OUTRASPALAVRAS – GEOPOLÍTICA & GUERRA

Por Medea Benjamin e Nicolas J. S. Davies no Other News|Tradução: Maurício Ayer – Publicado 17/01/2023
O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, conhecido por seu firme apoio à Ucrânia, revelou recentemente seu maior medo para este inverno a um entrevistador de TV em sua terra natal, a Noruega:
- que os combates na Ucrânia possam sair do controle e se tornar uma guerra de grandes proporções entre a OTAN e a Rússia.
- “Se as coisas derem errado”, ele advertiu solenemente, “podem dar terrivelmente errado”.
Esta declaração foi um raro reconhecimento público de alguém tão envolvido na guerra, e reflete a dicotomia cada vez mais presente nas declarações recentes
- de líderes políticos dos EUA e da OTAN, de um lado,
- e de oficiais militares, do outro.
Os líderes civis ainda parecem comprometidos
- em travar na Ucrânia uma guerra longa e sem fim definido,
- enquanto líderes militares, como o chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Mark Milley,
- se manifestaram e instaram a Ucrânia a “aproveitar o momento” para as conversas de paz.
O almirante aposentado Michael Mullen, ex-chefe do Estado-Maior Conjunto, falou primeiro, talvez testando as águas para Milley, dizendo à ABC News que os Estados Unidos deveriam
“fazer tudo o que puderem para tentar chegar à mesa de negociações e resolver isso.”
O Asia Times informou que
- outros líderes militares da OTAN compartilham a opinião de Milley
- de que nem a Rússia nem a Ucrânia podem alcançar uma vitória militar definitiva,
- enquanto as avaliações militares francesas e alemãs concluem que a melhor posição de negociação que a Ucrânia conquistou com os seus recentes êxitos militares
- terá vida curta se o conselho de Milley não for ouvido.
Mas
- por que os líderes militares dos EUA e da OTAN estão se pronunciando com tamanha urgência por rejeitar a perpetuação de seu próprio papel central na guerra na Ucrânia?
- E por que eles veem um perigo tão grande e iminente
- caso seus chefes políticos perderem a oportunidade ou ignorarem suas sinalizações para uma reconversão à diplomacia?
O estudo examina as opções dos EUA para responder a quatro cenários em que a Rússia ataca uma série de alvos da OTAN,
- desde um satélite de inteligência dos EUA
- ou um depósito de armas da OTAN na Polônia
- até ataques de mísseis em larga escala a bases aéreas e portos da OTAN,
- incluindo a Base Aérea de Ramstein nos EUA e o porto de Rotterdam.
Esses quatro cenários são todos hipotéticos e baseados em uma escalada russa além das fronteiras da Ucrânia.
Mas a análise dos autores revela
- quão tênue e precária é a linha entre respostas militares limitadas e proporcionais à escalada russa
- e uma espiral de escalada que pode sair do controle e levar a uma guerra nuclear.
A frase final da conclusão do estudo diz:
- “O potencial de uso de armas nucleares acrescenta peso ao objetivo dos EUA de evitar uma nova escalada,
- um objetivo que poderá parecer cada vez mais crítico após um limitado ataque convencional russo”.
No entanto,
- outras partes do estudo argumentam contra a desescalada ou respostas desproporcionais às escaladas russas,
- com base nas mesmas preocupações com a “credibilidade” dos EUA
- que levaram a devastadoras – e em última instância inúteis – rodadas de escalada no Vietnã, Iraque, Afeganistão e em outras guerras perdidas.
Os líderes políticos dos EUA sempre temem que,
- se não derem respostas fortes o suficiente às ações inimigas,
- seus inimigos (agora incluindo a China) concluirão que seus movimentos militares podem impactar decisivamente a política dos EUA e forçar o país e seus aliados a recuar.
Mas as escaladas motivadas por tais medos levaram consistentemente apenas a derrotas estadunidenses ainda mais decisivas e humilhantes.
Na Ucrânia, as preocupações dos EUA a respeito de sua “credibilidade”
- são agravadas pela necessidade de demonstrar a seus aliados que o Artigo 5 da OTAN – que diz que um ataque a um membro da OTAN será considerado um ataque a todos –
- significa efetivamente um compromisso intransigente de defendê-los.
Portanto, a política dos EUA na Ucrânia está emparedada
- entre a necessidade de manter sua reputação intimidando seus inimigos e apoiando seus aliados, por um lado,
- e os impensáveis perigos reais de uma escalada, por outro.
Se os líderes dos EUA continuarem a agir como no passado,
- favorecendo a escalada em detrimento da perda de “credibilidade”,
- estarão flertando com a guerra nuclear,
- e o perigo só aumentará a cada volta na espiral da escalada.
