Jorge Wemans 18 Out 2022
O Papa Francisco está no centro de várias críticas no que diz respeito à forma como o Vaticano tem tratado o tema dos abusos. Foto © Vatican Media
“Caso Santier: choque e desgosto”, é o título do editorial da edição dia 17 de outubro de La Croix.
“A má gestão do Vaticano de casos de abuso de alto nível aprofunda a sua principal crise”, titula o Washington Post do mesmo dia.
Em ambos os textos a mesma acusação:
- em alguns casos de abusos sexuais o Vaticano não está a proceder conforme prometera
- e isso descredibiliza tudo quanto tem dito e feito.
Visado número um: o Papa Francisco.
De um e do outro lado do Atlântico os exemplos poderiam multiplicar-se. Quer na Imprensa laica, quer na de origem católica.
O tema é sempre o mesmo:
- casos envolvendo abusos praticados por bispos que foram tratados por Roma de forma sigilosa, ou negligente,
- e que por isso não promoveram a transparência e a reparação defendidas por Francisco.
- E o caso do bispo Ximenes Belo volta, de novo, a ser tema.
O “choque e desgosto”francês resulta de se ter sabido, através do semanário Famille Chrétienne de 14 de outubro que o bispo de Créteil (subúrbios de Paris), Michel Santier, que invocara “razões pessoais e de saúde” para se retirar em janeiro de 2021, tinha afinal pedido a sua demissão um ano antes, por reconhecer ter abusado de dois jovens adultos no início dos anos noventa.
Mons. Michel Santier – Artur Widak / NurPhoto / NurPhoto via AFP
O pedido de demissão foi aceite por Francisco em junho de 2020,
- mas nunca foram feitas quaisquer referências a abusos sexuais,
- apesar de, em outubro de 2021, a então Congregação para a Doutrina da Fé lhe ter imposto medidas coercivas,
- obrigando-o a um “ministério restrito” e a “levar uma vida de oração e penitência” numa comunidade religiosa.
É contra este silêncio que o editorial de La Croix se manifesta:
“Infelizmente, vemos claramente que a instituição,
- por covardia, legalismo ou cálculo, mais uma vez cometeu o erro de silenciar o escândalo. (…)
- Definitivamente: é necessário ter um coração forte para não desesperarmos da Igreja, quando ela apresenta tal rosto.”
O mesmo tom está presente no editorial “Caso Santier: o silêncio é uma quebra [abus] de confiança”, da edição online de 18 de outubro do semanário católico La Vie.
Nenhuma das publicações aceita como desculpa o facto de
- os dois jovens serem adultos à data dos acontecimentos (década de 1990),
- recusarem ser identificados publicamente
- ou de não terem sido tocados pelo então padre Michel Santier
- quando os forçou a despirem-se diante dele como penitência, depois de os ouvir em confissão.
Conclui o editorial do La Croix:
- “Tais contra-testemunhos deixam traços profundos. Os mais terríveis são invisíveis: são os passos discretos daqueles que deixaram a Igreja com desgosto pela traição dos clérigos.
- Resta o sínodo, que visa transformar a vida eclesial.
- Mas para que tenha sentido, não podemos contentar-nos com uma reforma estrutural sem mudarmos a relação com a verdade.”
Precisamente de uma responsável do Caminho Sinodal alemão vem o alerta:
- Charlotte Kreuter-Kirchhof, professora de direito e membro do Conselho de Economia do Vaticano,
- disse há dias numa conferência promovida na embaixada alemã junto da Santa Sé que
- “o abuso trouxe um sofrimento sem fim às vítimas e a Igreja perdeu uma quantidade infinita de confiança”.
A única saída é abordar as causas sistémicas dos abusos, acrescentou, citada pelo CathNews.
Os casos do cardeal Ouellet e do bispo Belo
Cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos: a forma como o seu caso foi gerido levantou dúvidas. Foto: Direitos reservados.
A Igreja Católica “continua a cair nas ratoeiras do costume e assim aprofunda a sua principal crise”, lê-se num extenso artigo intitulado
“A má gestão do Vaticano de casos de abuso de alto nível aprofunda a sua principal crise”
publicado no dia 17 de outubro no Washington Post e assinado por dois jornalistas, um dos quais, Chico Harlan, chefe da delegação do jornal em Roma.
