José María Castillo – 19 Fevereiro 2021 – Imagem: Daqui
Eis o artigo.
Uma das coisas que a pandemia deixou mais explícita é que uma notável maioria da sociedade se interessa mais com a “diversão” do que com a “crença”.
Quando o povo diz que, devido ao vírus,
- ficamos sem Natal, sem Festa de Reis, sem Quaresma, sem Semana Santa etc.
- o que menos importa à maioria do povo é recordar como Jesus nasceu, como morreu em sua Paixão e sua Cruz, etc.
- O que importa à maioria dos cidadãos é que ficamos sem viagem, sem praia, sem festa.
Ou seja, o que interessa é a “diversão”, não precisamente a “devoção”.
- O que é perfeitamente compreensível.
- Porque são milhares e milhares de cidadãos que vivem do turismo, hotéis, agências de viagens… em um país, como é o caso da Espanha, a economia se destrói.
- E com a economia, nos destruímos todos.
O que quero dizer com isto?
- Que deformamos a fé. De fato, para a grande maioria do povo, a fé é autêntica quando se vive como a correta relação com Deus.
- A que se traduz na submissão ortodoxa dos crentes aos que ensina e manda a autoridade hierárquica da Igreja.
- Isto é o que ensinam os livros de teologia e o que explicam os catecismos.
Algo que se levou tão a sério, que por isto os hereges foram condenados, torturados e até queimados vivos em praça pública. Para isso se criou a Inquisição.
Porém, neste assunto, há que se andar com cuidado. Porque, se nos atentarmos ao que relatam os Evangelhos,
- a fé não é sempre a correta relação com o Deus verdadeiro,
- mas a correta relação com a saúde humana.
Mãos que oferecem – Foto: Daqui
O maior elogio, que fez Jesus, da fé,
- não foi o de um crente no Deus verdadeiro,
- mas o de um militar romano, que tinha suas crenças,
- porém sofria porque um servidor seu estava morrendo (Mt 8, 5-13; Lc 7, 1-10).
E a “grandeza da fé”
- não foi atribuída a um discípulo seu,
- mas a uma mulher cananeia, que era pagã,
- porém queria muito uma filha sua que sofria (Mt 15, 21-28; Mc 7, 24-30).
Como também resulta estranho que o único leproso curado, que mereceu o elogio de sua fé,
- não foi nenhum dos ortodoxos judeus, que se foram ao templo,
- mas sim um herege samaritano, que teve a atenção de agradecer sua cura (Lc 17, 11-19).
Porém, mais eloquente que os evangelhos sinópticos é o evangelho de João. Sobretudo quando afirma que Jesus apropriou-se do nome de Deus que, quando o mesmo Deus disse a Moisés na sarça ardente:
- “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito.
- Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos.
- Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel” (Ex 3, 7-8).
E quando Moisés perguntou a Deus:
- “Qual é o teu nome?” (Ex 3, 13),
- Deus lhe respondeu “Eu sou” (Ex 3, 14).
Uma resposta desconcertante. Porque é uma definição que tem sujeito e verbo, mas não tem predicado.
- O nome de Deus não se pode “objetivar” em um conceito.
- Porque isso é reduzir o Deus transcendente a um mero objeto imanente.
- Ou seja, isso seria converter o “Absolutamente-outro” em uma “coisa”, o conceito que eu tenho em minha cabeça.
João Evangelista. Foto: Reproduçã0
Agora, este misterioso nome, “eu sou”, é o que se apropria Jesus em seus enfrentamentos com os líderes do judaísmo:
“Se não credes que eu sou, morrereis em vossos pecados” (Jo 8, 24).
Com ligeiras variantes,
- Jesus se apropriou do “eu sou” constantemente.
- Até chegar a dizer: “O Pai e eu somos um” (Jo 10, 30).
Jesus se identifica com Deus. Com o Deus que viu o sofrimento dos oprimidos. E veio a este mundo nos libertar.
Não restam dúvidas.
- Jesus suporta o erro.
- O que Ele não suporta é o sofrimento.
- E é o que vai decidir nossa sorte no juízo final:
- o que fizemos ou deixamos de fazer com os que sofrem (Mt 25, 31-46).
Para Jesus é mais importante a “humanidade” que a “religiosidade”. E isso é o que não entra na teologia e na cabeça dos teólogos.
Leia mais:
- As palavras certas sobre um Natal diferente. Artigo de Enzo Bianchi
- A Igreja e a pandemia. Artigo de José María Castillo
- Um bispo argentino, aos ultras do ‘Devolvam-nos a missa’: “Adorar o corpo de Cristo e não se comprometer eficazmente com a vida do irmão, não é cristão”
- A dimensão social do ministério de Jesus
- Vaticano proíbe as missas com fiéis durante Semana Santa nos países afetados pela pandemia
- Palavras secretas de Jesus, segundo Tomé
- O coronavírus e o “jejum de missa” na Quaresma
- Reconhecer Jesus
- Deus está o tempo todo junto de seu povo
- Quem é Jesus?
Leave a Reply