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Luis Miguel Modino | 04 Juljo 2022 – Luis Marín | Foto: Luis Miguel Modino
Caminhar juntos, comunhão no caminho. Estamos falando de sinodalidade, de uma Igreja que é a família de Deus, como nos mostra Dom Luis Marín de San Martín.
O Secretario-adjunto do Sínodo dos Bispos nos ajuda a compreender a importância da sinodalidade, algo que põe em jogo a coerência da Igreja.
Eis a entrevista.
Sinodalidade, uma palavra que podemos dizer vem da primeira Igreja, que foi promovida há 60 anos pelo Concílio Vaticano II, mas que ainda soa estranho para muitas pessoas. O que significa sinodalidade?
A sinodalidade, não tanto a palavra, mas o conceito, nos leva de volta à Igreja primitiva, à Igreja dos Apóstolos. É uma Igreja que é a família de Deus, participativa, unida a Cristo, evangelizadora, dinâmica. Isto é sinodalidade, caminhar juntos, comunhão no caminho.
- Antes de tudo, ser cristão significa ser incorporado a Cristo, conhecer Cristo desde a experiência, aprofundar em Cristo e proclamar Cristo. Isto é caminhar, isto é próprio da Igreja.
- Em segundo lugar, sempre juntos, em comunidade, em família, nunca em isolamento, nunca em egoísmo, nunca em individualismo, como uma comunidade, uma Igreja, uma família, juntos.
E isto tem que entrar no ser, na atuação e no estilo da Igreja. Isto é sinodalidade e é aqui que nós estamos.
- Não é nada de novo,
- mas ao mesmo tempo o ímpeto, a ênfase, a realização do que este compromisso atual com a sinodalidade traz consigo
- pode ser novo.
A sinodalidade é um processo dinâmico que nunca termina. Toda a Igreja e tudo o que é Igreja deve ser sinodal.
- É um processo de escuta e discernimento que se orienta para uma tarefa evangelizadora comum baseada na participação, inter-relacionando,
- não anulando, as diferentes vocações e carismas.
- Começa de baixo, como uma experiência eclesial, com três ideias-chave sobre a forma de proceder: abertura, proximidade, acompanhamento.
Luis Marín (Foto: Luis Miguel Modino)
E por que a sinodalidade é importante para a Igreja?
Por nos tornar coerentes, não é algo acrescentado, mas sim algo que se refere ao ser da Igreja.
Um dos problemas que temos hoje quando dizemos
- que não estamos alcançando, que há grandes bolsas de descrença,
- que o número de crentes é mínimo,
- é que devemos ser coerentes com nossa fé, conhecer a Cristo essencialmente, unir-nos com outros cristãos.
E o segundo elemento é o testemunho.
A sinodalidade é importante porque nos encoraja a evangelizar, a ser uma Igreja aberta, uma Igreja em saída, um Povo de Deus a caminho.
A coerência da Igreja está em jogo.
- Não é uma questão de estruturas, não é uma questão de mudança, de partilha de poder,
- nem mesmo uma questão de programação para um melhor apostolado.
- Trata-se da essência da Igreja, de quem somos, de nossa coerência como cristãos.
Eu insisto que a sinodalidade é de toda a Igreja. Portanto, não se trata apenas de “preparar” o Sínodo dos Bispos, mas já estamos vivendo e desenvolvendo o Sínodo, caminhando juntos todo o Povo de Deus, como uma realidade de toda a Igreja que está se concretizando em várias realidades.
O Sínodo dos Bispos não é o ponto de chegada, mas mais um elemento no processo em direção a uma Igreja sinodal.
É uma forma de expressar e exercer a colegialidade episcopal, que tem seu lugar e cumpre uma função no que diz respeito aos bispos.
- Podemos procurar outras estruturas para expressar e viver a sinodalidade de toda a Igreja; para melhorar,
- mas não para suplantar ou sobrepor aquelas que funcionam.
Não sejamos redutores, mas sempre criativos.
