
Ucrânia não busca armamento nuclear
Alegação: “Em Kiev foi anunciada a possível aquisição de armas atômicas. O bloco da Otan começou a ampliar ativamente o potencial militar dos territórios fronteiriços com o nosso”, declarou Putin.
Verificação da DW: Falso
Putin aparentemente se refere ao discurso do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, durante a Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro de 2022.
Lá ele mencionou o Memorando de Budapeste de 1994, que garante a inviolabilidade das fronteiras da Ucrânia, Belarus e Cazaquistão perante os países signatários.
- Além dos Estados Unidos e do Reino Unido, a Rússia reconheceu aí as fronteiras ucranianas.
- Em troca, Kiev entregou as armas nucleares herdadas da União Soviética ou, em parte, as destruiu.
Na Conferência de Munique, Zelenski sugeriu que poderia se retirar do Memorando, uma vez que a soberania ucraniana foi violada com a anexação da península da Crimeia por Moscou, em 2014.
Do ponto de vista jurídico, tal passo seria relativamente sem consequências, pois o acordo de Budapeste não se refere ao armamento atômico – que é tema do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, assinado no mesmo ano pela Ucrânia.
Além disso, não há provas de qualquer tentativa ilícita, ou sequer de planos de o país de obter esse tipo de armamento. Portanto a alegação de Putin é falsa.
Seu comentário sobre novas infraestruturas militares da Otan perto das fronteiras russas é enganosa.
A aliança militar internacional, de fato, reforçou sua presença no Leste Europeu, porém respeitando as condições acordadas no Ato Fundador entre a Rússia e a Otan, de 1997, em Paris.
Ucrânia não se prepara para retomar territórios e não está super-armada
Alegação: Putin insistiu que a guerra seria “preventiva”: antes, a Ucrânia teria se preparado abertamente para uma nova “mobilização no Donbass” e “invasão de territórios históricos russos, inclusive na Crimeia”. Países da Otan também teriam fornecido armas ultramodernas aos ucranianos.
Verificação da DW: Falso
O governo ucraniano tem repetidamente afirmado
- que procura uma solução diplomática, não militar, do conflito na região do Donbass, no leste do país
- – onde se localizam as províncias pró-russas de Lugansk e Donetsk, reconhecidas por Putin como “repúblicas populares” pouco antes de marchar sobre a Ucrânia.
Quando, no terceiro trimestre de 2021, a Rússia postou suas tropas ao longo da fronteira ucraniana, não houve qualquer sinal de uma reação militar ucraniana iminente.
- O mesmo se aplica à Península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014 e transformada por ela numa fortaleza militar de fato, equipada com os armamentos mais modernos.
- Mesmo perante esses quadros, Kiev tem se engajado por soluções diplomáticas como a “Plataforma da Crimeia”, com o fim de chamar a atenção para as violações dos direitos humanos na região.
Alguns países-membros da Otan, de fato, forneceram ao país sob invasão armas modernas, como mísseis antitanques, porém de modo hesitante e, de início, restrito.
- Só pouco antes da invasão, no fim de fevereiro, as entregas se intensificaram.
- Armas pesadas, como tanques blindados, só passaram a ser enviados depois da eclosão da guerra.
As alusões de Putin a “territórios históricos” russos são injustificadas.
- Com a dissolução da União Soviética, a Rússia reconheceu as fronteiras da Ucrânia.
- Assim, do ponto de vista do direito internacional, tanto a Crimeia como as províncias no Donbass são territórios ucranianos.
- Uma resolução das Nações Unidas de 2020 confirmou a condenação e o não reconhecimento da anexação da Crimeia por Moscou.
Ucrânia não está dominada por neonazistas
Alegação: Putin acusou a Ucrânia de estar sendo liderada por “neonazistas”, com quem seria “inevitável” chocar-se. No Donbass, civis teriam “morrido pelos disparos arbitrários e ataques bárbaros de neonazistas”.
Verificação da DW: Falso
A identificação da Ucrânia com “neonazistas” é uma assertiva falsa, apesar de insistentemente repetida por Vladimir Putin, seu governo e a mídia estatal russa.
