OUTRASPALAVRAS – DESIGUALDADES
Por Pedro Alcântara – 25/11/2022 – Imagem: DAQUI
Após seis anos de teto de gastos, economia está arrasada e metade da população vive sob ameaça da fome. Sequer a dívida pública baixou. Sem entregar nada, “mercado” quer impedir Lula de enfrentar a fome e reconstruir o país.
As recentes críticas de Lula à política fiscal em voga no Brasil deixaram setores do mercado financeiro e seus apologistas da mídia em polvorosa.
- O presidente eleito tem apontado corretamente o papel deletério do atual modelo econômico,
- fundado em regras fiscais retrógradas, no agravamento da delicadíssima situação social do país.
O simples fato da questão vir ao debate público incomodou claramente os defensores da austeridade,
- pois tirou o véu de um plano reacionário e concentrador de renda,
- vendido como a salvação do país, aprovado por um governo advindo de um golpe, há 6 anos,
- e em geral mantido por um governo fascistoide, sem qualquer debate com a sociedade.
O chamado “Novo Regime Fiscal” iniciado por Temer (conjunto de reformas que diminuem o papel do Estado e cujo principal instrumento é o “Teto de gastos”– EC 95 de 2016) congelou investimentos públicos e gastos sociais por 20 anos.
- Durante esse período, os governos ficam obrigados a atuar sob um limite orçamentário rígido para tudo aquilo relacionado à cidadania,
- como saúde e educação, seja lá qual for a conjuntura social ou econômica do Brasil.
Para implementá-lo, seus apoiadores sustentavam que
- estávamos à beira do abismo fiscal,
- resultado de uma farta “gastança” dos governos petistas.
Tal situação poderia nos levar ao caos, fazendo disparar a inflação e afugentando os investidores.
- A propaganda do medo dominou as análises econômicas,
- unida à campanha aberta pelo impeachment de Dilma.
Com o golpe consolidado e diante da situação “gravíssima” a solução seria
- promover um duro choque que melhorasse a relação dívida/PIB,
- sinalizando ao mercado o compromisso do Brasil com o equilíbrio de suas contas.
A volta da confiança traria por osmose o investimento, o crescimento e a prosperidade.
Todo esse plano era dourado pelo uso cuidadoso da linguagem, a começar pela palavra “austeridade”,
- capaz de indicar rigidez ética, sacrifício e compromisso com a frugalidade,
- contraposta à “sedutora irresponsabilidade”dos setores “populistas”.
Nada mais falso,
- dado que os verdadeiros sacrificados com a política adotada são os pobres
- e a única gastança pública garantida pelo “Teto” é voltada aos setores que bancam a austeridade, aqueles do mercado financeiro.
A ideia de que o Brasil estava ou está à beira do abismo fiscal é falsa.
- O país tem dívida interna contraída em moeda própria,
- além de boa situação em suas contas externas e volumosas reservas internacionais.
Não estamos sob risco iminente de uma tragédia fiscal e de um colapso inflacionário,
- como mais uma vez a propaganda do medo na mídia quer fazer parecer
- com os alarmes sobre as reações da bolsa às falas críticas de Lula – como se o varejo volátil da bolsa incidisse fortemente sobre a economia real.
Também é questionável a tese segundo a qual o déficit nas contas públicas observado a partir de 2014-2105 resultou de excesso de gastos.
Para muitos estudiosos
- ela foi fruto, na verdade, de brusca queda na arrecadação por conta do baixo crescimento da economia desde então.
- A economia desacelerou fortemente e o Estado passou a arrecadar menos,
- mas seguiu tendo que manter as obrigações sociais estabelecidas pela Constituição de 1988, o que teve impacto nas contas.
Qual a solução?
Para os “austeros”era simples: contrair ainda mais a economia e cortar gastos sociais e investimento público por 20 anos.
- Na prática garantiam as taxas de ganho dos setores endinheirados,
- sacrificando a economia real e o bem estar popular,
- com a promessa de que num futuro próximo a bonança viria.
Veio o aumento explosivo da fome e da pobreza.
É igualmente fantasiosa a ideia de que devemos antes estabilizar a situação fiscal do país para depois crescermos e aí então dividirmos a prosperidade.
Essa é a fábula sempre vendida pela elite para justificar os danos imediatos que seus planos econômicos provocam na vida dos mais pobres.
Os países que crescem
- fazem isso endividando-se no curto prazo,
- ou seja, investindo, apostando num crescimento sustentado
- que aumente a arrecadação e os investimentos a partir da ação do Estado.
