Leonídio Paulo Ferreira -02/09/17
Donald Trump, Kim Jong e Vladimir Putin
Photo illustration by Sofya Levina. Images by Spencer Platt/Getty Images, KCNA/Getty Images, Alexandros Avramis/Getty Images
Depois de ter visitado neste verão um dos túneis de invasão norte-coreanos descobertos pela Coreia do Sul não tenho dúvidas de que o regime de Pyongyang, se pudesse, forçaria a reunificação da península. Foi, aliás, o que tentou em 1950 Kim Il-sung com a aprovação da União Soviética e a promessa de ajuda da China.
Como os Estados Unidos intervieram (ao contrário do que um discurso do secretário de Estado Dean Acheson dera a entender), o conflito terminou empatado ao fim de três anos e um milhão de mortes, com a fronteira quase a manter-se no Paralelo 38, como quando no final da Segunda Guerra Mundial os japoneses se renderam a norte dele aos soviéticos e a sul aos americanos. A criação das duas Coreias fora já a constatação de que os aliados de 1945 se tinham transformado em inimigos, numa guerra nem sempre fria.
Mas como conciliar o objetivo dos tais túneis de invasão (quatro foram já descobertos, cada um com capacidade para ser atravessado por 30 mil soldados por hora) e a atual ameaça ao território americano? Pretenderá o jovem Kim a reunificação que o avô falhou, ou ambiciona antes punir os Estados Unidos por, sob a bandeira da ONU, terem vindo em 1950-1953 impedir a vitória norte-coreana?
Brincando de guerra? Imagem: Daily Espress
Arrisco dizer que o homem de 34 anos que manda em Pyongyang tem outra prioridade: evitar uma reunificação sob a égide do Sul na sequência de uma intervenção militar americana. Panmunjom, onde se pode olhar nos olhos dos soldados norte-coreanos mesmo sem entrar no país, continuará uma fronteira.
O mundo onde se move o jovem Kim não tem nada que ver com o do avô. E o próprio regime, nascido como república democrática popular, já não é comunista, mas sim ultranacionalista, ainda por cima transformado de facto em república dinástica. Kim Il-sung, que combatera os ocupantes japoneses, contava com o apoio da superpotência União Soviética e de uma China cheia de fervor revolucionário. E mesmo assim sobreavaliou Acheson ter omitido a península da descrição do perímetro defensivo americano.
Ora, a Rússia não possui os mesmos meios da União Soviética e dificilmente vê a Coreia do Norte como um aliado, exceto no que diz respeito a impedir que esta desapareça e permita assim que tropas americanas se posicionem a umas dezenas de quilómetros de Vladivostoque, o porto russo no Extremo Oriente.
E a China, que dispensaria bem a constante agitação gerada pelo vizinho, já só vê também a Coreia do Norte como um aliado na medida em que, tal como Moscovo, não quer uma reunificação que crie (a médio prazo) uma poderosa República da Coreia com capital em Seul e tropas americanas junto à fronteira chinesa, no rio Yalu.
Acrescente-se que qualquer desestabilização da Coreia do Norte (25 milhões de habitantes) traria uma vaga de refugiados para a China. Por outro lado, nem Moscovo nem Pequim querem que Pyongyang dê pretextos para Seul e Tóquio terem armas nucleares.
Kim Jong-un, e o círculo que o aconselha, aposta sobretudo na sobrevivência da dinastia (teve agora um terceiro filho), sem força para derrotar a Coreia do Sul mas com capacidade para deixar aos Estados Unidos a ideia de que um ataque a Pyongyang não traria retaliação apenas a Seul e a Tóquio.
Pode parecer uma loucura o que tem feito o jovem líder, mas tem uma lógica por trás, a da autossuficiência (a ideia Juche do avô) pelo menos a nível militar, com a dissuasão nuclear. O risco, para Kim e para o mundo, é que essa lógica seja mal-interpretada em Washington e se torne um desastre.
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