Gil Luiz Mendes – 14 Janeiro 2022 – Foto: reprodução
Estudo da Human Rights Watch aponta ameaças às instituições democráticas, condução da pandemia e violência policial como principais pontos de ataques aos direitos humanos no ano passado no país.
A reportagem é de Gil Luiz Mendes, publicada por Ponte, 13-01-2022.
A ONG Humans Rights Watch (HRW) apresenta nesta quinta-feira (13/01) o Relatório Mundial 2022. É a 32ª edição do estudo que analisa as práticas de direitos humanos em mais de 100 países.
- O Brasil aparece no documento como um país que precisa de atenção da comunidade internacional em 2022 por ser um ano eleitoral
- e por ter um governante que em diferentes vezes atacou instituições que são pilares da democracia, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e a imprensa.’
Outros pontos em relação ao Brasil observados dentro do estudo
- incluem a forma como a foi tratada a pandemia e todo o processo que envolveu a vacinação da população no ano passado.
- O crescimento da letalidade policial e o aumento do desmatamento na Amazônia também foram destacados no levantamento como problemas históricos do país e que seguiram problemáticos em 2021.
O documento aponta que há um crescimento de governos autocráticos ao redor do mundo e reforça a importância de problemas globais que precisam ser resolvidos em um curto prazo como a mudança climática, a pandemia de Covid-19, a pobreza e a desigualdade, a injustiça racial.
- “Em um país após o outro, um grande número de pessoas tem saído às ruas, mesmo correndo o risco de serem presas ou mortas,
- o que mostra que o apelo à democracia ainda continua forte.
- Mas os líderes eleitos precisam fazer mais para enfrentar os principais desafios e mostrar que governos democráticos entregam suas promessas”
afirmou Kenneth Roth, diretor executivo da Humans Rights Watch.
Democracia sob ameaça
O estudo elenca alguns episódios ocorridos em 2021 que mostram que
- o presidente da República ameaçou de forma explícita a democracia no Brasil,
- como as frequentes tentativas de intimidação de Jair Bolsonaro a ministros da Suprema Corte do país,
- que investiga as possíveis interferências do presidente em nomeações na Polícia Federal para defender interesses pessoais.
“Em agosto de 2021, o presidente
- ameaçou reagir às investigações fora das ‘quatro linhas’ da Constituição
- e encaminhou ao Senado um pedido de impeachment do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que conduz a maioria das apurações contra o presidente.
- O pedido foi rejeitado pelo presidente do Senado”,
diz um trecho do relatório.
- Mesmo em ano eleitoral e diante de pesquisas que mostram que aprovação dos seu governo está diminuindo,
- Jair Bolsonaro segue em atrito com diferentes instituições e órgãos da sociedade.
“Ele é um presidente que seu discurso atualmente tem pouca aderência inclusive em boa parte dos seus antigos apoiadores”,
diz a diretora do HRW no Brasil, Maria Laura Canineu.
Em outro trecho o documento aponta que
- o sistema eleitoral brasileiro esteve sob ameaça do governo federal
- foi posto à prova pelo presidente, que questionou a segurança das urnas eletrônicas que são usadas há mais de duas décadas no país em diferentes eleições.
- “O presidente Bolsonaro procurou desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, alegando fraude eleitoral sem nenhuma evidência.
- O Congresso rejeitou uma emenda constitucional defendida por Bolsonaro para mudar o processo eleitoral.
- Em seguida, Bolsonaro sinalizou que poderia cancelar as eleições, a menos que suas propostas fossem implementadas”,
lembra o relatório.
O Brasil e a pandemia
Os confrontos entre o governo brasileiro e diferentes órgãos e entidades de saúde durante o período em que o mundo está tendo que conviver com a Covid-19 é detalhado no levantamento.
- Além de ter um comportamento relapso em relação à compra das vacinas para o país,
- a HWR lembra as inúmeras vezes que o governo não atendeu as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS)
- e é taxativa ao dizer que o Brasil não soube enfrentar a pandemia e usa a educação do país como exemplo.
“O governo brasileiro fracassou em sua resposta ao enorme impacto da pandemia de Covid-19 na educação. Segundo a UNESCO,
- as escolas brasileiras ficaram fechadas por 69 semanas entre março de 2020 e agosto de 2021 devido à pandemia.
- A falta de acesso a dispositivos adequados e à Internet, necessários para a educação online,
- excluiu milhões de crianças da escola, impactando especialmente crianças negras e indígenas, e aquelas de famílias de baixa renda”,
aponta o relatório.
Na avaliação dos pesquisadores,o que era uma questão de saúde pública virou um embate político. O estudo faz menção à investigação feita pelo Senado Federal
- para apontar responsáveis por falhas durante a pandemia no Brasil
- e os indícios de corrupção por parte de agentes públicos para a compra de vacinas.
“Uma CPI do Senado sobre a resposta à Covid-19 revelou que o governo federal e autoridades locais falharam no fornecimento de oxigênio a hospitais no estado do Amazonas, levando a dezenas de mortes em janeiro de 2021. Também encontrou evidências de corrupção na compra de vacinas e falhas na resposta do governo”,
diz o texto do relatório.
Violência policial
A letalidade da polícia brasileira ocupa um bom espaço dentro do relatório da HRW. Um dado comparativo lembrado pelo pesquisadores é que,
- depois de dois anos em números decrescentes,
- número de mortes violentas intencionais aumentou quase 5% no ano passado em relação a 2020.
Usando como base um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o relatório mostra que
- a polícia matou mais de 6.400 pessoas em 2020 (último ano com dados disponíveis),
- sendo o maior número de mortes atribuídas às forças de segurança do país.
“Embora algumas mortes por policiais ocorram em legítima defesa, muitas resultam do uso ilegal da força.
- Os abusos policiais contribuem para um ciclo de violência que compromete a segurança pública e põe em risco a vida de civis e dos próprios policiais.
- Em 2020, 194 policiais foram mortos, 72% deles estavam fora de serviço, de acordo com o FBSP”,
diz o relatório.
A chacina do Jacarezinho, ocorrida em maio de 2021, éonde 28 pessoas forma mortas pela Polícia Civil na favela carioca,
- é apontada como a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro
- e usada como exemplo no estudo para mostrar o tamanho da violência das polícias no Brasil.
O levantamento lembra que as informações sobre a ação da polícia neste dia foram colocadas em sigilo por cinco anos.
- “A imprensa reportou que a polícia se recusou a fornecer as roupas das vítimas ao Ministério Público, que precisou solicitar uma ordem judicial para fazer buscas em estabelecimentos policiais.
- Em outubro, promotores denunciaram dois policiais por fraude processual e um deles por homicídio”,
destaca uma parte do texto do relatório.
- “Esse é um ano eleitoral ao mesmo tempo que é desafiador para o país.
- Temos um presidente que continua atacando os pilares da democracia e boa parte do ano de 2021 foi marcado por isso.
- Queremos chamar a atenção da comunidade internacional para o que acontece no Brasil e o que pode vir acontecer este ano”,
sintetiza Maria Laura Canineu.
Outro lado
A reportagem procurou a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto para comentar as conclusões do relatório da HRW mas o e-mail de contato parece ter sido bloqueado para a Ponte.
.
Gil Luiz Mendes
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