Luigi Manconi – 13 Dezembro 2021 – Foto: Clarin/Reprodução
Luigi Manconi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Itália, em artigo publicado por Repubblica, 11-12-2021, comenta a última entrevista concedida pelo Papa Francisco na viagem de regresso da Grécia. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
‘Os pecados da carne não são os mais graves: os mais graves são “a soberba e o ódio”, que envolvem a opressão do homem pelo homem.
Somente quem nunca frequentou uma Igreja e nunca se ajoelhou em um confessionário pode subestimar a dimensão dessas palavras, proferidas pelo Papa Francisco durante a viagem de volta da Grécia e de Chipre.
São afirmações que poderiam afetar profundamente a mentalidade da Igreja Católica:
- ou seja, na perspectiva com que as hierarquias eclesiásticas e o clero olham para aquela esfera tão íntima e delicada e, ao mesmo tempo, tão decisiva na definição da personalidade humana, que é a sexualidade.
- E as consequências que tudo isso terá na consciência moral e nos estilos de vida do povo dos fiéis são facilmente imagináveis.
Trata-se de mudanças em curso, subterraneamente, há meio século,
- mas as palavras do Papa parecem querer determinar uma aceleração,
- com uma combinação inteligente de sabedoria antiga, bom senso pragmático e indulgência humana.
Em primeiro lugar,
- o pontífice, com palavras informais e com alguns traços astutos (pode-se falar “astuto” do Papa?),
- reiterou aquele seu “quem sou eu para julgar”que, em julho de 2013, anunciou uma mudança significativa na avaliação da questão homossexual.
- Ao fazê-lo, o pontífice exalta a virtude da misericórdia que, desde os textos bíblicos, é um “atributo de Deus” – o próprio nome de Deus – que deve sempre prevalecer sobre o pensamento e o ato de julgar.
O juízo também é um fundamental “atributo de Deus”,
- mas é como se operasse à luz daquela essência divina que expressa especialmente, segundo a teologia, bondade, longanimidade, graça. É o Deus amor.
- E a sua Igreja deve saber que o arcebispo de Paris, que renunciou porque teria mantido relações “ambíguas” com uma mulher, “é um pecador como eu” (é Francisco quem fala):
- e deve comportar-se como a igreja de Pedro, “uma igreja normal, na qual todos estavam acostumados a se sentir humildes pecadores”.
Dessa consciência da fragilidade humana descende, justamente, a misericórdia que sabe compreender e acolher:
“Foi uma falta contra o sexto mandamento, não total, mas de pequenas carícias, massagens que o Arcebispo fazia à secretária”.
Com infinita e, aparentemente, ingênua simplicidade,
- o Papa Francisco derruba uma antiga abordagem sexofóbica, que havia levado a Igreja, a sua teologia moral e a sua pastoral,
- a elaborar uma espécie de “preceitística” meticulosa e detalhada, inquisitória e pruriginosa.
Uma manualística onde o limiar do pecado era definido
- pela profundidade de um beijo ou pela lascívia de uma carícia,
- pelo perímetro anatômico respeitado ou violado,
- pelo código dos atos consentidos, por aqueles proibidos e por aqueles tolerados.
- Até a casuística da concupiscência e a maldição do onanismo.
Agora, o Papa Francisco parece escapar de tudo isso, partindo de um critério de razoabilidade, apoiado em uma consideração de ordem teológica: “Os pecados da carne não são os mais graves”.
As consequências poderiam ser bastante importantes,
- a ponto de colocar em discussão aquele preceito, considerado imutável, da coincidência absoluta entre o ato sexual e a finalidade procriativa
- (sobre a qual, entretanto, Paulo VI havia iniciado uma reflexão inovadora).
Para chegar a considerar aquele ato como fundamental da experiência humana.
- Isso, além de ter possíveis consequências práticas – no que diz respeito à contracepção, relações pré-matrimoniais … –
- significaria repensar desde as raízes o conceito do prazer, e do prazer físico, até aqui removido ou mortificado,
- e acolhê-lo como uma das formas em que se expressa a personalidade humana.
Já há algum tempo, dentro da Igreja, alguns sinais da virada bergogliana podiam ser percebidos.
Dom Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, escreveu em um livro recente que
“hoje existe uma relação mais serena entre a Igreja e o prazer”; e que
“o prazer e o gozo não foram criados pelo diabo, mas fazem parte do plano divino”. E ainda:
“O Cristianismo não é de forma alguma contra a paixão e a alegria do prazer que deriva da satisfação da paixão”.
Essas são afirmações que parecerão escandalosas para uma parte (talvez majoritária) da Igreja e que estão destinadas a encontrar resistências e hostilidades.
Um pequeno indício disso é o fato de que, conforme assinalado por Adriano Sofri no Il Foglio,
- uma agência católica de notícias chegou a modificar “carícias” por “carências” e “massagens” por “mensagens”,
- atribuindo a Francisco exatamente o contrário do que foi dito: “Os pecados da carne são os mais graves”.
Mesmo nesta questão, portanto, dentro da Cúria Romana e da Igreja universal, é previsível que o confronto e o conflito sejam muito intensos e com resultados incertos. Mas, sabemos, o tempo da Igreja é medido em milênios.
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Luigi Manconi
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/615227-a-virada-do-papa-sobre-o-sexo
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“Os pecados da carne não são os mais graves: os mais graves são “a soberba e o ódio”,
Então não entendo porque o Bispo de Paris teve de renunciar por causa umas carícias nas costas de uma mulher e o Cardeal Marx de Munique e outros puderam ficar apesar de terem encoberto abusos sexuais contra crianças. Estes últimos, se a acusação é verdade, pecaram pela soberba, achando que a Igreja Católica pode varrer pecados de agressões contra corpo e alma por debaixo do tapete para “salvar” a reputação da Igreja.