Um dos fundamentos de uma Igreja sinodal é a escuta. Como passar de uma Igreja que fala para uma Igreja escuta, que medidas devem ser tomadas, que atitudes devem mudar?
Antes de mais nada, mudar nossos corações e nos colocar em uma atitude de escuta.
Este é o grande desafio,
- chegamos a um momento em que gostamos de fazer demais, do ativismo, de dizer, de escrever.
- Talvez devêssemos parar um pouco e escutar, escutar uns aos outros e o Espírito Santo.
Porque este é também o grande desafio, a dimensão orante deste processo sinodal está nos custando.
Começamos imediatamente a discutir, a dar nossas opiniões, a conversar. Estamos fazendo um trabalho sociológico,
- não é um trabalho de escuta, de discernimento,
- todos escutando o Espírito Santo e nos escutando entre todos nós.
Este é um dos elementos essenciais deste processo sinodal.
- Um processo de escuta para o discernimento, qual é a vontade de Deus,
- o que Deus nos pede neste momento da história, como cristãos devemos tomar decisões,
- este é o processo.
A humildade como atitude e o amor como fundamento são essenciais. Somente assim poderemos nos envolver nesta proposta de renovação e esperança e ser canais de graça.
Luis Marín (Foto: Luis Miguel Modino)
Em uma sociedade plural, e em uma Igreja que deveria ser plural, algo que deriva do Concílio Vaticano II, como podemos assumir este discernimento comunitário, indo além de um discernimento exclusivamente hierárquico?
- A partir da visão da Igreja, é a Igreja inteira, uma imagem da Igreja como a família de Deus. Em uma família há um laço de amor, caso contrário não há família, haverá individualidades, a família nos une.
- A Igreja é comunhão, é unidade em Cristo, é a família de Deus. Portanto, esta unidade no amor.
A partir daí, a pluralidade e as diferenças são admitidas, porque são enriquecedoras e necessárias.
- Não podemos ir a uma Igreja em estilo xerox, onde somos todos iguais, todos pensamos o mesmo, todos temos a mesma cultura,
- isto é impossível, esta não é a Igreja de Cristo.
Admitir a diferença, a pluralidade, enriquece. Se há unidade no amor, as diferenças enriquecem, senão elas se confrontam, tornam-se ideologia.
- O processo sinodal, neste processo de escuta, torna possível encontrar o outro
- como alguém que está no mesmo caminho, que é minha família, que é verdadeiramente meu irmão ou minha irmã, que eu amo e ajudo, que me ama e me ajuda.
É uma Igreja diferente, uma Igreja casa, uma Igreja alegre, uma Igreja que apaixona.
- Se não, estamos em lutas ideológicas, particularidades, grupos, confrontos, isto não é a Igreja de Cristo, isto não é Cristo.
- Esta é uma mensagem de amor, uma mensagem de alegria, uma mensagem de redenção.
Ela fala do processo de escuta. É verdade que o Sínodo é algo antigo na vida da Igreja, mas poderíamos dizer que a experiência do Sínodo para a Amazônia, no qual pela primeira vez foi realizado um amplo processo de escuta, no qual até pessoas que não fazem expressamente parte da vida da Igreja participaram, mudou a dinâmica na realização dos sínodos?
Houve dois sínodos que tiveram um impacto, um é o Sínodo da Juventude, que ajudou muito. E a partir daí foi decidido que o próximo Sínodo seria sobre a sinodalidade. Também o Sínodo sobre a Família, com um estilo diferente, que mostrou que é possível, apesar das dificuldades.
- A Igreja é uma Igreja que escuta a todos, começando pelos próprios cristãos,
- e às vezes até mesmo os cristãos não se escutam uns aos outros, como membros de uma família, como seguidores de Cristo, como evangelizadores;
- a ideologia é mais importante.
Devemos também ouvir todos aqueles que não têm voz, algo em que o Papa está insistindo muito.
