OPINIÃO
Ines Pohl – 11/01/21 – Foto: “Não há dúvida alguma de que Trump pediu que apoiadores invadissem o Capitólio” / Oliver Contreras/CNP/picture alliance
Durante quatro anos Trump preparou a invasão do Capitólio em Washington com mentiras e agitação. Ele deve ser impedido de todas as maneiras de se candidatar novamente, opina Ines Pohl.
Não, os acontecimentos de 6 de janeiro não foram um deslize. Tampouco foram um acaso.
Eles foram
- a consequência inevitável de quatro anos de uma presidência que se baseou na raiva em vez da verdade
- e conseguiu transformar o posicionamento político de seus apoiadores em ódio ao “outro”.
Eu estava lá e testemunhei com meus próprios olhos e ouvidos como o discurso de Donald Trump naquele dia frio de janeiro transformou os manifestantes, em sua maioria pacíficos, em uma multidão em fúria.
Não há dúvida alguma de que o presidente pediu às pessoas para invadir o Capitólio.
De que outra forma frases como esta poderiam ser entendidas:
- “Vocês nunca retomarão nosso país com fraqueza.
- Vocês têm que mostrar força.
- Vocês têm que ser fortes”?
Ele as gritou à multidão – junto com o chamado para marchar em direção ao Capitólio.
Falei com as pessoas que tinham vindo de todo o país à capital para protestar contra o resultado eleitoral alegadamente “roubado”.
A maioria eram americanos médios que estão realmente convencidos de que o verdadeiro vencedor das eleições presidenciais é Trump.
- Infiltrados pelas mentiras dele.
- Presos em suas bolhas das redes sociais.
- Alimentados também pelos políticos republicanos que, de forma totalmente irresponsável, ajudaram a construir essa perigosa teia de mentiras.
- E que sacrificaram seu juramento de respeitar a Constituição em nome da ganância pessoal pelo poder.
Trump tem sangue nas mãos
E é precisamente porque não se trata de apenas um punhado de malucos que os democratas precisam fazer tudo o que podem para impedir que o presidente ainda no cargo concorra em outra eleição.
- Trump tem sangue nas mãos.
- Pessoas morreram na invasão do Capitólio.
- Só isso já é razão suficiente para buscar um segundo impeachment.
Mas ainda mais importante é organizar as maiorias necessárias no Congresso para aprovar uma ordem executiva garantindo que Trump nunca mais seja permitido de concorrer a um cargo público. Isto requer uma maioria de dois terços no Senado, o que só acontecerá se o bom senso finalmente prevalecer entre quase 20 republicanos.
Os democratas têm que tomar decisões difíceis nos próximos dias.
- Se buscarem o processo imediatamente, correm o risco de ter as primeiras semanas da presidência de Joe Biden ofuscadas pelo debate sobre o futuro de Trump.
- Alguns estão, portanto, argumentando a favor de esperar até que o novo governo tenha se estabelecido e passos vitais possam ser dados na luta contra a catástrofe da covid-19.
- Entre 3 mil e 4 mil pessoas morrem diariamente devido ao coronavírus nos Estados Unidos.
O processo contra Trump ainda poderia ser lançado semanas após a transferência de poder, apesar de isso nunca ter ocorrido. Pode ser que muitos apoiadores de Trump enxerguem nisso uma confirmação para o argumento de que o sistema político nos Estados Unidos está “corrompido”.Mas é preciso viver com isso.
Apenas uma amostra
O Partido Republicano tem provado repetidamente que não sabe lidar com o jogo de poder de Donald Trump. Se ele tiver a oportunidade de se candidatar novamente daqui a quatro anos, ele continuará a manter os republicanos reféns.
E não é só isso: 73 milhões de pessoas votaram a favor de Trump em 2020. É inteiramente possível que haja mais alguns milhões em 2024 se ele puder continuar trabalhando para reinterpretar a realidade em um Trump show – com a intenção de retornar à Casa Branca.
É preciso deixar claro para todos os líderes políticos que
- espalhar mentiras e fomentar o ódio tem consequências –
- e acaba imediatamente com carreiras políticas.
A invasão do Capitólio foi apenas uma amostra do que pode vir.
—
Ines Pohl
foi editora-chefe da DW e atualmente é correspondente em Washington. O texto reflete a opinião pessoal da autora, e não necessariamente da DW.
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Tudo que a Ines Pohl diz também aplica para o Brasil, ao meu ver.