“Teólogos eminentes, como Karl Rahner, Yves Congar, o cardeal Martini, o cardeal José Policarpo, o cardeal Karl Lehmann, mostraram que não há nenhuma razão teológica que se oponha à ordenação sacerdotal de mulheres.
Dá, pois, que pensar o modo como as mulheres são tratadas ao longo da história e, nessa história, também as religiões são acusadas, pois, com excepção do taoísmo, tendem para a misoginia.
Ficam aí alguns textos universais significativos.
- “A mulher deve adorar o homem como a um deus” (Zaratustra).
Um texto antigo budista diz que “a filha deve obedecer ao pai; a esposa, ao marido; por morte deste, a mãe deve obedecer ao filho”.
- “A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem falhado” (Aristóteles).
- “Toda a malícia é leve, comparada com a malícia da mulher” (Bíblia, Ben Sira).
- “Dou-te graças, Senhor, por não ter nascido mulher” (oração dos judeus ortodoxos).
- “As mulheres estão essencialmente feitas para satisfazer a luxúria dos homens. Não permito à mulher ensinar nem ter autoridade frente ao homem, mas estar em silêncio” (São João Crisóstomo).
- “A ordem justa só se dá quando o homem manda e a mulher obedece” (Santo Agostinho).
- “Nada mais impuro do que uma mulher com a menstruação. Tudo o que toca fica impuro” (São Jerónimo).
- “No que se refere à natureza do indivíduo, a mulher é defeituosa e mal nascida, porque o poder activo da semente masculina tende a produzir um ser perfeito parecido, do sexo masculino, enquanto que a produção de uma mulher provém de uma falta do poder activo “ (Santo Tomás de Aquino).
- “Os homens têm autoridade sobre as mulheres em virtude da preferência que Deus deu a uns sobre outros” (Alcorão, que permite desposar duas, três ou quatro mulheres e também bater nas que se rebelem).
2- Razões para esta situação?
As primeiras figurações da divindade foram femininas, mas, depois, com a sedentarização, seguiu-se, também no domínio religioso, o modelo predominantemente patriarcal, com as mulheres no lar e sob a tutela dos homens.
Haverá inconscientemente por parte dos homens inveja do prazer feminino, e da vida quem percebe são as mulheres. Embora elas sejam mais resistentes, os homens têm mais força física.
As mulheres estavam sujeitas à impureza ritual e eram consideradas passivas também na geração, pois o óvulo feminino só foi descoberto em 1827; dada esta passividade, a mulher não poderia ser imagem de Deus e, embora Deus esteja para lá da determinação sexual, nunca se poderia recitar o Credo, dizendo: “Creio em Deus, Mãe todo-poderosa, criadora dos céus e da terra.”
Ela não poderia pregar. Foi um escândalo quando o Papa João Paulo I disse que Deus também é Mãe. Mas o Papa Francisco disse recentemente que “Deus é Pai e é Mãe”. E há outra razão: quem escreveu os textos eram homens, a educação era para os rapazes…
3- E Jesus?
Escandalosamente, tinha discípulos e discípulas. Segundo o Evangelho de São Lucas, “acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres”, ensinava tanto homens como mulheres, ficando em casa, por exemplo, de Marta e Maria.
Algumas mulheres do Novo Testamento – Revista Adventista
Deixou-se tocar e acarinhar publicamente por uma prostituta, louvando o seu gesto de o perfumar e perdoou-lhe os pecados. Seguiram-no até à morte, como se lê no Evangelho segundo São Mateus:
“Junto à cruz havia muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, entre elas Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.”
Contra a Lei, defendeu
- defendeu a adúltera
- e curou a filha de uma estrangeira, a cananeia,
- bem como a mulher com um fluxo de sangue, que o tocou.
Contra os preceitos da época, que impediam normalmente as mulheres de se dirigir aos homens em público, foi à samaritana – tinha tudo contra ela: outro povo, herética, ia no sexto marido… – que Jesus se revelou como o Messias.
As primeiras testemunhas da ressurreição, da fé em que Jesus, na morte, não caiu no nada, mas está vivo em Deus para sempre, foram mulheres, a começar por Maria Madalena, chamada por Rábano Mauro e Tomás de Aquino a “Apóstola dos Apóstolos”.
4- São Paulo era misógino?
Há textos temíveis:
- “As mulheres estejam caladas nas assembleias, porque não lhes é permitido tomar a palavra e, como diz também a Lei, devem ser submissas” (Primeira Carta aos Coríntios).
- “A mulher receba a instrução em silêncio, com toda a submissão. Não permito à mulher que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem, mas que se mantenha em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, deixando-se seduzir, incorreu na transgressão” (Primeira Carta a Timóteo).
Hoje, os exegetas sabem que estes textos
- não pertencem a São Paulo,
- são posteriores e interpolações indevidas.
Como poderiam ser de São Paulo, que está na base da tomada de consciência da igual dignidade de todos, ao proclamar, na Carta ao Gálatas:
“Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus”? E não chamou “apóstola” a Júnia?
5- Teólogos eminentes, como Karl Rahner, Yves Congar, o cardeal Martini, o cardeal José Policarpo, o cardeal Karl Lehmann, mostraram que não há nenhuma razão teológica que se oponha à ordenação sacerdotal de mulheres. Para lá de tudo: Deus não se pode opor aos direitos humanos.
6- Entretanto, revolução maior na história a caminho – as francesas votaram pela primeira vez em 1945 e as suíças só em 1971 – é a emancipação feminina e o acesso das mulheres ao poder, com consequências à vista:
- transformação das relações sociais,
- na família,
- na educação,
- no domínio sexual,
- no trabalho…
Elemento decisivo: a educação. Depois, como escreve J.-L. Servan–Schreiber, “o politicamente correcto tende a minimizar as diferenças entre os sexos; mas a biologia resiste.” Portanto, igualdade na diferença. Mas igualdade, sem discriminação.
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Anselmo Borges
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