“Pedimos para negociar uma redução equilibrada dos gastos militares globais a serem reinvestidos para enfrentar os graves problemas do nosso tempo: aquecimento global, epidemias e pobreza”. A lista de signatários também inclui os prêmios Nobel Giorgio Parisi e Olga Tokarczuk. E há os italianos Annibale Mottana (presidente da Academia Nacional de Ciências dos XL) e Roberto Antonelli (presidente da Accademia dei Lincei). O apelo pode ser lido e assinado no site.
A entrevista com Carlo Rovelli é editada por Raffaella De Santis, publicada por La Repubblica, 14-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Foto: Carlo Rovelli / DAQUI
Professor você pode explicar melhor do que se trata?
Na base está uma ideia simples: a humanidade tem problemas comuns graves, para enfrentá-los é preciso recursos, que são difíceis de encontrar.
Mas há uma maneira de encontrá-los:
- colaborar e negociar uma diminuição comum dos gastos militares, que dobraram em todos os lugares de 2000 até hoje.
- Mesmo uma pequena redução de 2% ao ano durante cinco anos liberaria um enorme “dividendo da paz”: um trilhão de dólares daqui a 2030,
- um valor muito superior do que o que é agora destinado para a colaboração internacional.
Fiquei surpreso com a adesão entusiástica de tantos ganhadores do Prêmio Nobel, incluindo o Dalai Lama. E não escondo o fato de que gostaria do apoio do Papa Francisco.
Existe um terreno comum em nome de uma ética humanitária?
Sou ateu de forma convicta, mas compartilho muitos valores e urgências com o mundo católico. O empenho pela paz e o meio ambiente do Papa Francisco é bem conhecido e espero que o pontífice possa apreciar esta nossa iniciativa.
Você não teme que o projeto possa parecer demasiado idealista?
De acordo com dados recentes da Oxfam, onze pessoas em todo o mundo correm o risco de morrer de fome a cada minuto. Recursos enormes são necessários para enfrentar este e outros problemas. Mas, como mostraram as últimas conferências sobre o clima, não é fácil costurar um acordo entre os países ricos e aqueles pobres.
- Com este apelo, tentamos responder de forma não ilusória ou retórica.
- Pedimos aos governos de todo o mundo que se sentem à volta de uma mesa e negociem para valer.
Pode-se tentar mudar a sociedade a partir da ciência?
A ciência é um instrumento eficaz, mas também flexível.
- Podemos usá-la para matar os outros, como mostram os colossais investimentos em pesquisas militares.
- Ou para produzir vacinas que nos protegem das doenças,
- para entender o que está acontecendo com o clima,
- para racionalizar a distribuição de alimentos no planeta.
De um modo geral, oferece instrumentos para a humanidade. Mas para mudar o mundo em uma direção mais justa, o que é preciso não é a ciência: é a política.
Anos atrás, Michel Serres propôs um pacto entre cientistas e políticos pelo cuidado da Terra. Isso lhe parece um caminho viável?
É um terreno perigoso.
- A política deve encarregar-se da mediação entre diferentes interesses e sistemas de valores
- e para isso pode ouvir a ciência, mas não pode delegar aos cientistas as decisões, nem não se responsabilizar.
A desconfiança em relação à ciência nasce dessa confusão,
- pelo fato de que a ciência está demais ao lado do poder
- em uma sociedade onde as desigualdades crescem e muitos se sentem cortados da participação.
O resultado é uma perda de credibilidade.
Quanto pesou essa desconfiança durante a Covid?
Os cientistas foram acusados de se contradizerem,
- sem entender que a ciência é um processo de conhecimento, em constante evolução.
- Os cientistas não são o oráculo de Delfos.
A propósito de ciência e sociedade. Existe uma tradição de cientistas ativistas que mostra como o desenvolvimento científico é compatível com a defesa dos direitos humanos.
O famoso manifesto de Bertrand Russell e Albert Einstein apresentado em Londres em 1955 para denunciar os riscos das armas atômicas e que levou à Conferência de Pugwash, mais tarde premiada com o Prêmio Nobel, talvez tenha salvado a humanidade de um desastre nuclear.
Aquele documento é o germe que levou aos tratados entre os Estados Unidos e a União Soviética, que desde a década de 1980 reduziram seus arsenais nucleares em 90%.