Os “casos” do cardeal Ouellet e do bispo Ximenes Belo são o ponto de partida do texto que reconhece
- “embora os casos sejam marcadamente diferentes – um envolve um cardeal canadiano acusado de tocar indevidamente uma funcionária;
- o outro envolve um bispo de Timor-Leste premiado com o Nobel acusado de abusar de crianças pobres”
– os ativistas anti abusos contactados pelo jornal garantem que
- “ambos os casos refletem um padrão de sigilo e defensivo”
- e mostram que “a Igreja ainda está a cerrar fileiras para proteger a reputação de prelados poderosos”.
No caso do cardeal Marc Ouellet,
- o Vaticano analisou as acusações –
- mas delegou a investigação num padre que o conhece bem [ver 7MARGENS]
- que determinou não existirem motivos para criticar o comportamento do cardeal.
“Uma conclusão – escreve o Washington Post – que o advogado do acusador diz ser discutível, dado o possível conflito de interesses.”
O caso do bispo Ximenes Belo é assim sintetizado no artigo em questão:
- “O Vaticano puniu-o em 2020, um ano depois dos funcionários da Santa Sé terem tomado conhecimento das acusações.
- Mas as restrições impostas – incluindo a proibição de Belo entrar em contacto com menores – foram mantidas em segredo pela Igreja
- até que uma investigação holandesa recentemente publicada noticiou o abuso de vários meninos desde a década de 1980”.
O bispo Carlos Ximenes Belo, antigo bispo de Díli, Timor-Leste, numa foto de fevereiro 2019: em 2020, o Nobel da Paz viria a ser penalizado pelo Vaticano. Foto © José Fernando Real, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
Para sublinhar a perda de credibilidade que estes casos geram,
- os jornalistas citam analistas para quem o caso do cardeal Ouellet
- “evidencia a necessidade de peritos externos investigarem alegações de má conduta”.
David Deane, professor associado de teologia da Atlantic School of Theology, na Nova Escócia, disse ao Washington Post que
- “os membros do clero geralmente cerram fileiras e não podem ser fiáveis para se investigar uns aos outros.
- Ter o clero a dirigir a investigação é um problema real. É um assunto problemático”.
- “Enquanto isso acontecer, será muito difícil [a Igreja] ser transparente e ganhar a confiança pública no processo.”
Os jornalistas reconhecem que
“Ouellet, de 78 anos, negou as acusações de toque inapropriado”,
mas não deixam de sublinhar que
- “é amplamente considerado como uma das figuras mais importantes da Cúria Romana” enquanto prefeito do Dicastério para os Bispos
- e que o Papa Francisco “permitiu que ele permanecesse no cargo muito para além do mandato normal de cinco anos”.
- Sobre as relações do cardeal com Francisco acrescentam que eles mantêm “encontros quase todas as semanas”.
No La Croix International, Robert Mickens é também muito crítico sobre o tema:
“É muito decepcionante ter de dizer isto,
- mas uma palavra de conselho a qualquer pessoa que tenha sido abusada sexualmente por um padre ou bispo católico:
- se a ofensa ainda estiver dentro do estatuto de limitações, não a denuncie – em circunstância alguma – às autoridades eclesiásticas, especialmente às do Vaticano.
Na UCA News, agência católica asiática,
o etnógrafo e teólogo Justin Wejak, que estudou as culturas do medo entre os católicos indonésios orientais, escreve sobre
“Quando o silêncio já não pode ser comprado”, a propósito do caso de Ximenes Belo.
E recorda:
- “Belo renunciou ao seu papel episcopal no início de 2002, aos 54 anos de idade, ainda muito jovem para se reformar como bispo.
- O estranho foi que, após a sua demissão, ainda lhe foi permitido trabalhar com menores em Moçambique.
- Isto precisa de ser esclarecido pelo Vaticano, especialmente quando o caso for levado a tribunal.”
Defendendo que muitas pessoas “querem saber porque é que Belo se demitiu”, o articulista acrescenta, na linha do que disse há dias a alemã Charlotte Kreuter-Kirchhof,
- que em fez de mudar as pessoas de lugar,
- a Igreja tem de “tentar compreender as causas profundas do abuso sexual
- e continuar a explorar formas significativas de se reformar a partir de dentro,
- para garantir que isso nunca mais volte a acontecer”
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Fonte: https://setemargens.com/vaticano-e-francisco-alvo-de-fortes-criticas/
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