Outra Saúde – Newsletter
Bastaram 48 horas – e constatações importantes sobre as correlações de forças em jogo – para que o então raivoso e radicalizado Bolsonaro fizesse, inclusive, elogios rasgados à China e destacasse, em reunião dos Brics, a importância da “parceria” com o país para a “gestão adequada da pandemia no Brasil”.
É outro tom, que em nada lembra os ataques de toda ordem ao país asiático, usados inclusive para insuflar as bases bolsonaristas através do mais caricato anticomunismo a uma “defesa do Brasil contra a ameaça comunista” nas manifestações de dias atrás.
PASSO ATRÁS: ATÉ QUANDO?
“Minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”.
Nem parece o mesmo Bolsonaro que, no 7 de setembro, subiu o tom,
- ameaçou o Supremo Tribunal Federal,
- questionou as eleições
- e disse que “só sairia morto” de Brasília.
Mas é.
O dia de ontem marcou um grande recuo nas movimentações golpistas, operado com a participação decisiva de Michel Temer (articulada pelo Centrão) e cristalizado em uma “Declaração à Nação” de tom conciliador e recheada de acenos a Alexandre de Moraes e ao STF.
Bastaram 48 horas – e constatações importantes sobre as correlações de forças em jogo – para que
- o então raivoso e radicalizado Bolsonaro
- fizesse, inclusive, elogios rasgados à China
- e destacasse, em reunião dos Brics, a importância da “parceria” com o país para a “gestão adequada da pandemia no Brasil”.
É outro tom, que em nada lembra os ataques de toda ordem ao país asiático, usados inclusive para insuflar as bases bolsonaristas através do mais caricato anticomunismo a uma “defesa do Brasil contra a ameaça comunista” nas manifestações de dias atrás.
Sabemos que ainda é cedo para análises taxativas, mas é importante
- botar na conta dos acontecimentos que precederam o passo atrás o próprio desenho dos atos do dia 7,
- além das respostas de diferentes setores às sinalizações de ruptura institucional.
Como comentamos aqui, é de se destacar que Bolsonaro esperasse 2 milhões na Paulista e tenha mobilizado cerca de 125 mil pessoas.
- Lembremos também que, depois da agitada noite do dia 6 em Brasília,
- o clima de invasão ao STF ou “tomada das instituições” foi diluído,
- enquanto a cúpula das Forças Armadas parecia esperar quieta o desenrolar dos acontecimentos, evitando até mesmo aparecer no palanque ao lado do presidente.
A movimentação do STF
- na véspera (pressionando a Polícia Militar do DF e as Forças Armadas a conterem as tentativas de invasão ao Planalto),
- no próprio dia 7 e no pós (com destaque às declarações dos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso) também parece ter indicado mais contundência e menos tolerância que o usual às ameaças de Bolsonaro.
Enquanto partidos do Centrão
- declararam publicamente que iriam iniciar discussões sobre adesão aos pedidos de impeachment do presidente,
- os donos do dinheiro operaram no mercado financeiro
- dando sinais bem claros de que não embarcariam (dessa vez, ou pelo menos agora) na aventura golpista.
Mas, como as idas e vindas são uma marca registrada da gestão bolsonarista da política, há quem entenda o recuo como uma calculada movimentação tática.
Bolsonaro,
- aparecendo como bombeiro do incêndio que ele mesmo criou,
- acalmaria os ânimos, ganharia tempo e estabilidade para voltar mais adiante com mais uma investida golpista de seu projeto fascistizante.
De todo modo, se considerarmos que
- a ideia do dia 7 era “contar garrafas”, medir forças, avaliar possibilidades para um futuro golpe
- ou mesmo executá-lo caso a janela de oportunidades fosse arrombada pela base bolsonarista mais fiel e radicalizada que ocupou Brasília,
- é preciso reconhecer que algo deu errado. Se definitivamente ou não, ainda parece cedo para dizer.
Quem não gostou nada do cavalo-de-pau em direção à versão comedida de Bolsonaro foi justamente sua base menos pragmática e mais “ideológica”.
Os setores de caminhoneiros mobilizados pelo agronegócio,
- que bloqueavam estradas e aguardavam com grandes expectativas o momento em que o estado de sítio seria anunciado (acompanhado da destituição de todo o Supremo),
- custaram a acreditar que seu próprio “mito” havia pedido que voltassem às suas casas e desistissem das manifestações.
Mandar áudio para grupo de Whatsapp não bastou, e foi preciso chamar ministros como Tarcísio Freitas e Damares Alves para ajudar na força-tarefa de desmobilização.
Bolsonaro foi acusado de traição e fraqueza por uma base desapontada e abandonada.
- Enquanto a balança parece pender, mesmo que momentaneamente, pro lado oposto de Bolsonaro,
- setores da direita tradicional e do capital indicam o descolamento do governo
- para salvar o programa econômico que os unifica.
Seja qual for a natureza do recuo, do lado de cá, acreditamos que
- insistir na construção de alternativas pautadas pela garantia de direitos e em contraposição à agenda ultraliberal é uma exigência do momento,
- que pode tanto evitar a captura – e esvaziamento – da oposição ao projeto fascista
- quanto manter a guarda alta para o caso de futuras investidas golpistas.
CHAPA QUENTE
Apesar dos mais recentes elogios de Jair Bolsonaro à parceira entre Brasil e China durante a pandemia, a troca de farpas entre o Ministério da Saúde e o governo paulista em relação à CoronaVac continua firme.
O ministro Marcelo Queiroga disse recentemente que uma das razões para não se usar esse imunizante nas terceiras doses é o fato de ele não ter obtido o registro definitivo na Anvisa (o que não é exatamente o melhor argumento).