Como você explica o empenho social de tantos homens da ciência?
Parte do que está em jogo é o que antigamente se chamava de papel do intelectual.
- Aqueles que praticam a ciência estão cientes de ocupar uma posição de privilégio e, portanto, se sentem investidos de uma responsabilidade.
- Se um policial testemunha uma agressão enquanto está fora de serviço, ele intervém.
- O mesmo acontece a nós cientistas.
Empenhar-se em causas humanas e civis torna-se uma forma de viver o nosso papel com responsabilidade. Além de Einstein, pensamos em Sakharov ou, hoje, em Noam Chomsky.
Ou nos jovens do Vale do Silício, de onde começou a revolução informática. Anos atrás, um livro de David Kaiser, “How Hippies Saved Physics”, contava isso. Os cientistas são mais capazes de interceptar o espírito do tempo?
A ciência não é uma torre de marfim isolada do resto do pensamento. Está em constante troca de ideias com tudo o que acontece ao seu redor.
- E não há dúvida de que a cultura hippie daqueles anos vivia imersa em um contexto de mudanças. Aquele livro reconstrói isso.
- Foi um momento importante para a física porque reabriu a discussão sobre os fundamentos da mecânica quântica, que havia se apagado depois dos anos 1930. Um período muito intenso que teve efeitos clamorosos na sociedade.
Steve Jobs e a Apple resultaram daí.
Uma contracultura da qual você também vem, estudante em Bolonha na década de 1970. É verdade que foi preso por ter se recusado a prestar o serviço militar?
Sim, naquela época ainda era obrigatório. Aconteceu durante uma manifestação pela paz.
Os ideais, portanto, permaneceram os mesmos da juventude?
Os valores são sempre aqueles.
E que papel desempenhou o estudo da física quântica?
Bem, estudar física quântica é um antídoto extraordinário contra todo realismo demasiado ingênuo. A realidade é complexa, nós fazemos parte dela. Nós mesmos, nosso conhecimento, nossas ideias, nosso raciocínio e também nosso senso moral e nosso empenho político, nós somos elos de uma rede mais ampla. Por isso é mais razoável colaborar do que combater.
O que seríamos nós, humanos, sem um tecido de relações?
Seríamos seixos. Só que descobriríamos depois, graças à quântica, que mesmo aqueles seixos não existiriam sem relações.
.
Raffaella De Santis
Leia mais:
- Um fundo global para resolver os problemas do planeta. Artigo de Carlo Rovelli
- “É preciso interpretar a realidade como um tecido de relações”. Entrevista com Carlo Rovelli
- Um pequeno tesouro para os jovens. Artigo de Carlo Rovelli
- “Somos vibrações fugazes, entre bilhões de estrelas”. Entrevista com Carlo Rovelli
- Fechar-se ao outro não adianta nada. Artigo de Carlo Rovelli
- O fim da vida é uma questão de humanidade. Artigo de Carlo Rovelli
- Em sua mensagem de paz, o papa Francisco convida os líderes mundiais a reduzirem os gastos militares
- “Fratelli Tutti”: Papa propõe fundo mundial contra a fome, financiado por atuais despesas militares
- Vídeo do Papa: É uma absurda contradição falar de paz e permitir o comércio de armas – Francisco
- O corte das despesas militares poderia reduzir a pobreza e as emissões de CO2
- Gasto militar mundial cresce 2,6%, empurrado por Estados Unidos e China. “É uma nova corrida armamentista”
- Despesas militares recorde no mundo: 1.739 bilhões de dólares em 2017. Na Rússia os gastos diminuem, o maior aumento é na China
- O mundo desperdiçou 1,74 trilhão de dólares em despesas militares em 2017
- Faltam vacinas, mas sobram armas
- Em Roma, Papa Francisco e líderes religiosos rezam pela paz: “Menos armas, mais comida e mais vacinas”
- O papa, Einstein e o risco nuclear
- Ciência e capitalismo em tempos de covid
- Não há desenvolvimento sem ciência. Entrevista com Renato Janine Ribeiro
- “Brasil corre risco de ter apagão científico”
- A insuficiente necessidade da ciência
- ‘Sem ciência o futuro está completamente comprometido’, entrevista com Fernanda Sobral, conselheira da SBPC
Leave a Reply