escreve Leonardo Boff, ecoteólogo, filósofo, ex-professor de ética e membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra, autor de diversos livros, entre eles Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência? (Vozes, 2018).
Eis o artigo.
Nos últimos quase quatro anos,
- vivemos sob um governo que não amava o povo
- e considerava o país como uma espécie de capitania hereditária familiar.
Mas agora, segundo um cântico famoso de Camões, dos Lusíadas, um novo tempo “traz serena claridade, esperança de porto e salvamento”. Por isso cabe esperar e sonhar. Eis alguns pontos de nossa positividade.
- Seu sonho? Reinventar o Brasil.
- O processo começou a partir de baixo e não há mais como detê-lo nem pelos sucessivos golpes sofridos
- como o de 1964 civil-militar e o de 2013 parlamentar-juridico-midiático e todo o descalabro da fase bolsonarista.
3. Apesar da pobreza, da marginalização e da perversa desigualdade social, os pobres sabiamente inventaram caminhos de sobrevivência. Para superar esta antirrealidade, o Estado e os políticos precisam escutar e valorizar o que o povo já sabe e inventou. Só então teremos superado a divisão elites-povo e seremos uma nação não mais cindida mas coesa.
- A esperança é o segredo de seu otimismo, que lhe permite relativizar os dramas, dançar seu carnaval, torcer por seu time de futebol e manter acesa a utopia de que a vida é bela e que amanhã pode ser melhor.
- A esperança nos remete ao princípio-esperança de Ernst Bloch, que é mais que uma virtude; é uma pulsão vital que sempre nos faz suscitar novos sonhos, utopias e projeto de um mundo melhor.
- O que o povo mais quer, não as elites, é mudar para que a felicidade e o amor não sejam tão difíceis.
- Para isso, precisa articular constantemente a indignação face às coisas ruins e a coragem para mudá-las.
- Se é verdade que somos o que amamos, então construiremos uma “pátria amada e idolatrada” que aprendemos a amar.

- O Brasil mostrou que não é apenas bom no carnaval e no futebol.
- Mas pode ser bom na resistência indígena, negra, na agricultura, na arquitetura, na música e na sua inesgotável alegria de viver.
7. O povo brasileiro é religioso e místico.
- Mais que pensar em Deus, ele sente Deus em seu cotidiano que se revela nas expressões: “graças a Deus”, “Deus lhe pague”, “fique com Deus”.
- Deus, para ele, não é um problema, mas a solução de seus problemas.
- Sente-se amparado por santos e santas e por bons espíritos como os orixás que ancoram sua vida no meio do sofrimento.
- O saber popular é “um saber de experiências feito”,que nasce do sofrimento e dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos.
- O saber acadêmico nasce do estudo, bebendo de muitas fontes.
Quando esses dois saberes se unirem teremos reinventado um outro Brasil. E seremos todos mais aptos para enfrentar os novos desafios.
10. O cuidado pertence à essência do humano e de toda a vida. Sem o cuidado adoecemos e morremos. Com cuidado, tudo é protegido e dura muito mais.
O desafio, hoje, é entender a política como cuidado do Brasil, de sua gente, especialmente dos mais pobres e discriminados, da natureza, da Amazônia, da educação, da saúde, da justiça. Esse cuidado é a prova de que amamos o nosso país.
11. Uma das marcas do povo brasileiro é sua capacidade de se relacionar com todo mundo, de somar, juntar, sincretizar e sintetizar.
Por isso, em geral, ele não é intolerante nem dogmático. Ele gosta de conviver com o diferente. Estes valores são fundamentais para uma planetização de rosto humano.
Estamos mostrando que ela é possível e a estamos construindo.
Infelizmente, nos últimos anos, especialmente nas eleições presidenciais de 2022,
- surgiu, contra a nossa tradição, uma onda de fake news, de ódio, discriminação, fanatismo, homofobia e desprezo pelos pobres, aporofobia (o lado sombrio da cordialidade, segundo Buarque de Holanda)
- que nos mostram que somos, como todos os humanos, sapiens e demens e agora mais demens.
Mas se trata sempre de uma doença e não da sanidade das religiões, igrejas e movimentos. Mas isso, seguramente, passará e predominará a convivência mais tolerante e apreciadora das diferenças.
12. O Brasil é a maior nação neolatina do mundo.
- Temos tudo para sermos também a maior civilização dos trópicos,
- não imperial, mas solidária com todas as nações,
- porque incorporou em si representantes de 60 povos diferentes que para aqui vieram.
Nosso desafio é mostrar que o Brasil pode ser, de fato, uma pequena antecipação simbólica de um paraíso não totalmente perdido e sempre resgatável: a humanidade unida, una e diversa, sentados à mesa numa fraterna comensalidade, desfrutando dos bons frutos de nossa boníssima, grande, generosa Mãe Terra.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/623904-passada-a-sombria-noite-tem-lugar-o-sonho-artigo-de-leonardo-boff
Crédito das imagens:
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