Giordano Cavallari – 14 Outubro 2021
Encaminhamos a Gianfranco Pacchioni, professor de Química da Universidade de Milão-Bicocca e empenhado autor de textos sobre o meio ambiente, algumas perguntas a esse respeito.
A entrevista é de Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 11-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Professor Pacchioni, o apelo assinado por religiosos e cientistas afirma: “Não somos donos sem limites do nosso planeta e de seus recursos”: como o senhor comenta isso como homem de ciência?
A Terra é um planeta com dimensões e recursos finitos. Até a revolução industrial, a exploração dos recursos abrangia uma parte infinitesimal daqueles disponíveis, dando a impressão de que fossem de fato inesgotáveis.
O vertiginoso desenvolvimento da população e sobretudo dos nossos consumos, especialmente no século passado,
- deixaram evidente que muitos recursos naturais, nesse ritmo de consumo, não serão suficientes para as necessidades.
- Então a ideia – toda a ser realizada – da economia circular, ou seja, da passagem do produto ‘descartável’ para a reciclagem e reaproveitamento de tudo o que for possível.
“Somos profundamente interdependentes uns com os outros e com o mundo natural”: como podemos colocar isso em termos mais estritamente científicos?
Minha visão é que nós – Homo Sapiens –
- somos parte integrante do mundo natural, não estamos quimicamente separados do ambiente natural que nos rodeia e somos quimicamente dependentes dele, em sua totalidade.
- E, no entanto, nos tornamos ‘dominadores’: subjugamos quase todas as espécies animais e a maioria das vegetais e também estamos transformando o mundo.
Portanto, hoje se fala em Antropoceno, ou seja, de uma nova era geológica em que a pegada humana é muito forte, mais do que em qualquer outra anterior.
Para perceber o quanto somos parte da natureza,
- basta dizer que os átomos de carbono de que nosso corpo é feito estavam, no passado, dentro de moléculas de CO2
- e estão destinados, mais cedo ou mais tarde, a retornar dentro de moléculas de CO2.
- Somos parte integrante do ciclo do carbono.
As nossas existências são finitas, enquanto as átomos de que somos constituídos persistem por muito mais tempo do que nós.
O documento menciona o “fracasso” da abordagem do homem – especialmente do ocidental – ao mundo. O que foi errado?
O que definitivamente mostra seus limites
- é o modelo de desenvolvimento capitalista, baseado em consumos e em endividamentos em constante crescimento.
- O desenvolvimento é medido pelos consumos.
- Enquanto o que deveria ser medido como índice de desenvolvimento é o nível de felicidade alcançado pela humanidade,
- em vez de medir o quanto as pessoas consomem e descartam.
O modelo econômico capitalista
- teve um extraordinário efeito impulsionador no desenvolvimento das nossas sociedades,
- mas não foi capaz de olhar e ainda não sabe ver as consequências a longo prazo que – desta forma – são descarregadas sobre as gerações futuras.
Devemos necessariamente corrigir essa tendência.
“A fé e a ciência são pilares essenciais da civilização humana”: o que o senhor pensa sobre isso?
Penso que seja absolutamente necessário colocar o Homem no centro das nossas atenções – obviamente sem hierarquias de gênero -, aquele com ‘H’ maiúsculo, isto é, a natureza humana dos seres pensantes, conscientes, dotados de uma dignidade pessoal singular.
O desenvolvimento das poderosas tecnologias – resultado do aumento dos conhecimentos científicos –
- deve ser efetivamente colocado a serviço do Homem, ao invés de condicioná-lo – como vemos – de forma negativa;
- deve ter como objetivo reduzir as desigualdades, não as aumentar.
Infelizmente – no momento – ainda está acontecendo o exato oposto.
Imagem: Reprodução
O que pode significar, em poucas palavras, “plena sustentabilidade dos nossos edifícios, terrenos, veículos”, “redução da pegada de carbono”, “investimentos em energia renovável e agricultura reparadora”?
Primeiro,
- precisamos estar claramente cientes de que não podemos continuar a fazer como sempre fizemos, como se nada de relevante estivesse acontecendo.
- Precisamos mudar radicalmente os nossos comportamentos, para torná-los mais ‘sustentáveis‘: mas não será nada fácil!
Isso pode ser alcançado em dois níveis:
- o primeiro é individual, com escolhas – e também renúncias! – conscientes;
- a outra é social e coletiva, com a atuação dos governos e dos organismos internacionais.
Na prática, isso deveria se traduzir em uma rápida – mas nada fácil – transição energética capaz de reduzir a chamada ‘pegada de carbono’,ou seja, a quantidade de CO2 emitida para a atmosfera como resultado das atividades humanas.
O documento contém o apelo ao “incentivo às nossas instituições educacionais e culturais”. O senhor é um professor universitário e escreveu livros sobre questões ambientais. Sente-se envolvido?
Eu diria que sim. O aspecto educacional é obviamente fundamental. Pelo menos desse ponto de vista, estamos testemunhando mudanças profundas.
- Hoje fala-se muito de temas que até 2-3 anos atrás eram restritos aos debates dos especialistas, sem poder despertar grande interesse na opinião pública.
- Mas há pelo menos trinta anos a comunidade científica vem tentando alertar sobre questões ambientais e climáticas.
Somente graças aos movimentos juvenis algo grande começou a se mover. Portanto, há esperança.
Uma última pergunta: na Itália, também à luz dos programas PNRR, estamos respondendo adequadamente aos apelos contidos no documento ‘rumo à COP26’?
A Itália e a Europa perceberam a importância da virada e estão tomando providências importantes. Mas existe um grande problema.
- A Europa produz 8% de todas as emissões mundiais de dióxido de carbono,
- o restante vem de outras regiões do mundo.
Se essa virada não for global, se permanecer limitada a países onde a sensibilidade às questões ambientais se tornou mais forte, obviamente não será possível implementar soluções eficazes. Enquanto as consequências das ações e das omissões recairão sobre todos.
Giordano Cavallari
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/613616-cop26-os-recursos-finitos-da-terra
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