Como pretexto inicial para a invasão do país vizinho, Putin alegou a necessidade de “desnazificação” – conceito com que se descreve a política das Forças Aliadas vencedoras para com a Alemanha, ao fim da Segunda Guerra Mundial.
É falaciosa a comparação entre o regime nacional-socialista da Alemanha, de 1933 a 1945, e a atual Ucrânia, sob democracia constitucional:
- nem Kiev almeja a um sistema totalitário,
- nem há extremistas de direita no poder.
É fato que
- membros radical-nacionalistas também integram o mal afamado Batalhão Azov, que combate os invasores russos no leste do país.
- Porém, nas eleições parlamentares de 2019, a frente unida dos partidos ultradireitistas não conseguiu mais de 2,15% dos votos.
Para o especialista em nacionalismo no Leste Europeu Ulrich Schmid, da Universidade de Sankt Gallen,
- a narrativa do Kremlin e seus seguidores é uma “insinuação pérfida”:
- existem, sim, neonazistas no país, “mas na Rússia há pelos menos tantos grupos de extrema direita quanto na Ucrânia”.
Essa posição conta com amplo respaldo científico:
- numa declaração publicada no periódico Jewish Journal, mais de 300 historiadores e pesquisadores
- classificaram como “propaganda” a suposta “desnazificação” da Ucrânia, concluindo:
“Essa retórica é factualmente falsa, moralmente repulsiva e profundamente ofensiva para os milhões de vítimas do nacional-socialismo.”
Em vez de diálogo, Rússia impôs exigências inaceitáveis à Otan
Alegação: “Em dezembro passado, propusemos firmar um acordo sobre garantias de segurança. A Rússia chamou o Ocidente para um diálogo honesto, busca de soluções de consenso sensatas, consideração pelos interesses recíprocos. Os Estados da Otan não quiseram nos escutar, o que significa que, na verdade, tinham bem outros planos”, disse Putin.
Verificação da DW: Enganoso
O presidente russo se refere a um catálogo de exigências apresentado à Otan em 17 de dezembro de 2021. Entre as oito condições sobre as quais ambos os lados deveriam acordar, a fim de evitar um conflito, as principais eram
- o fim da ampliação da aliança militar para o leste
- e o recuo de suas tropas às posições adotadas em 1997.
Isso implicaria a retirada dos contingentes da Otan
- da Polônia, Hungria, República Tcheca, Bulgária, Romênia,
- países bálticos (Estônia, Letônia, Lituânia)
- e diversos Estados dos Bálcãs.
Além disso, a aliança ocidental
- deveria abrir mão de atividades militares nas vizinhanças da Rússia – sendo a Ucrânia mencionada especificamente.
- Ficariam também banidos mísseis de curto e médio alcance baseados em terra capazes de alcançar o território dos signatários.
Observadores ocidentais consideraram parte das exigências incompatíveis com as diretrizes da Otan.
Segundo seu Artigo 10º,
- a liberdade de se associar a ela é direito de todo Estado soberano, mesmo se tratando de um vizinho da Rússia.
- O país e sua antecessora, a União Soviética, ratificaram esse princípio fundamental em 1975, 1994 e 1997.
Em sua resposta, no fim de janeiro de 2022, a Otan rechaçou a exigência de que suspendesse a admissão de novos países-membros.
Por outro lado,
- acedeu à reivindicação de uma melhora dos canais de comunicação entre Moscou e as capitais ocidentais,
- com vista à reabertura de representações na Rússia e em Bruxelas.
Além disso, o Conselho Otan-Rússia deveria passar a servir ao intercâmbio sobre manobras militares e política nuclear. O secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg,
- dispôs-se, ainda, ao diálogo com Putin sobre controles armamentistas, desarmamento e transparência nos exercícios militares
- – exigindo, em contrapartida, a retirada das tropas russas dos territórios da Geórgia, Ucrânia e Moldávia.
Portanto os fatos não corroboram a versão do chefe do Kremlin, de ter proposto um “diálogo honesto” e não ser “escutado” pelo Ocidente.
Fonte: https://www.dw.com/pt-br/o-que-ha-de-verdade-no-discurso-de-putin-no-dia-da-vitoria/a-61739875
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