- Não nos fiquemos sempre com os mesmos de sempre, nos círculos fechados onde estão aqueles que pensam mais ou menos como nós,
- não nos contentemos em participar de ouvir os mesmos de sempre.
- Temos que nos abrir, para que todos tenham a oportunidade de participar, que foi o que aconteceu no Sínodo para a Amazônia. A voz daqueles que nunca falam, daqueles que não têm a oportunidade de se expressar.
Mesmo aqueles que querem nos ajudar com boa vontade, que é o passo dado pela Fratelli tutti. A questão é a imagem de Deus em cada ser humano, o que nos torna todos irmãos e irmãs, somos todos filhos de Deus, somos todos imagem de Deus.
- Todos aqueles que querem nos ajudar, nós vamos ouvi-los, nós vamos ajudar neste processo de escuta e discernimento,
- porque eles nos ajudam a discernir no Espírito, em vários níveis, pessoal, paroquial, comunitário, eclesial, e então as decisões são tomadas.
O Sínodo para a Amazônia e o Sínodo da Juventude abriram as portas para um estilo diferente e também mostraram que isso é possível. É necessário ser paciente, dar passos, com muita calma, rezar, fazer discernimento e caminhar juntos.
- Isto é o que nos leva de volta à Igreja dos Padres, à Igreja dos primeiros tempos, não é outra coisa, não estamos inventando nada de novo, estamos indo às raízes.
- O Concílio Vaticano também nos mostra isso, ele não inventa, não muda.
Talvez o que tenhamos feito foi mudá-lo mal. Está voltando às raízes, está reavivando a realidade da Igreja primitiva, a Igreja de Cristo e do Espírito.
- Gostaria de salientar a importância da Conferência de Aparecida para promover e incentivar a sinodalidade.
- Seu documento conclusivo é sem dúvida uma excelente base para entender o escopo deste processo.
Além do documento de Aparecida, temos também seu desenvolvimento prático na Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe.
Convido-os também a relerem a exortação Evangelii Gaudium e a encíclica Fratelli tutti.
Luis Marín (Foto: Luis Miguel Modino)
Sabemos que a sinodalidade é um caminho, mas também sabemos que há pessoas que são contra este caminho. O que é que torna difícil a aceitação desta Igreja sinodal?
Não devemos ter medo,
* há pessoas que não entendem do que se trata, pessoas que não entendem com boa vontade, porque se não se tem boa vontade, o que se pode fazer é fazer o mínimo dano possível.
- Portanto, temos que formar, temos que dialogar, isto já é um Sínodo, caminhar juntos,
- falar sobre ele, comentar sobre ele, talvez possamos ajudar uns aos outros.
* Há outras pessoas que estão preocupadas não por ignorância, mas porque têm medo de mudar as estruturas que sempre funcionaram.
Isto pode ser perigoso
- porque às vezes, como encontramos em padres, bispos, até mesmo leigos, eles dizem que isto significa perder o poder, isto significa que todos estão no comando.
- A conversão é para o serviço, não para o poder, temos que mudar o chip, esta é uma falsa concepção do Magistério.
* Há outras pessoas desiludidas, que dizem que outra reforma, outra novidade, será sempre a mesma.
- Mas por que será sempre a mesma?
- Vamos deixar o Espírito agir, vamos experimentar, não vamos bloquear o Espírito.
* Finalmente, há outras pessoas que dizem que é um trabalho adicional, que já temos muito trabalho, existem planos pastorais, planos diocesanos, isto é, como um fardo extra.
Não, é a mesma coisa, fazer o que está sendo feito, mas de uma maneira diferente,
- mais interligada, mais escuta,
- poder realmente viver como uma comunidade cristã e poder evangelizar.
Há diferentes tipos de opiniões, não há problema se houver boa vontade, se conversarmos.
Há velocidades diferentes, mas é engraçado,
- o grupo mais entusiasta é o dos leigos, em todo o mundo, sem dúvida,
- e o grupo mais relutante é alguns círculos clericais.
