DOMENICO AGASSO JR – 10 de novembro de 2020 . Foto: ex-cardeal Theodore Edgar McCarrick / DAQUI
Tradução: Orlando Almeida
O “Relatório” de mais de 400 páginas, produzido pela Secretaria de Estado do Vaticano a pedido do Papa Francisco, lança luz sobre encobrimentos e omissões que facilitaram a ascensão do ex-arcebispo dos Estados Unidos, posteriormente despadrado por Bergoglio
.
CIDADE DO VATICANO. Em julho de 2018, Theodore McCarrick ainda é uma eminência cardinalícia, arcebispo emérito de Washington, uma das personalidades mais influentes dos Estados Unidos; sete meses depois, em fevereiro de 2019, nem padre é mais.
- Uma parábola sem precedentes para um “príncipe da Igreja”, que terminou com uma queda
- que abalou muitas ‘Câmaras Sagradas’, no Vaticano e nos Estados Unidos,
- deixando a comunidade católica perplexa com a exitosa ascensão do ex-cardeal na hierarquia eclesiástica.
McCarrick é considerado culpado por atos graves.
- Em primeiro lugar, por ter violentado um adolescente há 46 anos, quando era padre em Nova York.
- A denúncia tornou-se conhecida em 20 de junho de 2018.
- A esta juntou-se, depois, outra acusação, a de James Grein, um homem da Virgínia que alegou ter sido molestado por McCarrick na década de 1970 durante uma confissão feita não num confessionário, mas num quarto.
A tudo isso somam-se os rumores sobre a má conduta sexual do ex-cardeal, que se ouvem desde os anos 1990, quando ele era arcebispo de Metuchen e Newark, em Nova Jersey. As vítimas eram também membros de famílias que o prelado frequentava habitualmente, a ponto de o apelidarem confidencialmente o “Tio Ted”.
Apesar disso, McCarrick, que fazia todos os anos generosas doações à Santa Sé, consegue a prestigiosa e influente sede episcopal de Washington, para a qual João Paulo II o designa em 2000, tornando-o mais tarde cardeal.
- A espinhosa questão dos encobrimentos por parte das altas hierarquias eclesiásticas, que estariam a par dos comportamentos impróprios de McCarrick, ainda estava, portanto, em aberto.
- Até hoje, 10 de novembro de 2020, dia da publicação do
- “Relatório sobre o conhecimento institucional e o processo decisório da Santa Sé sobre o ex-Cardeal Theodore Edgar McCarrick (de 1930 a 2017)“.
A investigação durou dois anos.
- Começou depois do verão de 2018, durante as semanas de “fogo” da invectiva de Carlo Maria Viganò,
- o ex-núncio apostólico nos Estados Unidos (cargo exercido de 2011 a 2016) e líder da oposição mais dura ao pontificado de Francisco, a partir de 26 de agosto de 2018,
- quando, através de uma operação de mídia internacional, pediu a renúncia de Bergoglio por supostos encobrimentos a favor de McCarrick.
Os contextos das decisões tomadas e não tomadas
Das mais de 400 páginas do relatório, depreende-se que, no momento da sua nomeação para Washington em 2000,
- a Santa Sé agiu baseand0-se em informações parciais e incompletas,
- causadas e agravadas por omissões e subestimações.
Faz-se necessário um esclarecimento:
- até 2017, não havia nenhuma acusação circunstanciada acerca de abusos ou de assédios a menores.
- Assim que chegou “a primeira denúncia de uma vítima, menor à época dos acontecimentos,
- o Papa Francisco agiu com rapidez e decisão em relação ao idoso cardeal já afastado da direção da diocese desde 2006,
- primeiro tirando-lhe a púrpura e depois demitindo-o do estado clerical”,
escreve o diretor editorial da mídia vaticana, Andrea Tornielli, numa análise no Vatican News.
As cartas anônimas dos anos 90
Nos anos noventa, algumas cartas anônimas chegaram aos cardeais e à nunciatura em Washington. Faziam referência a abusos, mas sem fornecer indícios, nomes, detalhes, contextos.
Não foram consideradas dignas de crédito. A primeira acusação circunstanciada envolvendo menores é a de três anos atrás.
Nenhuma informação negativa
No Relatório, lê-se que
- na época da primeira candidatura ao episcopado, em 1977, assim como na época das nomeações para Metuchen, em 1981, e depois para Newark, em 1986,
- nenhuma das pessoas consultadas para obter informações forneceu indicações negativas sobre McCarrick.
Uma primeira verificação, de caráter informal,
- acerca de algumas acusações sobre as atitudes do então arcebispo de Newark, em relação aos seminaristas e padres de sua diocese,
- foi realizada em meados da década de 1990, antes da viagem do Papa João Paulo II à cidade norte-americana (Newark).
- É feita pelo cardeal arcebispo de Nova York, John O’Connor: pede informações a outros bispos americanos e depois conclui que não há “impedimentos” à visita do papa à cidade da qual McCarrick é, naquele momento, o pastor.
O risco de escândalo
Mas depois começam a circular indiscrições sobre uma possível nomeação como arcebispo de Washington, uma diocese tradicionalmente chefiada por um cardeal.
