“Para onde vamos nós, agora? Não estaremos a precipitar-nos para todo o sempre? E a precipitar-nos para trás, para a frente, para todos os lados? Será que ainda existe um em cima de um em baixo? Não estará a ser noite para todo o sempre, e cada vez mais noite?”
Segundo Gilles Lipovetsky,
“Deus morreu, as grandes finalidades extinguem-se, mas toda a gente se está a lixar para isso. O vazio do sentido, a derrocada dos ideais, não levaram, como se poderia esperar, a mais angústia, a mais absurdo, a mais pessimismo”:
isto escreveu ele em A Era do Vazio.
Os espíritos mais atentos acham, porém, que é necessário dar antes razão a L. Kolakowski, o filósofo polaco agnóstico, quando afirmou que, desde a proclamação da morte de Deus por Nietzsche, nunca mais houve ateus serenos:
“Com a segurança da fé desfez-se também a segurança da incredulidade.
- Ao contrário de um mundo familiar, protegido por uma natureza benéfica e benigna, como era proposto pelo ateísmo iluminista,
- o mundo sem Deus dos nossos dias é sentido como um caos opressor, eterno.
É um mundo privado de todo o sentido, de qualquer orientação, sinal de direcção, estrutura. De há cem anos a esta parte, praticamente nunca mais vimos ateus serenos. A ausência de Deus tornou-se a ferida sempre aberta do espírito europeu, por maior que tenha sido o esforço feito para esquecê-la, recorrendo a toda a espécie de narcóticos.”
De qualquer forma, no seu livro posterior, A Sociedade da Decepção, o próprio Lipovetsky, reconhecendo
“a reafirmação do religioso”, veio dizer que,
- “privados de sistemas de sentido englobante,
- numerosos indivíduos encontram uma tábua de salvação no reinvestimento de antigas e novas espiritualidades
- capazes de oferecer a unidade, um sentido, referências, uma integração comunitária:
- é do que o Homem necessita para combater a angústia do caos, a incerteza e o vazio.”
Como escreveu o filósofo Eusebi Colomer, a própria expressão “morte de Deus” não é unívoca, pois pode ter e tem múltiplos sentidos.
- Pode significar que Deus realmente nunca existiu, embora só recentemente tenhamos feito essa descoberta.
- Pode querer dizer que talvez Deus exista, mas os seres humanos, que outrora se lhe dirigiram pela fé e pela invocação, hoje já não acreditam nele.
- Talvez queiramos apenas exprimir a experiência de ausência e aparente silêncio de Deus, própria do nosso tempo.
- Talvez estejamos apenas a referir-nos à necessidade de transcender constantemente as nossas ideias acerca de Deus, e, neste sentido,
- a “morte de Deus” significa a morte dos ídolos fabricados por nós.
Afinal, que Deus era esse que morreu? Se o Deus verdadeiro é o Deus sempre maior, que transcende sempre tudo quanto possamos pensar ou afirmar dele, então os deuses enquanto ídolos têm de morrer, para ser possível a fé no Deus verdadeiro…
Neste domínio, a pergunta essencial consiste em saber se é possível ser Homem sem colocar honestamente a questão de Deus. É que ser Homem é a abertura ao Infinito, e, assim, a questão do Homem é a questão de Deus precisamente enquanto questão.
Neste contexto, afirmar Deus não é então também um modo de expressar a confiança no Sentido último, como sugeriu o filósofo L. Wittgenstein?
De facto, como disse Marion Gräfin Dönhoff, co-editora do conhecido semanário alemão Die Zeit,
- “o fixar-se exclusivamente no aquém, que corta o Homem das suas fontes metafísicas,
- e o positivismo total, que se ocupa apenas com a superfície das coisas,
- não podem dar aos seres humanos um sentido duradouro e estável, e, por isso, levam à frustração”.
Isto tudo não prova, evidentemente, a existência de Deus. Significa apenas que o Homem se não compreende cabalmente sem colocar a questão de Deus.
Aliás, a relação de cada um com Deus é um mistério para si próprio. Para ficar na actualidade, lembro que
- o insigne psiquiatra Daniel Sampaio, com quem tive o privilégio de debater uma vez na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto a questão do sentido da vida e o suicídio,
- declarou, depois da luta pessoal duríssima que travou com a covid-19, que durante a doença chegou a lembrar-se de Deus e agradeceu a quem por ele rezou a um Deus que ele, não crendo, respeita.
Continuando na actualidade, investigações científicas recentes – uma da prestigiada Universidade Católica de América, em Washington, a outra, publicada na conhecida revista MedNext – concluíram, respectivamente, que
- “as pessoas que se mostram activas nas comunidades religiosas tendem a ter níveis mais altos de bem-estar, tendo sido este o caso durante a pandemia”,
- e que há uma “relação salutar entre a espiritualidade e o sistema imunitário”.
Por fim, o nadador norte-americano Caeleb Dressel, que se afirma profundamente cristão e que trouxe dos Jogos Olímpicos em Tóquio cinco medalhas de ouro, declarou que Jesus é mais importante do que as medalhas de ouro:
“A minha felicidade está em Deus.”
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Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Fonte: https://www.dn.pt/opiniao/deus-morreu-testemunhos-14029312.html
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