© Eraldo Peres (AP) Presidente Jair Bolsonaro em Brasília no último dia 20.
A denúncia aponta o mandatário brasileiro como responsável pelo assassinato, transferência forçada e perseguição contra povos indígenas.
A representação
- também denuncia a política de Bolsonaro em relação ao meio ambiente,
- pleiteando o reconhecimento do ecocídio — destruição do meio ambiente em nível que compromete a vida humana — como um crime passível de análise pelo TPI.
“Nós temos documentação exaustiva que prova que Bolsonaro anunciou, premeditou essa política de destruição total da Amazônia, a comunidade protegida pela Amazônia”,
afirma o advogado francês William Bourdon em entrevista à Agência Pública.
Bourdon foi quem formulou a denúncia, em associação com ONGs e outros advogados.
“Ele implementou essa política desde a tomada do poder,
- com uma multiplicação de decisões,
- de iniciativas não só para destruir todas as políticas históricas de proteção dos [povos] indígenas, de apoio humanitário, que vêm sendo realizadas há muitos anos…
- Mas ele se comprometeu, endossou publicamente uma política de destruição da Amazônia e de sua comunidade”, diz.
- é o primeiro organismo internacional permanente com competência para julgar autores dos crimes de maior gravidade,
- incluindo genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
A maioria dos casos analisados pelo órgão costumam envolver conflitos armados e violência física contra a população.
O TPI pode exercer sua jurisdição em três situações:
- quando um Estado Parte faz uma denúncia;
- quando o Conselho de Segurança da ONU faz uma denúncia;
- ou por iniciativa própria da procuradora do Tribunal, que pode iniciar inquérito.
No caso da comunicação apresentada hoje,
- a intenção é que a procuradoria do órgão internacional
- analise se os fatos apontados estão dentro da jurisdição do TPI
- e se justificam a abertura de investigação.
A denúncia se soma a uma série de outras representações contra o presidente brasileiro apresentadas ao Tribunal Penal Internacional.
- Em abril de 2020, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia denunciou Bolsonaro por crimes contra a humanidade pela condução do mandatário durante a pandemia da covid-19.
- Representações no mesmo sentido foram apresentadas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e por dezenas de sindicatos de profissionais de saúde.
- Antes, em novembro de 2019, a Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) denunciaram Bolsonaro por incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil.
Em dezembro do ano passado, a procuradoria do TPI informou que iria prosseguir com a análise da denúncia.
Foi a primeira vez que uma comunicação contra um presidente brasileiro “avançou” perante o organismo. A maioria das representações apresentadas ao Tribunal Penal Internacional são liminarmente eliminadas.
Para o advogado William Bourdon, Bolsonaro
- “anunciou, premeditou e implementou uma política sistemática de destruição”
- e a justiça brasileira não vem sendo eficaz em frear essas ações.
“É muito mais do que assédio, é muito mais do que uma política cínica de desprezo;
- é uma política de destruição, pela interação de muitos crimes.
- E é a interação de todos esses crimes que caracterizam os crimes contra a humanidade”, explica.
© Bordain Associes Advogado francês William Bordain
Confira a entrevista a seguir:
Pergunta. Quais os pontos mais críticos da política indígena de Bolsonaro e que motivaram a apresentação da denúncia?
Resposta. Claro que existem muitos critérios, mas de todos eles, o mais importante é que as manifestações de crime contra a humanidade sejam inspiradas por uma clara vontade política.
Nós temos documentação exaustiva que prova que Bolsonaro anunciou, premeditou essa política de destruição total da Amazônia, a comunidade protegida pela Amazônia.
Ele implementou essa política desde a tomada do poder,
- com uma multiplicação de decisões, de iniciativas
- não só para destruir todas as políticas históricas de proteção dos [povos] indígenas, de apoio humanitário, que vêm sendo realizadas há muitos anos…
Mas ele
- se comprometeu, endossou publicamente uma política de destruição da Amazônia e de sua comunidade.
- Então, não se trata apenas de aceleração de queimadas,
- é uma política de transferência forçada de população, roubo de terras, poluição, execução de militantes.
Os crimes contra a humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, após os Julgamentos de Nuremberg, foram considerados extermínios e execuções em massa.
Nestas últimas décadas, com o surgimento de uma nova política de destruição de pessoas, o direito evoluiu, está em evolução permanente. É por isso que nos referimos a isso em nossa comunicação, algumas manifestações públicas do escritório da procuradora do TPI,
- nas quais foi dito claramente que um grande crime ecológico — o ecocídio —
- poderia ser considerado um crime contra a humanidade.
Deve ser uma política sistemática e generalizada. E está claro que Bolsonaro anunciou, premeditou e implementou uma política geral sistemática de destruição.
Portanto,
- é muito mais do que assédio,
- é muito mais do que uma política cínica de desprezo;
- é uma política de destruição, pela interação de muitos crimes.
E é a interação de todos esses crimes que caracterizam os crimes contra a humanidade.
Claro,
- com o contexto de destruição de agências de proteção,
- de demissão de pessoas que deveriam ter o mandato de proteger essas comunidades, etc.
Tudo isso está descrito em nosso documento.
