Troca de “declarações”
Clara Raimundo | 26 Jul 2022
Em votações preliminares e provisórias, realizadas na sessão de fevereiro último do Caminho Sinodal, uma proposta como a bênção de casais do mesmo sexo registou 161 votos a favor e 34 contra. Foto © Der Sinodale Weg.
Em dois parágrafos, um comunicado da Sala de Imprensa do Vaticano, datado de 21 de julho, colocou um explícito travão no chamado Caminho Sinodal em que a Igreja alemã se lançou em 2019, e que tem sido motivo de polémica pela ousadia de algumas das posições entretanto assumidas.
Os responsáveis da Igreja alemã já responderam: querem a comunhão na Igreja, mas com outro estilo de comunicação.
Focado na questão da estrutura e da governação da Igreja Católica, o curto comunicado de Roma, sob a forma de “declaração”, é taxativo:
“Não seria permitido iniciar novas estruturas oficiais ou doutrinas nas dioceses antes de um acordo definido ao nível da Igreja universal”.
“Isso representaria uma ferida para a comunhão eclesial”,
observa a tomada de posição de Roma.
A posição refere também,
- “para proteger a liberdade do povo de Deus e o exercício do ministério episcopal”,
- que o “Caminho Sinodal” na Alemanha “não tem o poder de obrigar os bispos e os fiéis a adotar novas formas de governo e novas abordagens da doutrina e da moral”.
Dado que não existem ainda documentos definitivos aprovados sobre
- o poder na Igreja, o ministério presbiteral, o papel da mulher e a vida afetiva e sexual – as quatro áreas de problemáticas do Sínodo alemão (isso está previsto para a quarta sessão, a ter lugar em outubro próximo) –
- uma tal declaração tem vindo a ser interpretada como sinal de aviso, medida cautelar ou mesmo travão.
Em votações preliminares e provisórias, realizadas na sessão de fevereiro último do Caminho Sinodal,
- uma proposta como a bênção de casais do mesmo sexo tinha registado 161 votos a favor e 34 contra;
- a “reavaliação” da doutrina sobre a homossexualidade mereceu 174 votos contra 22
- e a ordenação presbiteral das mulheres tinha sido apoiada por 174 delegados, tendo 30 votado contra.
Isto fez soar as campainhas em vários setores, incluindo do Vaticano, que consideram que,
- a concretizarem-se decisões deste teor,
- se estaria a desenhar um cenário de cisma na Igreja Católica.
No mesmo dia em que a Sala de Imprensa vaticana emitiu o seu comunicado,
- os presidentes do Caminho Sinodal – Dr. Irme Stetter-Karp, presidente do Comité Central dos Católicos Alemães (ZdK)
- e o bispo Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã –
- responderam à Santa Sé também com uma “declaração”.
Nessa resposta, os dois responsáveis
- recordam com satisfação que a Santa Sé
- “reitere os compromissos já assumidos nos Estatutos e Regulamento interno antes do início do Caminho Sinodal 2019”.
Através desses instrumentos, fica claro que
- qualquer resolução da Assembleia sinodal
- “não terá, por si mesma, efeito legal”,
razão pela qual
- “o poder da Conferência Episcopal e de cada bispo diocesano de adotar normas jurídicas e exercer o seu magistério no quadro das suas competências respetivas
- não será afetado por aquelas resoluções”.
Por outro lado, esclarecem os presidentes do Caminho Sinodal,
- as resoluções cujas matérias dependam de uma regulamentação eclesiástica universal
- serão transmitidas à Santa Sé, acompanhadas com a votação que se tiver registado no sínodo,
- tal como está previsto e acordado com a Santa Sé.
Cúria romana: comunicados, em vez de diálogo
A Igreja na Alemanha pretende ampliar o diálogo com a Cúria romana e lamenta que a presidência sinodal não tenha sido convidada para uma discussão, até à data. Foto @ Marzacas.
“Não nos cansamos de sublinhar que a Igreja na Alemanha não seguirá um ‘caminho especial alemão’”,
prossegue a declaração que, no entanto, entende salientar:
“É nosso dever expor claramente as mudanças que consideramos necessárias.
Ao fazê-lo, percebemos que os problemas e questões que enumeramos são semelhantes em todo o mundo”.
Na sua resposta, a Igreja na Alemanha afirma
- aceitar e desejar o “enriquecimento mútuo” que advém da comunicação entre as igrejas locais e a Igreja Universal – aspeto enfatizado pela declaração de Roma –
- e que pretende ampliar o diálogo com a Cúria romana.
Mas faz notar, ao mesmo tempo, que o Caminho Sinodal resultou do estudo sobre o
- “Abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, diáconos e religiosos na esfera de responsabilidades da Conferência Episcopal Alemã”
- e que bispos e ZdK estão a percorrer juntos este caminho, “seguros do apoio e cooperação ativa do povo de Deus peregrino”.
Manifestam ainda a determinação de contribuírem para o processo sinodal da Igreja universal, aberto pelo Papa Francisco.
“Sempre insistimos que queremos ativamente dar corpo a este processo através do nosso trabalho”.
A resposta alemã,
- reiterando a importância da“comunicação direta com as autoridades romanas”,
- manifesta, no entanto, “irritação” pelo facto de essa comunicação direta não ter acontecido até agora,
- considerando que esse seria “o lugar adequado para realizar os esclarecimentos necessários”.
“Lamentavelmente, a presidência sinodal não foi convidada para uma discussão, até esta data. (…) Em nosso entender, uma igreja sinodal é algo diferente!”
E, numa clara alusão ao facto de a posição do Vaticano ter assumido a forma de um comunicado de Imprensa, acrescenta:
- “Isto também se aplica à forma de comunicação atual, que nos espanta.
- Quando se publicam declarações que não são assinadas, não se mostra um bom estilo de comunicação no interior da Igreja”.
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Clara Raimundo
Fonte: https://setemargens.com/caminho-sinodal-alemao-irritado-com-a-comunicacao-do-vaticano/
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