- Há pareceres positivos qualificados,
- mas também se registra a opinião negativa de O’Connor.
- Ele não tem informações certas nem diretas, mas numa carta de 28 de outubro de 1999, dirigida ao núncio apostólico, ele escreve que considera a nomeação de McCarrick um erro.
- Alerta para o risco de escândalo, referindo-se a condutas inadequadas do arcebispo, que no passado teria compartilhado a cama com jovens adultos na casa paroquial, e com seminaristas numa casa de praia.
O Papa Wojtyla então pede ao núncio que investigue.
Mas a investigação escrita, não leva, mais uma vez, a nenhuma evidência concreta: três dos quatro bispos de Nova Jersey consultados fornecem informações definidas no Relatório como “imprecisas e incompletas”.
- João Paulo II, que conhece McCarrick desde 1976,
- acolhe a proposta do então núncio apostólico nos EUA Gabriel Montalvo, e do então prefeito da Congregação para os Bispos Giovanni Battista Re, de desconsiderar a candidatura.
McCarrick parece destinado a ficar em Newark. Parece.
O juramento de inocência muda tudo
Mas ele acaba tomando conhecimento das reservas a seu respeito e, em 6 de agosto de 2000, escreve ao então secretário particular do pontífice polonês, Stanislaw Dziwisz.
- Na carta proclama-se inocente
- e jura que “nunca teve relações sexuais com qualquer pessoa, homem ou mulher, jovem ou velho, clérigo ou leigo”.
Dziwisz entrega a carta a João Paulo II. O pontífice polonês acredita em McCarrick.
Assim, com instruções precisas dadas ao então secretário de Estado Angelo Sodano, ele determina que McCarrick seja reincluído na lista dos candidatos. E depois ele o escolherá para a sede episcopal de Washington.
Segundo alguns testemunhos,
- a experiência pessoal vivida pelo então arcebispo Wojtyla na Polônia,
- onde durante anos assistiu ao uso instrumental de “falsas acusações” por parte do regime para desacreditar padres e bispos,
- pode ajudar a compreender a situação.
A intervenção de Bento XVI
Nada é relatado durante o episcopado de McCarrick em Washington.
Quando, em 2005, ressurgem ecos de assédios e abusos contra adultos, o novo pontífice, Bento XVI, exige a renúncia do cardeal americano. McCarrick sai em 2006, tornando-se um arcebispo emérito.
No Relatório lê-se que neste período Viganò, como delegado para as representações pontifícias, comunica aos superiores na Secretaria de Estado as informações procedentes da nunciatura, salientando a sua gravidade.
“Mas ao tempo em que dava o alarme, ele também entendia que não estava diante de acusações comprovadas”, afirma Tornielli. O Cardeal Secretário de Estado Tarcisio Bertone apresenta a questão ao Papa Ratzinger. Na ausência de vítimas menores, e por se tratar de um prelado já demitido, decide-se não abrir um processo canônico.
As recomendações (não “sanções”)
A Congregação para os Bispos pede para McCarrick
- levar uma vida mais reservada,
- renunciar às frequentes aparições públicas.
- Inutilmente. O cardeal americano continua a viajar de um lado para outro do mundo.
“Estes deslocamentos eram em geral conhecidos e, pelo menos tacitamente, aprovados pelo núncio”.
De fato, dos documentos e dos testemunhos do Relatório fica claro que as “restrições” solicitadas a McCarrick não são “sanções”. São recomendações, comunicadas oralmente em 2006 e por escrito em 2008, sem que seja “explicitamente mencionado o imprimatur da vontade papal”.
Depois sobrevém uma nova denúncia contra McCarrick, da qual se tem notícia em 2012.
- Viganò, que se tornou núncio nos Estados Unidos,
- recebe do Prefeito da Congregação dos Bispos a incumbência de investigar.
Pelo que se depreende do relatório, o Núncio
- «não faz, porém, todas as investigações que lhe foram solicitadas.
- Além disso, continuando a seguir a mesma abordagem usada até então,
- não dá passos significativos para limitar as atividades e as viagens nacionais e internacionais de McCarrick”.
Expulso pelo Papa Francisco
McCarrick já tem mais de oitenta anos e fica portanto excluído do Conclave que elege o Papa Francisco. Continua a viajar e
- ao novo pontífice “não são entregues documentos ou testemunhos que o ponham a par da gravidade das acusações,
- até então apenas em relação a adultos, dirigidas contra o ex-arcebispo de Washington”.
A Bergoglio são mencionados “comportamentos imorais com adultos”, antes da nomeação de McCarrick para Washington. Francisco, no entanto, considera que as acusações foram analisadas e rejeitadas por João Paulo II e,
- constatando que McCarrick continuou ativo durante o pontificado de Bento XVI,
- não considera necessário mudar “o que foi estabelecido pelos seus predecessores”:
- portanto “não corresponde à verdade afirmar que ele tenha retirado ou amenizado as sanções ou restrições ao arcebispo emérito”.
Até chegar ao seu conhecimento a primeira acusação de abuso contra um menor:
- a essa altura, o Papa argentino determina imediatamente uma providência gravíssima e sem precedentes:
- a demissão do estado clerical, ao término de um rápido processo canônico.
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Domenico Agasso
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