Ao contrário da Pfizer e da AstraZeneca, o Instituto Butantan ainda não solicitou esse registro.
Segundo a apuração do Valor,
- o governo federal e a Anvisa suspeitam que o adiamento do pedido se deva a um receio de que novos dados atestem uma eficácia global inferior a 50%,
- o que poderia significar a suspensão do seu uso.
Falta entregar os dados completos dos testes clínicos e também os do estudo realizado em Serrana.
A reportagem diz ainda que, independentemente desses resultados,
- o Ministério não pretende usar a CoronaVac no ano que vem, caso haja a necessidade de aplicar doses de reforço na população.
- E que deve ser priorizada a Comirnaty, da Pfizer, que já tem tratativas para um novo contrato (além de um acordo para ser produzida pela brasileira Eurofarma).
Só vale lembrar que temos também a AstraZeneca, com a Fiocruz.
NOVA FASE
O Brasil está administrando mais a segunda dose de vacinas contra a covid-19 do que a primeira desde a semana passada, observa o Estadão.
É a primeira vez que isso acontece em um contexto de cobertura com a primeira dose já alta (65,1% da população). Isso significa que, embora seja importante continuar o esforço para alcançar quem ainda não se vacinou, é hora de garantir que todas as segundas doses sejam aplicadas.
Um problema:
- vários estados estão com risco de desabastecimento dos imunizantes de Oxford/AstraZeneca, o que pode ser agravado pela decisão de reduzir o intervalo entre as doses de 12 para oito semanas.
- Em São Paulo isso já está acontecendo: só na capital, metade dos postos não tem essa vacina disponível para a segunda dose.
O governo paulista responsabiliza o Ministério da Saúde pelo “apagão”; a pasta rebate, dizendo que o problema foi o estado ter usado como primeira dose os imunizantes destinados à segunda.
É importante ressaltar que o governo federal autorizou o uso de Pfizer para a segunda dose, na falta da AstraZeneca (o que tem sido feito em outros países também, com bons resultados).
Outro problema:
mesmo quando há doses disponíveis, as pessoas se esquecem de voltar para completar o esquema vacinal. Esse é um fenômeno conhecido, que tende a ser pior quando o intervalo entre as doses é longo.
Só que o Ministério da Saúde não tem feito muito para combatê-lo.
- O ministro Marcelo Queiroga às vezes fala sobre a necessidade do retorno; a pasta até divulgou algumas peças publicitárias; mas nunca passou muito disso.
- E uma estratégia eficaz já deveria ter sido pensada há tempos.
“Precisamos de algum mecanismo para lembrar a pessoa, seja uma mensagem de texto, ligação, e-mail”,
sugere a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin, também no Estadão.
O FIM DA PACIÊNCIA
Com os casos e mortes por covid-19 nos Estados Unidos atingindo níveis que não eram vistos desde março – e com a taxa de vacinação praticamente estagnada –,
- o presidente Joe Biden anunciou ontem uma série de mudanças para tentar atingir as 80 milhões de pessoas que já podem se vacinar mas não o fizeram.
- “Temos sido pacientes, mas nossa paciência está se esgotando. E sua recusa é um custo para todos nós”,
disse, no movimento mais duro até aqui.
Ele assinou uma ordem executiva que torna obrigatória a vacinação de todos funcionários do Poder Executivo e de todas as agências federais.
A medida faz parte de um plano multifacetado que afeta inclusive o setor privado:
- vai ser criada uma regra emergencial obrigando que todas as empresas com mais de 100 funcionários exijam a vacinação de seus empregados
- ou, alternativamente, os testem no mínimo uma vez por semana.
Os empregadores também serão obrigados a conceder licença remunerada para os funcionários poderem ir se vacinar.
Biden pediu ainda que
- os governadores dos estados exijam a vacinação dos trabalhadores das escolas – ela já vai ser obrigatória para os que atuam em programas administrados pelo governo federal –
- e que sejam implementados testes regulares.
E também faz parte do plano a polêmica aplicação de doses de reforço em toda a população.
Mas aí há um entrave: a FDA (equivalente à Anvisa) não apoia a proposta do reforço generalizado, uma vez que não há evidências fortes o suficiente para embasá-lo.
Governadores republicanos se manifestaram prontamente.
- Greg Abbott, do Texas – que está com os hospitais cheios de pacientes, em geral não vacinados – disse ter emitido uma ordem executiva para proteger o direito de escolha dos texanos.
- Mas, em seu discurso, Biden mandou o recado:
“Se esses governadores não nos ajudarem a vencer a pandemia, usarei meu poder como presidente para tirá-los do caminho”.
COMEÇOU BEM
Comemoração emocionada e expectativa de vitória. Foi esse o clima da tarde de ontem no acampamento da II Marcha das Mulheres Originárias, instalado em frente ao prédio do STF em Brasília.
É que, na quinta sessão do julgamento da corte sobre o marco temporal da demarcação indígena,
- o ministro Edson Fachin, relator do caso, confirmou seu voto em defesa do direito dos povos originários a ocuparem suas terras,
- contrariando a posição de Bolsonaro, da Advocacia-Geral da União (AGU) e as demandas do agronegócio.
O julgamento será retomado na próxima quarta com o voto dos demais ministros.
A tese do marco temporal prevê que
- para o reconhecimento de uma área como território indígena,
- seria necessário comprovar que os povos originários ocupavam a terra no momento da promulgação da Constituição de 1988.
Para os movimentos e articulações indígenas, caso reconhecida, significaria uma dos maiores ataques e restrições ao direito desses povos aos seus territórios ancestrais, desarticulando séculos de resistência e condenando diversas comunidades ao apagamento e à privação de direitos.
Leave a Reply