P. Como você disse, a denúncia aponta que Bolsonaro cometeu delitos enquadrados como crimes contra a humanidade. Pode explicar por que consideram que as ações de Bolsonaro se enquadram dessa forma?
R. Está absolutamente claramente listado, documentado. Devo acrescentar que pela grande responsabilidade,
- eu e toda minha equipe dedicamos mais de um ano para elaborar esse documento e para recolher todas as evidências.
- Agradeço muito a minha equipe e colegas brasileiros, ONGs brasileiras, ONGs francesas que ajudaram minha equipe, meu escritório de advocacia, a elaborar este documento.
Esses crimes são listados no documento como
- roubo de terras,
- transferência forçada de população,
- perseguição política,
- assassinato.
Eles estão previstos no artigo 7º do Estatuto do TPI e consideramos que o que aconteceu no Brasil desde a posse de Bolsonaro pode ser caracterizado como crimes contra a humanidade.
P. As ações de Bolsonaro em relação à pandemia de covid-19 impulsionaram a apresentação da denúncia?
R. A política cínica do Bolsonaro não é em si um crime contra a humanidade.
Nós nos referimos [na denúncia] à pandemia e à forma como Bolsonaro demonstrou
- um desprezo total pela vida,
- pelo direito dos cidadãos de serem cuidados, como um elemento contextual;
- em si não é um crime contra a humanidade, é um elemento contextual que ilustra e reforça os crimes contra a humanidade.
Me disseram que uma ONG brasileira já apresentou denúncia ao Tribunal Penal Internacional, mas não conheço o conteúdo deste documento.
Sei que foi um documento que se referia essencialmente à forma como Bolsonaro se recusou a proteger a população contra a pandemia. Não conheço o documento, mas, a meu ver, a maneira como o Bolsonaro não protegeu a população em si, estritamente do ponto de vista jurídico, não pode ser considerada um crime contra a humanidade.
- Mas é um elemento contextual que demonstrou o alto grau de desprezo de Bolsonaro pelos direitos de seus cidadãos —
- e, especialmente neste caso, pelos direitos dos povos indígenas,
- que foram especialmente visados.
Mas é uma política global de Bolsonaro.
P. Por que vocês consideram que as ações de Bolsonaro em relação aos indígenas se enquadram nos crimes passíveis de serem analisados pelo TPI?
R. O TPI tem jurisdição complementar, ou seja,
- por vezes o TPI rejeita a sua jurisdição,
- se for considerado que, no país em que foram cometidos crimes contra a humanidade, [o Estado] demonstrou a sua capacidade, a sua disponibilidade para instaurar um inquérito.
Na denúncia, nós demonstramos, de forma clara, sem qualquer ambiguidade, que
- as consequências desta cínica política de Bolsonaro privaram sem reservas
- todas estas comunidades [indígenas] de terem acesso a um juiz,
- para obter de qualquer juiz qualquer tipo de inquérito ou reconhecimento da responsabilidade dos seus crimes.
Esta é a aplicação do princípio da subsidiariedade.
Como o TPI tem jurisdição complementar, fizemos um esforço especial para demonstrar que
- Bolsonaro sistematicamente, como conseqüência de sua política, para assegurar, executar sua política com total impunidade,
- tomou algumas medidas contra um juiz, por multiplicação de recursos, etc,
- para garantir que nenhuma investigação fosse possível no Brasil.
P. Você pode explicar um pouco mais o porquê acreditam que a Justiça brasileira não está sendo efetiva nesse caso?
R. Nós temos fatos documentados de que
- os juízes brasileiros não tiveram a capacidade de responder efetivamente aos direitos dessas comunidades de ter acesso a um juiz
- ou de obter quaisquer inquéritos eficientes.
Sabemos que tem havido algumas tentativas, sabemos que já foram feitas algumas denúncias. Mas Bolsonaro já demonstrou vontade de controlar juízes, de controlar a justiça.
Isso tem sido denunciado no Brasil por muitos observadores. O fato dele recusar o princípio da justiça independente é um elemento, entre outros, que tem consequências sobre o porquê dessas comunidades estarem todas privadas de justiça.
P. A denúncia está sendo feita em nome de Raoni e de Almir Suruí. Como surgiu essa interlocução?
R. Eu fui convidado para um workshop em Bordeaux, em setembro de 2019. Lá, o [cacique] Raoni me perguntou que tipo de denúncia internacional poderia ser feita. Nós tivemos algumas reuniões com membros da equipe de Raoni em Paris. Também tivemos a oportunidade de ter uma longa conversa com o Raoni por Zoom. E esse foi o começo da história, dessa aventura coletiva.
E o Raoni, considerando a explicação da minha proposta, me deu suas instruções sobre o que apresentar ao TPI. Foi o que fiz com minha equipe. Para mim, é uma grande responsabilidade. Espero merecer a confiança dele e a confiança de sua comunidade.
O que estamos fazendo, claro, é em nome dos dois dois caciques. Mas é também para todas as outras comunidades e também para a humanidade. É consenso dizer que a Amazônia e suas comunidades são tesouros públicos de toda a humanidade, de geração em geração.
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Rafael Oliveira
Colaborou Bárbara D’Osualdo
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