Há anos tentando chamar a atenção para a crise humanitária causada pelo garimpo na Terra Indígena (TI) Yanomami, as lideranças tinham dificuldade em precisar o número de mortes devido à atividade ilegal.
Os dados divulgados neste sábado (21/01) chocaram o país:
- pelo menos 570 crianças morreram de desnutrição nos últimos quatro anos,
- segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, com base num levantamento do Ministério da Saúde.
“Os yanomami foram muito afetados pela desassistência, falta de medicamentos e invasões. A situação é caótica”
, disse à DW Brasil Junior Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY) que percorre comunidades do vasto território com equipes dos ministérios.
A crise humanitária não era desconhecida do governo federal.
- Durante a gestão de Jair Bolsonaro, lideranças indígenas como Dario Kopenawa Yanomami, da Hutukara Associação Yanomami,
- foram até Brasília expor a situação e pedir a expulsão dos garimpeiros.
“Eles falavam há tempos sobre o cenário, mas não tinham os dados exatos. O acesso a essas informações estava difícil durante o governo Bolsonaro”,
afirma Priscilla Oliveira, pesquisadora e ativista da Survival International.

Além da dificuldade de visitar as áreas mais remotas da TI, equipes independentes que se arriscavam, lidavam ainda com as ameaças dos invasores.
- “Era difícil calcular esse número com um governo que não tinha a menor intenção em fazer esse acompanhamento e publicar esses dados.
- Foi um apagão dos números”,adiciona Oliveira.
Para Joenia Wapichana, que assumiu a liderança da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a situação do povo yanomami, decretada como crise humanitária, ameaça a atual geração:
“Requer ação urgente para evitar mais mortes, principalmente das crianças.”
Em visita a Roraima antes de um compromisso internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a retirar os garimpeiros da TI Yanomami e criticou seu antecessor, Bolsonaro.
“Se ele, ao invés de fazer tanta motociata, tivesse vergonha e viesse aqui uma vez, quem sabe esse povo não estivesse tão abandonado como está”,
declarou em entrevista coletiva na capital Boa Vista.
Sonia Guajajara, primeira a assumir o recém criado ministério, também falou sobre a herança recebida do ex-presidente.
- “Precisamos também responsabilizar a gestão anterior por ter permitido que essa situação se agravasse
- ao ponto de chegar aqui e encontrar adultos com peso de criança e criança numa situação de pele e osso.”
Doenças e violência trazidas pelos invasores
Para Priscilla Oliveira, a atual crise vai além da falta de Unidades Básicas de Saúde nas comunidades, de medicamentos e equipes médicas:
“É uma consequência da presença massiva dos garimpeiros ilegais.”
A Hutukara estima que
- atualmente mais de 20 mil invasores estejam no território revirando o fundo dos rios e florestas em busca de ouro.
- Esse levantamento feito pelos indígenas era tratado como “exagerado”pelo governo Bolsonaro, como afirmou o então vice-presidente, Hamilton Mourão, durante uma conversa com jornalistas estrangeiros da qual a DW participou.
“A atuação dos garimpeiros não causa só impacto ambiental, de desmatamento, de revirar solo.
- Há problemas de contaminação de rio com mercúrio, dos peixes, da água usada de diversas formas pelos indígenas.
- A presença dos garimpeiros espalha malárias, covid e outras doenças”,
explica a ativista da Survival International.
Só em 2022 foram registrados 11.530 casos de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, distribuídos entre 37 polos.
O destaque foi para os casos na faixa etária de maiores de 50 anos, seguida pela dos 18 a 49 anos, e a dos cinco aos 11 anos de idade.
Numa carta enviada ao presidente Lula em dezembro de 2022, mulheres yanomami narraram os conflitos e a violência que vivenciam dentro do território demarcado para uso exclusivo do povo indígena.
- “Os rastros de garimpeiros fazem crescer a malária. Antes, quando não tinha tantos garimpeiros, as doenças eram poucas.
- Em algumas regiões do território Yanomami, nossas crianças estão morrendo por malária, desnutrição, pneumonia e até por infestação de vermes.”
Segundo as mulheres, quando buscam ajuda médica nos postos de saúde, recebem como resposta lamentos sobre a falta de remédios, que nunca chegavam, mesmo com a insistência junto às autoridades.
- “Essa malária é muito forte e não tem medicamentos para tratá-la. O governo de Bolsonaro acabou com o estoque de cloroquina do Brasil e agora nós sofremos pela sua má gestão.
- Não queremos ficar chorando porque as pessoas morrem, não queremos ficar chorando até a madrugada. Já temos muitas cinzas mortuárias”, relata o documento.
Violência generalizada
Atos violentos se espalharam no território.
- Em dezembro, invasores queimaram um posto de saúde na região do Homoxi, o que colocou em risco a vida de 700 indígenas.
- O crime ocorreu após uma operação da Polícia Federal na região.
- A equipe médica que atuava no posto havia abandonado o local dias antes, após boatos de que os garimpeiros atacariam a unidade.
Agressões de cunho sexual também trazem uma preocupação ainda maior:
- “Garimpeiros assediam as meninas e outros querem pagar serviços maritais. Eles querem fazer assim, mas nós mulheres não queremos que nossas filhas e netas sejam entregues e abusadas por essas pessoas.
- Os garimpeiros aliciam os jovens e suas esposas. Esses jovens são atraídos e ficam dependentes dos poucos alimentos industrializados que recebem como pagamento.”
Depois da visita de Lula e de uma comitiva de ministros à TI, a Polícia Federal passará a investigar as acusações de genocídio e crimes ambientais, a pedido do Ministério da Justiça.
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Nádia Pontes
Fonte: https://p.dw.com/p/4MY7u
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