O teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga esteve em Portugal para três debates. Jesus, de quem diz que foi um homem de sínteses e não de teorias, foi um dos temas da entrevista. Tal como Fátima.
Eis a Entrevista
Em 2012 disse-se que o catolicismo espanhol tinha um novo herege: Torres Queiruga. Foi assim que sentiu?
O que discorda nessa notificação?
Vivia-se o pontificado de Bento XVI…
- não deixaram continuar a primavera do Concílio Vaticano II
- e interromperam a explosão de entusiasmo que unia a Igreja à revolução mundial que o Maio de 68 provocou.
- Em vez de continuar a expansão do Concílio, esse foi um tempo de controlar a inteligência e a liberdade.
Acha que faz falta um novo Concílio?
- de entusiasmo,
- esperança
- e criatividade.
João Paulo II e Bento XVI dedicaram-se a parar as decisões do Concílio, daí que Francisco diga que é apenas necessário atualizar o Concílio, e eu concordo.
Este Papa é ou não um reformador?
Depende, estamos no quinto centenário de Lutero, que provocou uma reforma enorme, com forte carga polémica, em parte, e que não foi bem acolhida. O admirável é que agora vemos um fenómeno semelhante, mas paradoxal: é o mesmo Papa quem, com um humilde e corajoso espírito evangélico, quer fazer reformas, porque se defronta com uma Igreja extremamente paralisada.
Ele quer regressar às origens e ao Evangelho tal como o desejava João XXIII – de quem o Papa Francisco é muito devoto – e assim, desde as raízes, sintonizar a Igreja com os problemas do mundo. Daí a atenção aos refugiados e aos pobres em geral. A Igreja só tem sentido se for como um hospital de campanha e estiver ao serviço da humanidade. De outro modo, não serve para nada.
Disse que o Evangelho era outra coisa!
Claro, basta entrar em contacto com a figura fascinante de Jesus – mesmo quem não tenha fé -, que viveu num tempo de crise enorme e preocupado com o sofrimentos dos pobres, marginalizados e doentes. Consagrou toda a Sua vida a isso. É fascinante, porque Jesus não nasce ensinado, antes era profundamente humano. Ele recebeu uma riquíssima tradição profética e oracional, e mostra a sua grandeza através da sua experiência enquanto Filho, purificando-a ao máximo e elevando-a a um estatuto insuperável.
Deus é Abbá, pai-mãe, longe do domínio, a imposição e o ritualismo. Jesus não tem grandes teorias, tanto assim que um teólogo como Rahner disse que possivelmente, entendidas de forma isolada e uma a uma, todas as suas ideias resultam de algum testemunho na tradição.
Mas ele criou um conjunto vivo, com grande coerência vital, de tal modo que em toda a história da humanidade não houve quem fizesse uma síntese tão profunda e coerente, e literalmente definitiva:
- Deus como puro amor,
- sem excluir ninguém nem sequer os maus,
- e com o perdão incondicional (recorde-se a parábola do filho pródigo).
O que Jesus formulou com tanta clareza e assinou com a sua vida é a revelação insuperável de Deus dentro da história.
É mais um homem de sínteses?
Todas as grandes sínteses implicam muita criatividade. Na relação de Deus connosco e da nossa com Deus no plano religioso – ele não era matemático nem filósofo! – e foi capaz de abrir para a vida humana tudo o que é fundamental e que Deus nos quer revelar. E por isso, acolhendo uma categoria de Karl Jaspers, Jesus foi também o homem que “deu a máxima medida do humano”. Compreendendo-se deste modo que os que o acolheram estiveram dispostos a segui-lo e a dar tudo por ele.
Nunca se falou tanto de ateísmo como agora. Porquê?
- em manter a autonomia
- e reconhecê-la como fundada em Deus.
O mundo não funciona por intervenções sobrenaturais, de anjos ou diabos. Está entregue à nossa responsabilidade histórica, sustentados e apoiados por Deus enquanto colaboradores necessários, mas livres… para o nosso bem.
É por amor que Ele nos está a criar e a nossa proximidade está sustentada na sua, que é infinita. Santo Agostinho dizia que Deus é mais interior a nós que a nossa máxima intimidade, uma proximidade salvadora que nos transcende desde dentro, abrindo um futuro e uma esperança que seria impossível de outra forma.
Continua a haver lugar para Deus?
staríamos perdidos sem Ele, sem a sua chamada insistente, sem a sua “luta amorosa” contra as nossas incapacidades e resistências. A mim enche-me a vida a ilusão e o esforço para compreender isso e tentar partilhá-lo em diálogo fraterno e acolhedor.
Com a evolução tecnológica, as religiões ainda terão algum papel daqui a um século?
Estou confiante que sim, mesmo que não saiba qual. Deus não nos pode falhar: nós podemos ser ateus de Deus mas Deus não é ateu de nós. Como diz o livro do Apocalipse: Ele está sempre a chamar-nos e à nossa porta.
O que pensa de Fátima?
Acho que aquelas crianças foram sinceras e pensavam que viam a Virgem. Como eram religiosas, inocentes e sensíveis, chegaram a essa convicção. Não mentiam, acreditavam que viam; mas a Virgem não se pode ver. Como também não se pode ver Deus. Ninguém pode dizer que viu o menino Jesus porque ele existiu mas já não existe, apenas Cristo.
A Virgem nunca foi uma senhora vestida de branco: foi uma camponesa e uma mulher humilde que seguramente andava descalça. A grandeza estava no seu coração limpo, na sua fé humilde e amorosa, no seguimento do seu Filho, mesmo sem sempre o poder compreender. Não esqueçamos que todo o transcendental está acima do espaço e do tempo.
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