Marco Politi – 09-03-2022
Fotos: Kirill e Francisco /Reprodução
“Aqui está o ponto – parece que pode ser entendido – sobre o qual todo o planeta está prendendo a respiração nestas horas.
De Washington a Pequim, de Bruxelas a Brasília, a Tóquio.
Existe um pecado alimentado por paradas de orgulho gays, um pecado ‘condenado pela Palavra de Deus’, que Deus, embora perdoando o pecador como indivíduo, absolutamente não pode aceitar e que os verdadeiros crentes jamais poderão tolerar como padrão de vida”
escreve Marco Politi, jornalista, ensaísta italiano e vaticanista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 08-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Eles teriam que se encontrar o quanto antes possível. Francisco, pontífice romano, e Kirill, patriarca de todas as Rússias. A diplomacia do Vaticano estava trabalhando intensamente para organizar um novo encontro cara a cara após aquele histórico em Havana em 2016.
Aí a situação geopolítica implodiu. Putin invadiu a Ucrânia e Moscou se viu em contraposição frontal com Washington, a União Europeia e a OTAN. Agora tudo parece suspenso. Havia muita expectativa no domingo pela homilia que o patriarca faria para a “festa do perdão”, em 6 de março, uma celebração importante para a tradição ortodoxa russa.
- Muitos se perguntavam, na Rússia mas também internacionalmente e no Vaticano,
- como o patriarca lidaria com a questão da guerra e eventuais perspectivas de paz.
- Sabe-se – e é fato – que o patriarcado de Moscou sempre esteve ao lado do poder estatal.
- No entanto, a linguagem eclesiástica também é rica em nuances há séculos…
Portanto, uma atmosfera de suspense acompanhava a intervenção de Kirill.
A homilia foi desastrosa.
- Nem uma palavra sobre a entrada de tropas russas na Ucrânia e sobre o conflito em curso em torno de suas principais cidades.
- O patriarca só falou do Donbass.
“Por oito anos houve tentativas de destruir o que existe no Donbass”,
exclamou.
“Quem ataca a Ucrânia hoje, onde [verificam-se] oito anos de supressão e extermínio de pessoas no Donbass, oito anos de sofrimento e o mundo inteiro está em silêncio – o que isso significa?”,
continuou em total alinhamento com a política de Putin (que por sua vez rotulou a invasão desde o início como “operação militar especial“).
Num crescendo surreal, o patriarca acabou mencionando a palavra “guerra“.
- Sim, está ocorrendo uma guerra, declarou ele,
- e é a guerra lançada pelas poderosas forças mundiais contra os crentes ortodoxos para impor o credo homossexual, para impor o orgulho gay.
Exige-se uma prova de fidelidade a um complexo de forças prepotentes que defendem o consumo excessivo e uma aparente felicidade e se disfarçam com palavras como “liberdade“.
“Aqueles que reivindicam o poder mundial”,
enfatizou Kirill, pretendem uma prova de submissão, uma
“prova muito simples e ao mesmo tempo aterrorizante: trata-se de um desfile do orgulho gay”.
E quem não se submete é marginalizado pelo “clube” internacional.
Aqui está o ponto – parece que pode ser entendido – sobre o qual todo o planeta está prendendo a respiração nestas horas. De Washington a Pequim, de Bruxelas a Brasília, a Tóquio.
- Existe um pecado alimentado por paradas de orgulho gays,
- um pecado “condenado pela Palavra de Deus”,
- que Deus, embora perdoando o pecador como indivíduo, absolutamente não pode aceitar e que os verdadeiros crentes jamais poderão tolerar como padrão de vida.
Kirill foi lapidar:
“Se a humanidade aceitar que o pecado não é uma violação da lei de Deus… então a civilização humana terminará aí.”
- Culpa mortal das paradas do orgulho gay é demonstrar que o pecado seria apenas uma variante do comportamento humano.
- Sobre isso, no ano da graça de 2022, com o espectro do conflito nuclear pairando sobre os povos, obviamente não se pode transigir!
No entanto, na Igreja Ortodoxa russa se manifestam também fermentos muito diferentes:
- 236 sacerdotes e diáconos russos escreveram recentemente uma carta ao Patriarca Kirill,
- denunciando a guerra “fratricida” em andamento na Ucrânia
- e pedindo um empenho com a reconciliação e um cessar-fogo.
Para as relações ecumênicas e o processo de aproximação entre a Igreja de Roma e a Igreja de Moscou, o texto e o tom da homilia patriarcal representam um choque.
No domingo, o Papa Francisco disse algo bem diferente.
“Na Ucrânia – recordou – se derramam rios de sangue e lágrimas.
- Não se trata apenas de uma operação militar, mas de uma guerra, que semeia morte, destruição e miséria.
- As vítimas são cada vez mais numerosas, assim como as pessoas em fuga…
- Naquele país martirizado, a necessidade de assistência humanitária está crescendo dramaticamente de hora em hora.”
São necessários autênticos corredores humanitários para oferecer a salvação aos “nossos irmãos e irmãs oprimidos pelas bombas e pelo medo”.
Dois cardeais, Konrad Krajewski e Michael Czerny, foram enviados pelo papa à Polônia e à Hungria com a missão de entrar no território ucraniano e verificar diretamente a situação, também em vista do aumento da ajuda humanitária.
O Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin reiterou a disponibilidade da Santa Sé de apoiar novas iniciativas diplomáticas.
- É urgente, ressaltou o cardeal,
“parar as armas, parar os combates, mas sobretudo evitar uma escalada”.
- E também deve ser bloqueada em todas as direções a tendência para uma “escalada verbal” que corre o risco de levar a efeitos militares extremamente arriscados.
Kirill e Francisco se encontraram ha anos em Havana – Foto: Reprodução
Assim Parolin se manifestou na emissora dos bispos TV2000.
O Osservatore Romano coloca na primeira página a eloquente fotografia de um cobertor estendido no chão de onde emerge o braço de um homem morto, com a mão encolhida e suja de sangue.
O título é seco. “Rios de sangue e lágrimas. PAREM!“.
Ao lado da imagem está o editorial intitulado “Chamar as coisas pelo seu nome”.
- Aquela na Ucrânia – está escrito – não é uma operação militar, mas uma guerra.
- Não pode valer subterfúgio verbal para mascarar a cruel realidade dos fatos.
No domingo,
- o Patriarca Kirill evocou uma luta “metafísica”
- entre aqueles que querem impor a normalidade do pecado homossexual e aqueles que resistem.
É preciso rezar, continuou ele, para que o povo ortodoxo de Donbass preserve a sua fé e não sucumba à tentação.
“Devemos rezar para que a paz chegue o mais rápido possível, para que o sangue de nossos irmãos e irmãs pare de ser derramado e para que o Senhor tenha misericórdia da terra de Donbass…”.
No domingo, Francisco frisou:
“Imploro que cessem os ataques armados e que a negociação prevaleça – e também prevaleça o bom senso. E voltemos a respeitar o direito internacional!”.
Nesse cenário, a divergência hoje parece total.
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Marco Politi
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