Isso não é sinônimo de irresponsabilidade, dado que é possível operar esse processo mantendo garantias ao setor privado e evitando aumentos explosivos da dívida pública.
- O impossível é ter qualquer projeto de país com uma regra fiscal
- que na prática proíbe o investimento público e deixa o Estado nacional acorrentado.
A tese reacionária dos “austeros” brasileiros sofre crescentes críticas no mundo inteiro, desde a crise mundial de 2008.
Hoje a grande discussão nas chamadas “economias avançadas” diz respeito exatamente a como conciliar política fiscal com investimento público e gasto social.
O modelo ultraliberal brasileiro
- é tão fanaticamente ideologizado que para criticá-lo
- basta utilizar um teórico como Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI.
Nenhum país ousou fazer a loucura da elite brasileira: amarrar por 20 anos as mãos do Estado.
O remédio foi tão duro que hoje já admitem ser impossível governar sem “furar o teto”. Isso já é, em si, uma admissão do erro.
Mas o que os preocupa
- é a cobrança de uma admissão de culpa pelo caos social que essa política nos trouxe,
- com quase 60% da população levada a conviver com a insegurança alimentar,
- sem que o plano austero conseguisse sequer a diminuição da dívida, ainda crescente.
O “Novo regime fiscal”da austeridade brasileira fracassou.
Para fugir da responsabilidade
- os promotores do caos social admitem o “estouro”do teto para o pagamento do novo Bolsa Família de R$ 600,
- embora ainda resistam à ideia de recursos permanentes fora do teto para essa política,
- o que num país com 33 milhões de pessoas passando fome deveria ser tratado como um escândalo.
O fato é que, seguindo a velha tese neoliberal,
- aceitam que o Estado no máximo pode manter programas de ajuda financeira focalizadas,
- sem despender vultosos recursos em políticas estruturais de assistência e seguridade social
- para não “desequilibrar as contas”.
Estudos como o da Rede Pessan, formada por organizações dedicadas à garantia do direito à alimentação, mostram, no entanto, que a fome e a miséria no Brasil exigem, para além de programas como o Bolsa Família,
- forte reestruturação do SUS,
- valorização do salário mínimo,
- elevação no valor dos benefícios ligados à seguridade social
- e uma política econômica que gere crescimento, emprego e renda.
Sem um plano de retomada econômica e social liderado pelo Estado não resolvemos o problema da fome e da miséria no curto prazo. E quem tem fome tem pressa.
- O que os analistas da austeridade têm a dizer sobre isso? Nada.
- Eles que formulam planos econômicos sempre tão “sofisticados”, qual projeto têm para a radical diminuição da fome no país? Nenhum.
- Ora, não é a fome o problema mais urgente a ser resolvido no Brasil?
Para eles, na prática, não é.
Sobre esses assuntos não sabem sair do raso e vago discurso: “inclusão depende de estabilidade”.
Isso, a rigor, não diz nada.
- Qual estabilidade?
- A que não permite ao Estado sequer garantir recursos permanentes para transferir uma renda ainda abaixo do valor da cesta básica a pessoas em situação de miséria?
Somente por isso deveriam ter suas teses desmoralizadas no debate público.
O tal “mercado financeiro” que mostra irritação com as críticas de Lula
- é o mesmo que estava otimista com o Brasil após a eleição de Bolsonaro,
- que não perde confiança no país por conta do orçamento secreto
- ou quando há cortes imensos nos recursos da educação,
- ou ainda quando o número de famintos pelas ruas quase dobra em 2 anos.
É o mercado cujas ações subiram na Bolsa no final do primeiro turno, após o bom desempenho de um candidato protofascista à presidência.
- A tese da austeridade é o plano desse mercado,
- cujos interesses estão totalmente alheios às mais profundas necessidades da sociedade brasileira.
Nós, enquanto país, não podemos ficar, como querem os propagandistas da austeridade, submetidos a um setor tão indiferente aos principais dilemas da nossa sociedade.
Defender a democracia passa irremediavelmente por reafirmar, frente a esse mercado e seus apologistas,
- a vontade da soberania popular,
- a defesa da dignidade humana
- e o desenvolvimento do país.
Desmontar tudo isso não é tarefa fácil, mas o primeiro passo é evidenciar o atraso, a imoralidade e a irresponsabilidade da ortodoxia econômica brasileira. Nada como a fala pública de uma liderança do tamanho de Lula para ajudar nisso.
Os defensores da austeridade estão nus. Já é um bom começo.
Pedro Alcântara
Doutor em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Fonte: https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/os-defensores-da-austeridade-estao-nus/
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