- bombas atrás de bombas, milhões de refugiados, valas comuns, mortos e mais mortos,
- crianças afogadas no pânico, mulheres sem palavras para chorar e gritar os horrores,
- hospitais, creches, escolas destruídas, ruínas, mais ruínas, um mundo a desabar, ameaças de guerra nuclear…,
só poderia desejar, do fundo do coração, poder responder: não, nunca mais haverá guerra. Mas sei que não é assim.
Haverá sempre guerras, a não ser que se desse uma conversão radical da humanidade.
Neste sentido, há um texto que me foi enviado, cujo autor desconheço mas com o qual estou de acordo, até porque encontrou as palavras certas para descrever este mundo de loucura.
Reza assim:
“Nenhuma guerra tem a honestidade de confessar: “Eu mato para roubar”.
As guerras invocam sempre motivos nobres:
- matam em nome da paz, em nome de Deus, em nome da civilização, em nome do progresso, em nome da democracia
- e, por causa das dúvidas de nenhuma destas mentiras ser suficiente, aí estão os meios de comunicação dispostos a inventar inimigos imaginários
- para justificar a transformação do mundo num grande manicómio e um imenso matadouro.
Em Rei Lear, Shakespeare escreveu que neste mundo os loucos guiam os cegos, e, quatro séculos depois, os senhores do mundo são loucos enamorados da morte
- que transformaram o mundo num lugar onde a cada minuto morrem de fome ou doença curável dez crianças
- e a cada minuto se gastam três milhões de dólares, três milhões de dólares a cada minuto, na indústria militar, que é uma fábrica de morte.
E as armas exigem guerras e as guerras exigem armas, e os cinco países que dominam as Nações Unidas, que têm direito de veto nas Nações Unidas, acabam também por ser os cinco principais produtores de armas. A gente pergunta: ”
- Até quando?
- Até quando a paz do mundo estará nas mãos dos que fazem o negócio da guerra?
- Até quando continuaremos a acreditar que nascemos para o extermínio mútuo e que o extermínio mútuo é o nosso destino? Até quando?” “.
2. O filósofo I. Kant escreveu que o ser humano se defronta com três impulsos fundamentais: o prazer, o poder e o ter.
- Por mim, penso que o mais forte é o poder enquanto domínio.
- De facto, o ser humano é carente e confronta-se com a morte, que o confronta com o nada.
- Através do poder, de poder em poder, cada vez com mais poder, alcançaria a omnipotência e mataria a morte.
Pascal, o grande Pascal, o matemático eminente, uns dos maiores de sempre, e também um dos maiores cristãos europeus de sempre,
- viu bem quando escreveu que a constituição do ser humano mora ali algures entre “le rien et l”infini” (o nada e o infinito).
- Por isso, a mais poderosa tentação, desde o início da humanidade, é a omnipotência.
Embora se trate de uma estória mítica, ela diz o essencial:
no Génesis,
- a serpente voltou-se para Eva e disse-lhe que, apesar da proibição por Deus,
- se comessem do fruto proibido, seriam como Deus, alcançariam a omnipotência.
- E deu a Adão, e ela também comeu.
E aí estão as trágicas consequências:
- foram expulsos e, logo a seguir, Caim matou o irmão, Abel,
- inaugurando uma torrente de sangue sem fim.
Com o poder, vem o ter e cada vez mais teres, porque o desejo de ter é insaciável.
- E os teres precisam de ser aumentados sempre mais e defendidos,
- e aí estão a violência e a guerra, que, paradoxalmente, aumentam o poder e o ter.
Neste nosso tempo, os gastos com novas armas rondam os dois milhões de milhões (2.000.000.000.000) de dólares,
- com a lógica de que as armas exigem guerras e as guerras exigem armas,
- também para gastar o armamento velho e produzir novas armas.
3. O poder fascina de tal modo que até há bem pouco tempo se cantava nas igrejas a Deus como “Senhor Deus dos exércitos” –
- aliás, ainda há um bispo das forças armadas, mas não um bispo da saúde e da cultura…-
- e a maior traição da Igreja foi ter-se transformado numa instituição de poder.
Jesus tem duas advertências essenciais.
“Não podeis servir a Deus e a Dinheiro”.
Ele conhecia bem a importância do dinheiro – não passou a maior parte da vida a trabalhar? -, mas não se pode adorar Dinheiro (com maiúscula). Significativamente, os Evangelhos foram escritos em grego, mas mantiveram duas palavras em aramaico, a língua materna de Jesus:
- Abbá, Paizinho (era com esta ternura que Jesus se dirigia a Deus) eMammôn, a deusa do dinheiro. Mammôn tem o radical mn, que significa confiar.
- A revelação de Jesus é que Deus é bom, Pai e Mãe de todos, e realmente não é possível confiar, entregar-se confiadamente a Deus
- e ao mesmo tempo confiar, entregar-se confiadamente a Dinheiro como salvador.
Jesus também disse: “Eu sou Senhor e Mestre”, mas “vim para servir, não para ser servido”; “quem quiser ser o primeiro seja servidor”.
Deus é omnipotente? Sim, tem todo o poder, mas não enquanto dominação mas Força infinita de criar.
O latim pode ser iluminante.
- Mestre tem na sua origem magister, com base em magis, que significa mais,
- de tal modo que o mestre é o que está acima, o maior, em contraposição com ministro, que vem de minister, com base em minus, menos, e que é o servente, o que serve.
- (Quantos ministros – também os ministros da Igreja – se lembram que devem ser os que servem, os serventes?).
E isso nada tem que ver com ser incompetente. O exemplo é Jesus: ele é o verdadeiro Mestre e Senhor, mas é servido.
Assim, todos devem levar o mais longe possível os seus dons, não para dominar, mas para a maior realização de todos.
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia
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