À medida que começa a cair a ficha
- de que não há uma “solução militar” para os guerreiros de poltrona em Washington e nas capitais da OTAN,
- discretamente eles introduzem posições mais conciliatórias em suas declarações públicas.
Notavelmente,
- estão substituindo sua insistência anterior de que se deva restaurar à Ucrânia suas fronteiras anteriores a 2014,
- o que significa um retorno de todos os territórios do Donbas e da Crimeia,
- por um apelo para que a Rússia se retire apenas a posições anteriores a 24 de fevereiro de 2022,
algo com o que a Rússia já havia concordado em negociações na Turquia em março.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse a The Wall Street Journal em 5 de dezembro que o objetivo da guerra agora é
“recuperar o território que foi tomado da [Ucrânia] desde 24 de fevereiro”.
O WSJ relatou que
“Dois diplomatas europeus… disseram que [o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake] Sullivan
- recomendou à equipe de Zelensky que começasse a pensar demandas e prioridades realistas para as negociações,
- inclusive reconsiderando seu objetivo declarado de recuperar a Crimeia, que foi anexada [pela Rússia] em 2014”.
Em outro artigo, The Wall Street Journal citou autoridades alemãs dizendo:
“eles acreditam que é irreal esperar que as tropas russas sejam totalmente expulsas de todos os territórios ocupados”,
enquanto as autoridades britânicas definiram como base mínima para negociações que a Rússia
“se retire para as posições que ocupava em 23 de fevereiro”.
Uma das primeiras ações de Rishi Sunak como primeiro-ministro do Reino Unido no final de outubro
- foi fazer com que o ministro da Defesa, Ben Wallace, ligasse para o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, pela primeira vez desde a invasão russa em fevereiro.
- Wallace disse a Shoigu que o Reino Unido queria desescalar o conflito,
- uma mudança significativa em relação às políticas dos ex-primeiros-ministros Boris Johnson e Liz Truss.
Um grande obstáculo que impede os diplomatas ocidentais de negociar a paz
- é a retórica maximalista e as posições de negociação do presidente Zelensky e do governo ucraniano,
- que insistem desde abril que não se contentarão com nada menos que a soberania total sobre cada centímetro do território que a Ucrânia possuía antes de 2014.
Mas essa posição maximalista
- foi em si uma reversão notável da posição que a Ucrânia assumiu nas negociações de cessar-fogo na Turquia em março,
- quando concordou em desistir de sua ambição de ingressar na OTAN e não sediar bases militares estrangeiras
- em troca de uma retirada russa de seu território às posições pré-invasão.
Nessas negociações, a Ucrânia concordou em negociar o futuro de Donbas e adiar uma decisão final sobre o futuro da Crimeia por até 15 anos.
O Financial Times
- vazou a história desse plano de paz de 15 pontos em 16 de março,
- e Zelensky explicou o “acordo de neutralidade” a seu povo em uma transmissão nacional de TV em 27 de março,
- prometendo submetê-lo a um referendo nacional antes que pudesse entrar em vigor.
Mas então o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, interveio em 9 de abril para anular esse acordo.
Ele disse a Zelensky
- que o Reino Unido e o “coletivo do Ocidente” estavam “metidos nisso a longo prazo”
- e apoiariam a Ucrânia para travar uma guerra de longa duração,
- mas não assinariam nenhum acordo feito pela Ucrânia com a Rússia.
Isso ajuda a explicar
- por que Zelensky agora está tão ofendido com as sugestões ocidentais de que deveria retornar à mesa de negociações.
- Desde então, Johnson entrou em desgraça e renunciou, mas deixou Zelensky e o povo da Ucrânia esperando por suas promessas.
Em abril, Johnson afirmou estar falando pelo “coletivo do Ocidente”,
- mas apenas os Estados Unidos assumiram publicamente uma posição semelhante,
- enquanto França, Alemanha e Itália pediram novas negociações de cessar-fogo em maio.
Agora, até Johnson deu meia-volta, e escreveu em um artigo de opinião para The Wall Street Journal em 9 de dezembro que
“as forças russas devem ser empurradas de volta para o limite de fato de 24 de fevereiro”.
- Johnson e Biden transformaram em confusão a política ocidental para a Ucrânia, fixando-se politicamente em uma política de guerra incondicional e sem fim
- que os conselheiros militares da OTAN rejeitam pelas razões mais sólidas:
- para evitar a Terceira Guerra Mundial que significaria o fim do mundo e que o próprio Biden prometeu evitar.
Os líderes dos EUA e da OTAN estão finalmente dando passos de bebê em direção às negociações, mas a questão crítica que o mundo enfrenta em 2023 é se as partes em conflito chegarão à mesa de negociações antes que a espiral de escalada fique catastroficamente fora de controle.
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