-lhe a amiga. Hoje, só se lembra do medo, da violência, da humilhação. Acontecia de entrar nas casas e em vez de um homem encontrar quatro. “Bateram-me, algumas vezes; os policiais eram os mais perigosos: em vez de prender, violentavam”.
No entanto, ela não conseguia parar. Quando ficou grávida, deixava os filhos com a babá. Uma noite a sua irmã, passando de táxi, reconheceu-a na beira da estrada. “Ela tentou fazer-me parar, mas eu não a escutava”.
Continuou assim por um ano e meio, como se estivesse hipnotizada; até que ficou em sério risco de morrer, estrangulada por um cliente. Aquela dose de puro terror foi no fundo a sua salvação. Convenceram-na a fazer o teste de HIV e deu negativo. Depois aceitou fazer parte de um projeto organizado pela AMREF; um curso de aprendizagem para costureiras, do qual participavam outras ‘sex-worker’ (trabalhadoras do sexo – ndr) como ela; durava um ano e era pago
“Eu era boa nisso, depois de algum tempo comecei a trabalhar por conta própria; primeiro peguei para trabalhar comigo cinco garotas, depois dez, depois quinze”. Eu me salvei, disse a si mesma; agora tenho que retribuir.
A explosão demográfica: 5,7 crianças por mulher
Ela sabia que tinha experimentado na própria pele alguns dos problemas mais dramáticos de seu País. Claro, a prostituição era um flagelo, mas como se foi parar nessa situação? Era necessário cortar o mal pela raiz, bloqueando a cadeia de eventos que tinham empurrado ela e todas as outras garotas para aquele beco sem saída.
Ela percebeu que, para muitas, o ponto de partida era este:
- famílias grandes demais,
- com poucos recursos para investir na educação dos filhos.
Aquelas garotas, na maioria das vezes, antes de se tornarem prostitutas, eram alunas que haviam abandonado a escola.
Esse destino dependia em boa parte do fato de que a Uganda, como o resto da África sub-saariana, estava – e ainda está – no auge de um crescimento demográfico muito forte.
Na Uganda
- vivem 41 milhões de pessoas
- e as mulheres dão à luz uma média de 5,7 crianças cada uma;
- além disso, 45% da população tem menos de 15 anos de idade e “muito em breve atingirá a idade reprodutiva, com o risco de provocar um aumento incontrolável da população”,
explica, visivelmente preocupado, Abenet Berhanu, diretor da AMREF na Uganda.
“Nestas condições, é muito difícil garantir serviços aos cidadãos, incluindo educação e saúde, e ao mesmo tempo investir recursos suficientes em setores produtivos da economia, os que geram empregos; e hoje, mais de 60% dos jovens ugandenses não têm trabalho”.
É um problema imenso que afeta muitos outros países africanos, continua Roberta Rughetti, coordenadora dos programas da AMREF Itália na África:
“Mulheres com muitos filhos têm menos tempo para trabalhar e contribuir para a economia. O governo e as agências de desenvolvimento fazem o possível mas, para melhorar o acesso à saúde reprodutiva e ao planejamento familiar, são necessários muito mais investimentos”.
Um bar de Kampala
O país mais pobre
Ao refletir também sobre estas mesmas questões, no final dos anos dois mil, Hamidah convenceu-se de duas coisas:
- “Primeiro, que eu já me tinha tornado um ponto de referência para a minha comunidade;
- segundo, que o planejamento familiar começava na escola”.
Daí a envolver-se na política, demorou pouco: em 2011, ela candidatou-se, vencendo com 98% dos votos, na circunscrição de Kawempe, o bairro mais pobre e maior de Kampala, para representar o partido no governo.
“Foi-me confiada exatamente a presidência da comissão responsável pelo sistema educativo“.
Foi confirmada, com uma avalanche de votos, em 2016. Hoje, explica ela, “a minha prioridade é aumentar as matrículas no ensino médio e superior. Sou otimista, apesar de, para ser honesta, as estatísticas não serem muito animadoras”.
Segundo os dados da Unicef, apenas 16% dos rapazes e 18% das moças ugandenses frequentam o chamado ciclo de educação secundária.
Ela, de qualquer modo, fez a sua parte: os dois filhos maiores, que teve com clientes que desapareceram no nada, estudaram com bom aproveitamento.
“Maria, a minha filha de 17 anos, vai terminar o ensino médio este ano e quer inscrever- se na faculdade de direito; Musanje, o mais velho, entrou recentemente na universidade. Tenho orgulho dele: vai ser agrônomo”. Há também uma criança pequena, de cinco anos de idade, que Hamidah teve com o marido, com quem se casou há oito anos. Em oito anos apenas um filho? “Sim, eu disse a ele que a família já era bastante grande e ele concordou”.
TOMMASO CARBONI
* AMREF (African Medical and Research Foundation) é uma ONG fundada e baseada na Africa com 50 anos de experiência no desenvolvimento da saúde, sendo atualmente uma das organizações que lideram a pesquisa no continente. Ela mantém projetos no Quênia, na Etiópia, na Uganda, na Tanzânia, no Sudão do Sul e na República Sul-Africana.
LEGGI ANCHE: Aiutarli a casa loro? Giusto, ma in Africa meno povertà farà crescere le migrazioni
LEGGI ANCHE: Viaggio in Uganda, dove chi fugge dalle guerre è accolto con terra e cibo
Leave a Reply