Ninguém disse que é fácil, estamos indo adiante, com boa vontade, com disponibilidade e, sobretudo, falando, escutando-se mutuamente, dialogando, tendo uma verdadeira experiência sinodal.
Eu digo àqueles que expressam estas dificuldades, estes problemas, que não há necessidade de ter medo, o que teria acontecido
- se os apóstolos ou a Igreja primitiva tivessem visto os temores de sair,
- de ir ao Império Romano,
- de mudar as mentalidades, de fazer apostas fortes.
O Espírito nos guia, e é ele quem nos guia, sem dúvida, e isto nos dá paz de espírito, isto também nos dá segurança.
Por que vale a pena apostar em uma Igreja sinodal? Quais são as riquezas que podemos encontrar nesta forma de ser Igreja?
Esta é a única maneira de ser Igreja, porque é a Igreja de Cristo.
- O processo sinodal nos une, antes de tudo, a Cristo.
- Não há outro Cristo além do Cristo Ressuscitado, e o Cristo Ressuscitado é o Cristo unido à sua Igreja, a todos os batizados, ao povo de Deus,
- este é o Cristo, não há Cristo separado de sua Igreja.
Portanto,
- o processo sinodal nos une a Cristo, a uma forte experiência de Cristo,
- e ao mesmo tempo torna possível uma experiência de comunidade eclesial,
- uma experiência de Igreja, de uma comunidade que avança, que se desenvolve, uma comunidade dinâmica.
Acima de tudo, o processo sinodal é importante porque é um momento do Espírito, que, e aí vem a dificuldade, precisa de nós. Foi algo que o Papa disse ao povo de Roma há um ano, o Espírito Santo precisa de nós.
- Podemos frustrar a ação do Espírito, isto é muito grave.
- Podemos ser um canal de graça, um canal do Espírito, e esta é a aposta, a oferta do processo sinodal.
- É por isso que estamos em um momento crucial, em um Kairos, que exige a nossa colaboração, nossa participação.
Quando alguém, seja um padre, um bispo, um leigo, diz que “eu não estou participando”, tenhamos em mente que estamos frustrando a ação do Espírito, e isto é muito grave. Sua participação ou não-participação tem repercussões sobre os outros.
A época da pandemia destacou o fato de que nossas igrejas estão se esvaziando, as pessoas não vão à missa, descobriram a telemática, percebemos, especialmente aqui na Europa e no mundo ocidental, em que temos dois problemas muito sérios.
Primeiro,
- que nossos cristãos não precisam da comunidade, é um cristianismo individualista, onde não nos conhecemos, onde dizemos queridos irmãos e irmãs, mas não é verdade, onde o outro é indiferente a mim.
- Na comunidade cristã, na sinodalidade, nós somos comunidade, somos família, isso nos faz viver o desafio da comunidade.
O segundo desafio é o da Eucaristia,
- receber Cristo, Cristo que se torna alimento, Cristo que vem a nós, Cristo que nos faz apóstolos.
- Este é o desafio que temos.
A sinodalidade nos faz perceber e nos empurra para uma Igreja muito mais coerente, como eu disse no início, muito mais viva. E somos chamados a comunicar entusiasmo, Cristo é sempre entusiástico.
- E Cristo implica, implica necessariamente no mundo.
- Ele não é um produto de laboratórios, grupos ou rituais. Cristo é presença, presença salvífica no povo, no mundo. Uma presença alegre e entusiasmada.
Isto é sinodalidade, este é o caminho, e não podemos fazê-lo sozinhos, juntos, em unidade com Cristo, participação em Cristo e em comunidade com nossos irmãos e irmãs.
É algo que entusiasma, que é a resposta de Deus neste tempo de pós-pandemia, de injustiça, de guerra, de solidão, de falta de valores. A resposta de Deus é a sinodalidade, que posso resumir facilmente: mais Cristo, mais Igreja.
Luís Miguel Modino
Padre espanhol, missionário na Amazônia brasileira, jornalista
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